Quando se fala em produção de cacau no Brasil, quem entende do assunto logo pensa no Pará, que hoje responde pela maior parte do cultivo nacional do fruto, ou na Bahia, produtora tradicional — quem viu a novela Renascer lembra que a fazenda cacaueia do protagonista José Inocêncio ficava em Ilhéus.
Mesmo entre as marcas de chocolate artesanal do país, são poucas as que usam matéria-prima de outras regiões. Uma dessas é a Macondo Chocolates Artesanais. Fundada por uma família colombiana, trabalha com cacau cultivado no Vale do Ribeira, no sul do estado de São Paulo.
À frente da Macondo está o biólogo, cacauicultor e chocolateiro colombiano Fares Guarín, 32. Ele conta que sua inspiração veio da avó:
“Ela conseguiu criar nove filhos na base do chocolate, da agricultura de subsistência, basicamente. Minha mãe aprendeu com a minha avó a fazer chocolate”
A proposta da Macondo é criar um chocolate de tradições andinas, mas com “jeitinho brasileiro”. Isso porque as diferenças entre Brasil e Colômbia se estendem à relação com o produto.
Fares tem lembranças de tomar chocolate quente todo dia no café da manhã, assim como do chocolate sendo parte integral de sua alimentação na Colômbia. Porém, lá o doce não era consumido como sobremesa e muito menos havia a “fixação” por chocolate ao leite como no Brasil.
“A gente precisou pesquisar, ver como fazer essas novas formulações e adaptá-las a um paladar um pouquinho mais adocicado e muito mais cremoso.”
O nome Macondo, claro, remete à cidade fictícia que está no centro de Cem Anos de Solidão, a obra-prima do colombiano Gabriel García Márquez (que recentemente virou série da Netflix), ganhador do Nobel de Literatura em 1982.
Realismo mágico à parte, o cenário imaginado por García Márquez para sua saga certamente guardava semelhanças com as montanhas dos Andes onde a numerosa família de Fares vivia, transmitindo o costume da fabricação de chocolate de geração a geração.
Essa tradição foi interrompida nos anos 1990 pela presença das Farcs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) na região. O conflito forçou a família a se mudar para Medellín, segunda maior cidade do país, e a procurar empregos na indústria têxtil.
Só muitos anos depois, em 2012, os pais de Fares, Doña Lucelly e Don Fares, retomaram a vida e a produção de chocolate fora da cidade grande. Naquele momento, o jovem Fares estava de mudança para o Brasil, para cursar biologia na Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), no Paraná.
Três anos atrás, após a pandemia, Fares chamou os pais para virem morar no Brasil. Beirando os 60, os dois toparam deixar tudo para trás na Colômbia — ou quase tudo. Isso porque a mãe nunca abandonou a vontade de voltar a produzir chocolate. E trouxe, na mala, um melanger, moedor usado na fabricação do doce.
Após um período no ambiente urbano, com uma queda na qualidade de vida dos pais, Fares encontrou um sítio no Vale do Ribeira. E foi lá que a família se instalou:
“A gente não chegou com a ideia de plantar nem de encontrar cacau no Vale do Ribeira. Isso foi realmente uma sorte muito grande”
A região, que concentra a maior área contínua de Mata Atlântica do estado de São Paulo, tem clima quente e úmido, adequado ao plantio do fruto. Não à toa, hoje é beneficiada pelo Programa Cacau SP, lançado em 2024 para incentivar e ampliar a produção do fruto no local, onde ele é cultivado à sombra das bananeiras.
Ao descobrir a existência de cacau nas regiões próximas, Fares firmou uma parceria público privada com a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA). Seu intuito, como biólogo focado em ecologia e biodiversidade, era estudar e resgatar as áreas de cultivo do fruto abandonadas nos anos 1970.
O resultado, diz, foi impressionante. Por ali, havia cerca de 30 variedades de cacau diferentes de tudo que é produzido no país hoje. Elas não foram afetadas pela vassoura-de-bruxa, praga que devastou as plantações da Bahia no final da década de 1980. Portanto, o cacau do Vale do Ribeira conservou as antigas características sensoriais do fruto.
A Macondo nasceu em novembro de 2023, com um investimento inicial apertado, menos de 10 mil reais.
A ideia no princípio era comercializar os chocolates em feiras e eventos do Vale do Ribeira. Esse escopo foi se ampliando até alcançar Curitiba, em dezembro de 2024. Lá, Fares encontrou uma abertura no ecossistema empreendedor para firmar a marca.
Hoje, o público principal dos chocolates da Macondo está na região Sul. O objetivo junto aos programas governamentais é expandir o cultivo de produtores locais rumo ao litoral paranaense, de modo a transformar as áreas desmatadas remanescentes da Mata Atlântica em agroflorestas de cacau.
Devido ao clima, o cacau plantado em zonas subtropicais tem características diversas em relação ao cultivado na Bahia ou na Amazônia, o que gera outro diferencial. Mais sensível às mudanças de temperatura, o fruto cultivado ao Sul, segundo Fares, permite produzir um chocolate que derrete mais facilmente na boca.
“O cacau do Vale do Ribeira tem uma leveza, é um chocolate com bastante nota de cacau, algo de que o brasileiro gosta muito. Isso ajudou a gente a encontrar formulações”
Os chocolates são feitos à base de nibs e manteiga de cacau, leite integral e açúcar demerara orgânico. Segundo Fares, o brasileiro gosta de versões que incorporam mais ingredientes; a Macondo tem versões que adicionam frutas e especiarias, privilegiando sabores locais (erva mate em vez do hypado matcha, por exemplo). “Também usamos chá de camellia sinensis, cultivado no Vale do Ribeira por famílias super tradicionais japonesas, e cataia.”
Com a instalação de novas agroflorestas no Paraná, a ideia é explorar ainda mais sabores da região, como o cambuci, a uvaia e a grumixama.
Enquanto Fares cuida da gestão e das vendas, seus pais se encarregam das etapas iniciais de fabricação: a seleção das amêndoas, a torragem, a descascagem, a produção do chocolate bruto e do liquor de cacau. Do sítio no Vale do Ribeira, saem tijolos de chocolate bruto que, em Curitiba, Fares transforma nas barras prontas para a venda.
Além das feiras de chocolate e das vendas na região do Vale, a Macondo tem parcerias com lojas em São Paulo e em Curitiba. E, no começo de agosto, abriu a primeira loja própria no Marco Zero da capital paranaense.
A capacidade de produção passou de 835 quilos para duas toneladas por ano. Segundo Fares, a Macondo tem feito duas mil barras, ou 140 quilos, ao mês, das quais são vendidas no mesmo período de 500 a 600 itens — os preços giram em torno de 30 reais por barra.
Atualmente, a Macondo tenta costurar parcerias com pequenos produtores locais, em que a troca de expertise integra o negócio.
“A gente comprou os primeiros lotes de cacau de um produtor do município de Miracatu (SP). Ensinamos as técnicas de avaliação de fruto, começando a criar essa rede de confiança e socialização das informações para perpetuar o padrão do cacau que a Macondo utiliza”
A equipe da Macondo é enxuta, se resume a quatro pessoas. Fares planeja contratar pelo menos mais dois colaboradores, um para a produção e outro para vendas e divulgação.
O empreendedor diz que a Macondo por enquanto ainda gera um lucro pequeno e algum capital para investir. Ele já pensa em buscar crédito para adquirir um maquinário capaz de produzir até três vezes mais chocolate.
Em termos de produtos, a ideia é fazer mudanças pontuais, mantendo a essência da marca. Um exemplo nesse sentido são as embalagens de papel, costuradas à mão pela mãe do empreendedor.
“Os itens de identificação da Macondo estão muito ligados ao trabalho manual, como forma de mostrar que cada barra é produzida por uma pessoa”
O biólogo descreve como é tocar o negócio em família:
“A convivência por muito tempo traz seus problemas, mas eles são facilmente resolvidos porque tem amor e respeito”, diz Fares. “Meu pai e minha mãe são pessoas batalhadoras, o que fez com que, em momentos de crise, eles mantivessem a família e a Macondo em pé. E eles nos lembram da ancestralidade do chocolate, da história da nossa avó.”
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Larissa Ludwig estudava arquitetura quando descobriu que tinha alergia a glúten e intolerância à lactose. Decidiu cursar nutrição e hoje ela e o marido empreendem a Cookoa, que produz chocolates inclusivos e com cuidado socioambiental.
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