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Com molhos e geleias, eles querem levar a Amazônia ao mundo e abrir mercado para os ingredientes da sociobiodiversidade brasileira

Maisa Infante - 23 jul 2025
Letícia e Peter Feddersen, fundadores da Soul Brasil Cuisine.
Maisa Infante - 23 jul 2025
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Será que você pode impactar de forma positiva os biomas brasileiros ao passar uma geleia no pão ou temperar a carne do churrasco com molho de pimenta?

Para o casal Letícia e Peter Feddersen, fundadores da Soul Brasil Cuisine, sim. A marca produz molhos e geleias com ingredientes dos biomas brasileiros, como a pimenta Baniwa e o guaraná de Mauês (ambos na Amazônia) e o cacau de São Félix do Xingu. Ela afirma:

“Nossa missão é gerar demanda para os produtos da sociobiodiversidade brasileira. A gente tem a maior biodiversidade do mundo, mas isso nem é conhecido no próprio Brasil. Muita gente nunca ouviu falar, por exemplo, do Cumaru. É aí que entra a Soul Brasil: para apresentar esses sabores e mostrar o valor que eles têm”

A história começou em 2017, quando Letícia e Peter deixaram seus empregos para empreender. Ela vem da área de exportação – trabalhou por oito anos no projeto Brazilian Flavors, da ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos); ele fez carreira no setor de investimentos. 

Em 2018, lançaram os primeiros produtos da marca e traçaram um plano focado na exportação, principalmente para a Europa. Contamos essa história aqui no Draft, em agosto de 2019. Mas no ano seguinte veio a pandemia, que levou o casal a reajustar a rota e repensar o negócio. 

AO MONTAR UMA FÁBRICA PRÓPRIA, O CASAL CONSEGUIU LEVAR O NEGÓCIO ADIANTE

Naquele momento, em meio à crise da Covid-19, os dois concluíram que tinham em mãos algo incrível, porém estava mais para um teste do que para um negócio. Para escalar, era preciso outra estratégia. 

“Ou a gente dava um passo e fazia de um teste piloto um business, ou a gente fechava”, diz Letícia. Decidiram, então, montar uma fábrica própria. Até então, a produção era terceirizada. E frente às demandas que surgiam, a falta de flexibilidade era um entrave para o crescimento do negócio. 

“Nós éramos lentos nas respostas porque não dependia da gente. E precisávamos ser ágeis e customizar para o cliente, além de ter um preço de exportação mais competitivo. No fundo eu tinha outro layer – o fabricante – e meu produto chegava no exterior muito caro. Todo mundo adorava o sabor, mas achava caro demais”

A fábrica foi montada na Barra Funda, região central de São Paulo, e começou a operar em 2021, com apenas uma funcionária. Hoje, com 10 funcionários, a Soul Brasil produz cerca de 2 750 geleias e molhos de pimenta por dia e tem capacidade de chegar a 5 500. 

O portfólio hoje inclui cerca de 70 produtos, como Geleia Orgânica de Manga com Cumaru (R$ 34,90, o pote de 200g), Geleia Orgânica Cupuaçu da Amazônia (R$ 11,90, com 40g), Molho de Pimenta Jiquitaia Baniwa com Açaí (R$ 21,90) e Molho de Pimenta Fidalga com Manga (R$ 21,90). 

PARCERIAS COM GRANDES MARCAS E PRESENÇA NO CAFÉ DA MANHÃ DE HOTÉIS DE LUXO

Com a produção nas próprias mãos, a Soul Brasil conseguiu diversificar suas fontes de receita.

O caminho passou por firmar parcerias, pensando em soluções para clientes e atendendo a demandas mais específicas. Por exemplo, produzir apenas um balde de geleia para um restaurante, algo que a maioria das indústrias não faz. Letícia afirma:

“Com isso, criamos uma parceria muito sólida e próxima. Não somos aquela marca que tem mil clientes, mas temos aqueles que começam conosco e perduram”

O faturamento vem crescendo e eles esperam atingir o breakeven ainda este ano. Em 2021, a Soul Brasil faturou 450 mil reais; três anos depois, em 2024, o número saltou para 1,6 milhão de reais. 

As parcerias com chefs, restaurantes e marcas já respondem por 40% do faturamento. Hoje, a Soul Brasil fabrica as geleias da marca Fasano e tem uma collab com a chef Morena Leite, do restaurante Capim Santo, na produção de uma geleia e um molho de abacaxi, gengibre e capim santo. 

Em 2024, eles lançaram, em parceria com a Swift, um kit (à venda em 250 lojas da Swift pelo país) com três molhos: Pimenta Fidalga com Manga Ubá, Bode com Goiaba e Jiquitaia Baniwa com Açaí.

Os produtos têm certificação orgânica e o Selo Origens Brasil, rede que promove negócios sustentáveis na Amazônia em áreas prioritárias de conservação, com garantia de origem, transparência, rastreabilidade da cadeia produtiva, promovendo o comércio ético.

A articulação dessa parceria surgiu na Amaz, aceleradora que tem o Fundo JBS da Amazônia como um dos seus parceiros.

“Esse projeto é uma parceria estratégica. Existe uma responsabilidade de impacto construída junto com a Swift e a Soul Brasil. Em seis meses, ele foi responsável pela venda de 11% da pimenta jiquitaia produzida pelas Baniwa [indígenas que ocupam a bacia do rio amazonas há mais de 3 mil anos]”

Outra fonte de receita são os hotéis e restaurantes, que em bloco representam 30% do faturamento. A presença em hotéis é um movimento mais recente que, segundo Letícia, também tem dado ótimos resultados. As geleias da Soul Brasil estão no café da manhã de cerca de 100 hotéis, como Club Med, Beach Park, Unique e Grand Hyatt. 

O canal do varejo responde por 25% das vendas; os produtos podem ser encontrados em delicatessen e empórios, como Casa Santa Luzia e Empório Rubaiyat. A marca também compõem as gôndolas do projeto Floresta Faz Bem, do Grupo Carrefour. Os 5% restantes do faturamento vêm do e-commerce próprio.

DA VALORIZAÇÃO DO INGREDIENTE AO IMPACTO NA VIDA DAS COMUNIDADES

Quando lançou seus primeiros produtos em 2017, a Soul Brasil queria levar às pessoas e ao mundo o sabor dos ingredientes locais. Isso nasceu da percepção de Letícia de que o público estrangeiro queria conhecer os sabores do Brasil, algo que o país não conseguia oferecer. 

Com esse olhar, a marca foi em busca de encontrar esses ingredientes e desenvolver os produtos. Assim, começou a oferecer as geleias e molhos com pimentas e frutas nativas, como açaí e a manga ubá.

Porém, com a inauguração da fábrica e o surgimento de parcerias e oportunidades, eles perceberam que o cerne do negócio não era apenas valorização dos ingredientes, mas sim o impacto positivo que esse modelo promovia. Isso vem sendo aperfeiçoado a partir de uma consultoria com a Fundação Eco +, ligada à Basf. Segundo Letícia:

“A gente saiu de uma empresa um pouco mais premium, focada em lifestyle, para se tornar uma empresa de impacto. A saudabilidade sempre estará no nosso DNA. Mas essa parte do impacto foi ganhando força, porque já estava nos nossos valores”

A região amazônica é um dos territórios onde as parcerias já estão mais bem estabelecidas. O cacau em pó usado na geleia de banana com cacau, por exemplo, vem de Altamira, no Pará. Diretamente, 150 famílias de agricultores são impactadas com essa comercialização.  

A pimenta Jiquitaia Baniwa (nome da comunidade indígena que vive em área protegida no Médio do Rio Negro) é comprada diretamente das comunidades. Inclusive, 10% do lucro da comercialização do Molho de Pimenta Baniwa com Açaí é repassado para os Baniwa, que usam esses recursos para investir em mais “casas de pimentas” — onde são processadas essas iguarias.

O guaraná vem de Mauês, no Amazonas, uma vila fundada no final do século 17 que fica a quase 400 km (de barco) de Manaus. Em 2020, o guaraná da Terra Indígena Andirá-Marau, em Maués, recebeu do INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) a certificação de Indicação de Procedência (IP).

“A gente brinca que quer ser as Havaianas, porque as Havaianas levam a brasilidade pro mundo. Mas a gente quer levar a Amazônia”, diz Letícia. “E quer ser um catalisador disso, alguém que gera demanda por esses produtos e essa cultura.”

PARA EXPANDIR E ESCALAR, É HORA DE BUSCAR CAPITAL

Em paralelo às parcerias no mercado interno, a Soul Brasil segue com o plano de levar os sabores da sociobiodiversidade brasileira para o exterior.

Em 2024, a empresa participou da Jornada da Amazônia, programa de aceleração da Certi (Centro de Referência em Tecnologias Inovadoras), o que, segundo Letícia, ajudou na preparação para iniciar a rodada de captação de investimentos, que já está em andamento.

“Nosso objetivo com a rodada é realmente financiar a expansão. Já está tudo planejado, mas agora precisamos do recurso para dar esse passo que a gente acredita que pode alavancar e escalar o negócio.”

Até aqui, os investimentos na Soul Brasil foram majoritariamente feitos com recursos próprios. O casal já aportou cerca de 2 milhões de reais.

“Quando é recurso próprio, e você ainda é menor, dá pra segurar de alguma maneira. Mas conforme a empresa cresce, a complexidade aumenta. Hoje a Soul Brasil está num momento bem desafiador e o recurso próprio já não dá conta”

O plano de expansão internacional mira o mercado dos Estados Unidos; a empresa já tem um escritório aberto em Delaware. No entanto, o cenário de incerteza com as possíveis taxações prometidas por Donald Trump fez com que Letícia e Peter repensassem a estratégia.

“Esse plano está em stand-by enquanto a gente tenta entender melhor os impactos. Em paralelo, estamos abrindo outras frentes que estão até mais adiantadas, no Canadá e na China, onde já temos potenciais clientes muito interessados na Soul Brasil.”

Apesar dos desafios diários, Letícia tenta manter uma perspectiva leve sobre a trajetória empreendedora. Ela conta que às vezes se sente como se estivesse “em um jogo de videogame”:

“Tem semana que parece que mudei de fase, e tem semana que volto lá pro começo… O mais difícil foi aceitar isso: entender que sim, é difícil, mas a jornada vale a pena, é muito rica. E temos conhecido muita gente boa nesse caminho: é bom ver que tem tanta gente legal nesse mundo.”

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