Você sabe o que é trabalho em rede? Para ela, empreender nesse modelo foi a saída para se livrar do ambiente tóxico do antigo emprego

Thays Aldrighe - 24 out 2022
Parte da Rede Tecere (a partir da esq.): Helton Falusi, Alice Castro, Paula Quintas, Thays Aldrighe, Jéssica Panazzolo e Elaine Campos.
Thays Aldrighe - 24 out 2022
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Sempre tive dificuldade de lidar com essa coisa de prestar contas sobre minha vida pessoal. Achava um verdadeiro absurdo ter que avisar a um chefe que precisaria me ausentar por algumas horas para ir ao ginecologista ou ao dentista. Sem contar que só a pronúncia da palavra chefe me incomodava. 

Estou falando de um lugar lá no início dos anos 2000, época em que imperava o ditado “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Como assim chefe? Como assim mandar? Como assim obedecer?

Essa combinação de termos impregnando a cultura das organizações me causava arrepios, me trazia sofrimento. E eu sempre me sentia no lugar errado. Era como se eu nunca conseguisse fazer parte do contexto, embora sempre tenha gostado muito de trabalhar com comunicação. 

Ser repórter, buscar fontes, entrevistar, ouvir histórias, escrever matérias, ou atuar no mundo corporativo, pensando em estratégias de comunicação, planos de divulgação, são todas tarefas que me levam ao estado de flow. Eu simplesmente adoro executar tudo isso. Faço com o maior prazer.

Mas o fato é que o prazer que o trabalho me dava era anulado pelo desgosto de ter que lidar com relações de subordinação, de sujeição, de competição, de comando, de controle.

Perdoe-me quem acha que isso faz parte do jogo, mas preciso contar a vocês que não faz. Somos profissionais, adultos, responsáveis, sabemos das nossas obrigações e não precisamos de chefe observando cada passo nosso.

Precisamos de parceiros que contribuam com nossas ideias e entregas, profissionais com quem seja possível trocar e crescer — e não temer e obedecer.

AOS 20 E POUCOS ANOS, ADOECI NO AMBIENTE TÓXICO DO MUNDO CORPORATIVO

Imagine eu em uma reunião na qual uma diretora da empresa, no meio de uma discussão, rasga papéis importantes e joga os pedaços de sulfite em cima de outra diretora…

Agora mentalize que uma empresa inteira (mais de 200 colaboradores) decide fazer greve por conta de uma atitude egocêntrica de uma das executivas.

Juro. Eu vi isso tudo acontecer. Era tanto ego, tanto narcisismo, tanta síndrome de pequeno poder, que eu comecei a adoecer

Não entendia, naquela ocasião — com meus 20 e poucos anos de idade — que eu poderia simplesmente pegar minha bolsa, me retirar e sair à procura de um novo trabalho.

Afinal, era “normal” o mundo corporativo ser tóxico.

CONHECI TEORIAS DISRUPTIVAS SOBRE TRABALHO, MAS AINDA NÃO SABIA COMO ELAS PODIAM SER APLICADAS NAS EMPRESAS

Só fui entender que não, aquilo não era normal, depois de investir em algumas trilhas de aprendizagem que me levaram a desenvolver o autoconhecimento.

Conheci métodos e teorias, como facilitação, abordagem centrada na pessoa (do Carl Rogers), comunicação não violenta. Aquilo tudo foi música para os meus ouvidos.

Mas, com a minha armadura de mulher e profissional que sempre viveu a dinâmica do “comando e controle” mesmo depois de ter me deparado com todos esses conceitos, eu achava que eles só cabiam na vida de profissionais autônomos, de gente que não dependia da estrutura de uma organização para atuar.

Não conseguia entender como era possível aplicar teorias tão disruptivas dentro das empresas com culturas tão engessadas.

Até que conheci a Sandra Chemin, que encabeçava uma rede global de empreendedores, a Enspiral, onde a colaboração conduz todos os projetos e relações. Sandra também disseminava essa essência dentro de corporações, por meio de trabalhos de consultoria.

Foi preciso ver para crer. Entender que era possível construir um ambiente de ajuda e, com isso, formatar um modelo de negócio me causou uma sensação de acolhimento. Passei a não me sentir mais tão sozinha com minhas ideias de “colocar todo mundo para fazer junto”

Naquele momento, tudo começou a fazer sentido. Então, convidei um amigo, o Danilo Cruz, que era da Accenture, para me ajudar a tirar as ideias da cabeça e levar para o papel.

Costumo dizer que o Danilo é um gênio generoso. Juntos, começamos a desenhar o modelo da Rede TECERE, que reúne profissionais de diversas frentes da comunicação para atuar em projetos de gestão de marcas.

Nosso combinado era fazer dez encontros. A partir do terceiro, já não estávamos mais sozinhos. Outras pessoas começaram a participar. E, quando ficou pronto, convidei alguns amigos e colegas para apresentar o que seria o nosso “trabalho do futuro” — mas que estava sendo criado para viver no presente.

O interessante é que tudo o que foi preconizado neste início, no que se refere aos benefícios que teríamos por estarmos em rede, se consolidou de maneira tão intensa que hoje, posso dizer, tornou-se a nossa essência, a regência das nossas relações.

AS MUITAS VANTAGENS DO TRABALHO EM REDE

Eu, como entusiasta do trabalho em rede, vejo muitos pontos positivos no formato:

1. Sozinho, cada profissional só consegue ofertar o serviço relacionado à sua própria habilidade. Mas, juntos podemos oferecer ao mercado um conjunto de saberes, o que potencializa a nossa força comercial e amplia nosso portfólio.

2. Deixamos de ser profissionais autônomos e passamos a atuar sob uma marca com lastro e uma estrutura administrativa-financeira (ainda que pequena), fazendo com que o mercado nos valorize mais do que valoriza um freelancer. Quem é da comunicação sabe o quanto o trabalho de freela é associado a trabalho barato.

3. Mesmo não estando todos dentro de um escritório, somos um time e podemos trocar ideias, experiências e nos ajudar mutuamente.

4. Eu atuo mais na área comercial, de modo que o time não precisa, se não quiser, ter a incumbência de buscar cliente. Acho que tenho o sangue de comerciante do meu pai correndo pelas veias, o que acaba favorecendo a todos. Confio plenamente na entrega de cada profissional enredado e eles entregam tão bem que os clientes querem mais.

5. Ninguém é chefe de ninguém ou líder em um projeto. Quanto o projeto é grande, ele tem um gestor, que atua como facilitador, fazendo a ponte entre o cliente e a equipe, de forma a zelar pelos prazos das entregas. No entanto, cada um assume o protagonismo na sua frente de trabalho. E, se preciso for, qualquer integrante do time pode fazer a linha de frente com o cliente.

6. Os profissionais também têm autonomia para construir o melhor processo de trabalho, a partir do perfil do projeto, do cliente e dos parceiros que integram o time. Temos nossos rituais de atendimento e nossas ferramentas de trabalho. Mas o modus operandi da equipe é orgânico, respeitando a maneira como as relações se configuram naquele meio.

COMO A REDE TECERE FUNCIONA NA PRÁTICA

Organicamente, o processo de criação da rede foi um experimento daquilo que se tornaria o dia a dia de tantos profissionais. De início, tudo isso parecia utópico. Mas hoje, depois de quatro anos de operação da Rede TECERE, posso garantir e comprovar que não é. É exatamente assim que tudo funciona.

E ainda com o benefício de que construímos relações de trabalho saudáveis. Somos parceiros e somos amigos. O senso de colaboração e justiça desenha nossa cultura organizacional e chega no cliente.

Sim, porque somos uma organização. Temos nossos acordos, diretrizes e princípios. E o cliente percebe isso no dia a dia. Tanto que, quando acontece do cliente destoar muito desse clima, a parceria não dura. E, por outro lado, quando o cliente entende e valoriza o que construímos aqui, dentro de casa, ele quer mais

Hoje, a Rede TECERE tem poucos e bons clientes. São sete empresas com as quais temos contratos recorrentes e mais de um projeto girando dentro de cada uma delas. Para dar conta disso, somos cerca de 20 profissionais, todos seniores, capazes de praticar a autogestão, a autonomia e a corresponsabilização que um modelo de trabalho em rede pede.

E para onde vamos daqui para frente? Então, preciso te contar que não temos exatamente um plano de negócios, com DRE, previsão de headcount ou planos de conquistar o mundo. Podemos até conquistar o mundo, mas será no ritmo que nos permita seguir respeitando nossos “sins” e nossos “nãos”. 

Dizemos sim para empresas e parceiros que valorizam a colaboração, a inovação e o ganha-ganha. Dizemos não àqueles que querem tirar vantagem da equipe, querem arrochar os valores dos contratos, desrespeitam horários razoáveis de trabalho, e por aí vai…

Portanto, a rede se expande à medida que temos parceiros cujas escolhas se conectam com as nossas crenças e na proporção da entrada de clientes que valorizam um time disposto a empreender de forma conjunta no negócio dele. 

Seguimos, assim, com a missão de unir saberes, forças e habilidades distintas, em um modelo de trabalho forjado pelo respeito e pela cooperação.

 

Thays Aldrighe, 46 anos – Idealizadora da Rede TECERE, que reúne profissionais seniores de diferentes áreas da comunicação para conduzir projetos ligados à gestão de marcas. Jornalista, já contribuiu com publicações como Forbes Brasil, Exame, Valor Econômico. Empreende no mercado da comunicação empresarial desde 2009.

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