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Elas querem transformar a hotelaria brasileira com uma certificação baseada em ESG, blockchain e impacto positivo nas comunidades

Juliana Afonso - 31 jul 2025
As sócias do SeloXIS: Aline Schneiders, Ludmila Vilar e Priscila Bentes.
Juliana Afonso - 31 jul 2025
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Imagine uma cidade pequena, com praias bonitas ou um centrinho charmoso. Você certamente conhece um lugar assim. Ela cai no gosto dos turistas e com o tempo se consolida como destino de viajantes, gerando renda e emprego para os moradores.

Entretanto, o crescimento desordenado traz problemas de saneamento e abastecimento de água, faz os preços dispararem e obriga os moradores a buscar moradia longe do centro… 

Esse roteiro, que sempre se repete no Brasil, reflete os dilemas de municípios que atraem visitantes e ganham um impulso econômico, mas sem estrutura adequada para comportar o fluxo e minimizar os impactos negativos do turismo. 

Para dar visibilidade às hospedagens que se destacam de forma positiva nesse cenário, um trio de mulheres lançou o SeloXIS, uma certificação de práticas sustentáveis para pousadas e hotéis brasileiros. A CEO Priscila Bentes, 64, explica:

“Onde tem miséria, tem degradação, tráfico de animais, violência… Então enquanto tem miséria, não tem sustentabilidade. O nome veio daí, a gente quer multiplicar inovação e sustentabilidade pelos destinos”

Ao lado de Priscila nessa empreitada estão Aline Schneiders, 41, e Ludmila Vilar, 48. Mais do que servir como uma chancela para bons exemplos, o objetivo delas é criar uma nova cultura dentro do turismo – em que a regeneração do meio ambiente e a melhora da qualidade de vida das pessoas sejam processos indissociáveis. 

O TURISMO GERA RENDA E EMPREGO, MAS TAMBÉM TRAZ GRAVES IMPACTOS AMBIENTAIS

A questão ambiental já chamava a atenção de Priscila bem antes de o projeto sair do papel. Nascida em Petrópolis (RJ), residente no Rio de Janeiro e formada em Artes Plásticas e Comunicação Visual pela PUC-RJ, ela acabou enveredando pela área de turismo.

Em 2003, Priscila fundou o Circuito Elegante, uma associação de hotéis e pousadas de alto padrão no Brasil, que segue ativa ainda hoje. Ao longo dos anos, ela via com preocupação a degradação ambiental se acelerando em suas viagens pelo Brasil.

Responsável por quase 10% do PIB global, segundo dados do WTTC (sigla em inglês do Conselho Mundial de Viagens e Turismo), o turismo responde por 8% das emissões de gases de efeito estufa do mundo. 

Assim, a partir de 2018 Priscila idealizou a primeira versão do SeloXIS, que começou a ser aplicado em 2021 em alguns hotéis do Circuito Elegante. Eram os tempos da Covid-19, mas a pandemia não chegou a afetar o trabalho, já que o processo era (e é) feito sobretudo à distância.

A certificação não engrenou naquele momento. Mas essa história logo tomaria um novo rumo.

O ENCONTRO ENTRE AS SÓCIAS INAUGUROU UMA NOVA FASE DO PROJETO

Em 2023, Priscila estava cursando uma pós-graduação sobre ESG no Ibmec; lá, conheceu a jornalista Ludmila, diretora da Banca Comunicação

As duas entraram em contato com Aline (graduada em Administração e doutoranda em Engenharia Agrícola pela Unicamp) por meio de um grupo de WhatsApp criado por ela e outra aluna da pós para discutir desafios do ESG.

Assim, em julho daquele ano, o trio estava formado. Elas resolveram resgatar a ideia do SeloXIS, agora olhando para além do Circuito Elegante: 

“A gente viu a necessidade de ir além e criar uma empresa para atender todo o setor”

Priscila havia acabado de contratar uma mentoria a Prowa Strategic Consulting para repensar o SeloXIS. E as novas sócias participaram dessa jornada, que durou dois meses: “Foi ótimo para o kickoff na nova fase do Selo que tínhamos a missão de construir”, diz Ludmila, diretora de comunicação ESG do SeloXIS.

Elas repensaram a metodologia XIs com o objetivo de incluir novos critérios a partir dos principais frameworks do mercado, como o Sustainability Accounting Standards Board (SASB), além de indicadores do Instituto Ethos. 

Outra mudança foi a adaptação dos indicadores à realidade do setor. Segundo Ludmila: 

“O turismo é formado basicamente por pequenas e médias empresas. Não adianta aplicar os mesmos indicadores da Natura em uma pousada de 20 quartos”

O Selo foi relançado em 2024. O passo seguinte foi criar o Instituto XIS, uma entidade sem fins lucrativos, no início de 2025. A ideia é que o instituto seja um guarda-chuva reunindo diferentes frentes em prol de um turismo mais sustentável (sendo a certificação uma dessas frentes). 

“Sobre as frentes que vão compor o Instituto além da de Certificações, ainda estamos estudando”, diz Ludmila. “Mas certamente teremos a frente de Impacto e Descarbonização e  Advocacy e Educação.”

A IDEIA É SER UM SELO EDUCATIVO E FORMATIVO (E NÃO PUNITIVO)

Para conseguir a certificação, cada empreendimento precisa passar por algumas etapas. A primeira consiste em preencher um questionário de indicadores ESG. 

O questionário costuma ser preenchido pelo dono do hotel e contém, ao todo, 108 perguntas (30 relacionadas ao pilar Ambiental, 58 do Social e 20 de Governança). Um exemplo: “A empresa tem um plano de ação formalizado para minimizar seus riscos e impactos ambientais, onde seus indicadores são medidos e gerenciados?”

Para cada pergunta há quatro opções de resposta, e a necessidade de apresentar documentos que comprovem as práticas adotadas. Durante o processo de validação desses documentos, a SeloXIS orienta o hotel sobre as melhorias necessárias para alcançar a pontuação mínima. 

“Criamos quatro níveis de maturidade a partir de uma pontuação que vai de 4 a 10”, explica Aline, diretora de certificação do SeloXIS. E continua:

“Tudo o que o empreendedor faz é contabilizado. Assim, conseguimos aplicar critérios mais exigentes para quem já está mais avançado, sem desvalorizar os estabelecimentos que estão começando. Nosso propósito é ser um selo educativo e formativo, e não punitivo”

Concluída essa fase, vem a segunda etapa, em que o empreendimento deve apresentar um inventário de emissões de gases de efeito estufa, documento que quantifica a emissão de gases poluentes na atmosfera. 

O SeloXIS não realiza esse inventário, mas recomenda que os clientes façam com a Fluxo Consultoria, uma empresa júnior da UFRJ (os hotéis podem contratar outras empresas, desde que a metodologia usada seja a GHG Protocol, que estabelece diretrizes globais para medir e gerenciar emissões).

COMO ENGAJAR HOTÉIS EM PROJETOS DE IMPACTO SOCIAL E AMBIENTAL

Com o inventário em mãos, é possível estimar o valor do investimento necessário para neutralizar esse impacto. 

Daí começa a terceira etapa da certificação: a compensação das emissões. Em geral, o plantio de árvores costuma ser o recurso mais utilizado. Porém, Ludmila explica que, cientes das limitações desse modelo, ela e as sócias decidiram apostar em outro caminho: 

“Criamos um sistema em que o hotel se corresponsabiliza com projetos de impacto ambiental e social na sua região”

Ludmila cita como exemplo a Vila de Alter Pousada Boutique, hospedagem certificada em Alter do Chão, distrito de Santarém, no Pará; uma parte do valor da diária é convertida em doações para uma ONG que combate o tráfico de animais silvestres.

Outra forma de compensar as emissões é aderindo ao programa Guardiões do Clima, da iniciativa Turismo CO2 Legal, parceira do SeloXIS. O programa remunera populações em situação de vulnerabilidade social que se comprometem com a preservação do meio ambiente nos arredores dos empreendimentos turísticos. Segundo Priscila:

“Essas pessoas recebem um treinamento e atuam como agentes de denúncia: se veem algo errado, fazem o reporte. Elas também se comprometem a manter os filhos na escola, não traficar animais silvestres e não poluir o meio ambiente”

Há projetos ativos do Guardiões do Clima em Jericoacoara, no Ceará, e na Península de Maraú, na Bahia. Os dados ainda estão em fase de coleta e ao fim de um ano serão entregues a cada hotel.

A BLOCKCHAIN GARANTE TRANSPARÊNCIA À COMPENSAÇÃO DAS EMISSÕES

Inventário feito, projeto social definido. Mas como garantir que o dinheiro vai mesmo para o destino final? “A [falta de] transparência é um dos maiores motivos que impedem as pessoas de contribuírem”, afirma Priscila. 

Na busca de uma solução, as sócias investiram (em parceria com a startup Ekonavi) em num sistema com blockchain, que garante a inviolabilidade dos dados e a transparência do processo. Ludmila afirma:

“A tecnologia blockchain é bastante usada para rastrear cadeias de fornecimento em diversas indústrias. A gente usa para que turistas e empreendedores possam rastrear o dinheiro que eles investiram para compensar suas emissões de gás carbônico”

O custo para obter a certificação varia de 6 mil a 10 mil reais (fora a elaboração do inventário, que vai de 3,5 mil a 5 mil reais). Os valores mudam de acordo com o porte do hotel. 

Pode parecer um valor elevado para os pequenos negócios, mas segundo as sócias o preço é competitivo. “Se certificar pelo Sistema B, custa cerca de 40 mil reais”, compara Priscila. 

Por enquanto, a SeloXIS conta dez hotéis certificados e outros dez em processo de certificação. Em relação às certificações, a meta é fechar o ano com 50 hospedagens. Sobre o desafio de expandir a base, Ludmila afirma:

“Temos que lembrar que são pequenos negócios. É muito desafiador para o dono de um hotel parar e olhar para essas questões, sendo que muitas vezes ele quase não tem equipe”

Às vezes, é a realidade que impõe restrições. Ela lembra uma pousada em Paraty (RJ) impedida de instalar painéis solares no teto devido a restrições relativas ao patrimônio histórico. Nesse caso, não há muito o que fazer.

APOSTANDO NO TURISMO COMO VETOR DE TRANSFORMAÇÃO

As fundadoras fizeram um aporte inicial de 600 mil reais no desenvolvimento do projeto. O Instituto também oferece produtos e serviços, como consultorias para hotéis que desejam estruturar ou aprimorar suas práticas sustentáveis. 

A receita ainda não remunera integralmente as sócias, mas elas mantêm a aposta no turismo como vetor de transformação e na certificação como estratégica para hotéis se alinharem às tendências de mercado, abrindo as portas para clientes e parcerias. Ludmila afirma:

“A indústria vai começar a cobrar. Um dia a Nestlé pode chegar para uma pousada e falar: ‘Quero fazer um evento aí, mas preciso que você me mostre suas práticas de sustentabilidade’…”

Outra vantagem seria o acesso facilitado a empréstimos. “Os bancos estão criando linhas de crédito específicas para estabelecimentos que provam suas práticas sustentáveis”, diz. 

Agora, para ampliar o alcance do projeto, as empreendedoras buscam firmar parcerias com o Ministério de Turismo, secretarias estaduais e entidades como o Sebrae.

“A nossa missão é ser um catalisador de práticas sustentáveis no turismo”, diz Ludmila. “Queremos chamar essa indústria para a discussão e, quem sabe, dar para ela um lugar protagonista.”

 

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