Alex Szapiro, do Softbank: “Desde o começo da minha carreira, sempre estive pronto para estar fora da minha zona de conforto”

Marina Audi - 28 mar 2024
Alex Szapiro, managing partner do SoftBank para a América Latina.
Marina Audi - 28 mar 2024
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Possivelmente, a história dele mais conhecida é a de que trouxe a Amazon ao Brasil. Mas Alex Szapiro, managing partner do SoftBank para a América Latina desde abril de 2021, tem muito mais sobre o que falar.

Ele montou a operação local de empresas de tecnologia como Palm, Apple, Submarino e Amazon. Por sinal, esta última começou assim…  

“E se eu mandasse um email para Jeff Bezos e o questionasse sobre o porquê de a Amazon não estar no país?” Sabendo que o fundador da Amazon provavelmente não leria a mensagem, Alex decidiu mandar o mesmo email para a segunda pessoa mais importante da empresa. Duas semanas depois, foi chamado para uma reunião. 

Como executivo da Amazon, Alex esteve à frente da operação brasileira entre 2012 e 2021, conviveu e aprendeu com Jeff Bezos. Depois de um ciclo virtuoso, ingressou em uma das casas de venture capital mais renomadas – o SoftBank.

Com sede em Tóquio, o SoftBank havia chegado ao Brasil em 2019, com pompa e circunstância, celebrado pelo ecossistema por ser um fundo que investe em empresas late stage, mais maduras. Hoje, na região em que lidera, Alex contabiliza 74 empresas investidas, cujo valor, marcado a mercado em 2023, foi de 6,3 bilhões de dólares.

Em conversa com o Draft, Alex Szapiro demonstrou porque é referência no mundo empresarial brasileiro. Confira os melhores momentos da entrevista:

 

Sua formação acadêmica é em marketing e seu sonho era trabalhar em multinacionais. Mas daqui “de fora”, parece que o caminho que você percorreu não foi esse. Concorda que seu forte é tocar operações de sucesso, com olho em finanças, tecnologia e expansão?
Eu acho que a gente trilha um caminho quando é garoto e tem de estar aberto para que esse caminho seja completamente desvirtuado, porque o desvirtuado às vezes é bom. 

Eu realmente me formei em marketing, tinha o sonho de trabalhar numa das duas grandes empresas de marketing da época – P&G e Unilever –, queria entrar no programa de trainee. Eu não entrei, mas fui aprovado no programa de trainee do Citibank que, aliás, era mais concorrido – 20 mil candidatos para 20 vagas.

Acho que uma das minhas boas decisões foi que o meu primeiro emprego, aos 18 anos, foi no Banco Garantia, onde vi a cultura de Jorge Paulo Lemann de meritocracia. E isso mexeu muito comigo.

Veja que em alguns caminhos da nossa vida, não obrigatoriamente temos de fazer o que amamos de paixão… Talvez seja um mix entre o que a gente acredita, gosta e tem a ver com o nosso perfil e, ao mesmo tempo, [o que] vai te dar uma formação talvez mais completa 

Esse foi o meu caminho. Comecei no mercado financeiro e acho que acabei ganhando muito mais do que se eu tivesse ido para o marketing, porque o fato de ter ido para o mercado financeiro me expôs ao mundo da tecnologia. 

Um dos grandes clientes nossos era a Motorola, que me fez um convite para lá, ainda na área de finanças. E, da área de finanças, migrei para a área de tecnologia. Foi um caminho torto que me levou para algo um pouco mais reto, que é onde eu tenho paixão hoje.

Foi fácil? Em algum momento você sentiu que deixava o sonho de lado? Ou percebia que estava construindo um caminho?
Foi uma combinação das duas coisas. De certa forma, o caminho vai te levando a enxergar coisas que você quer completar dentro da tua experiência e te dão uma visão um pouco maior. Mas isso você só consegue ver depois com mais clareza. 

O caminho foi muito árduo, sofri muito. Desde o começo da minha carreira, sempre estive pronto para estar fora da minha zona de conforto. E estar fora da zona de conforto incomoda muito

Eu lembro do primeiro dia no Citibank. O programa de trainees do Citi era muito respeitado, tínhamos provas constantes e se você não tivesse a nota mínima de 7,5 era mandado embora do programa!

Eu tinha uma formação muito diferente das 19 outras pessoas, então tive de sozinho buscar e procurar as coisas [conhecimentos] que eu não tinha. 

Às vezes, ouço alguém dizer: “Nossa, como essa pessoa teve sorte!”. Só que quem está de fora nunca sabe o que você realmente passa para chegar aonde chegou.

Muitas vezes, você tem de dar alguns passos horizontais em seu caminho. Acho que a trilha da nossa carreira e expertise é meio em diagonal, não obrigatoriamente é uma curva linear.

Você pôde conviver, durante sua trajetória, com gente de muito sucesso – desde Jorge Paulo Lemann, no Banco Garantia; passando por Steve Jobs e Tim Cook, na Apple; Jeff Bezos, na Amazon; e, agora, Masayoshi Son, no SoftBank. O que você aprendeu com cada um e traz consigo para passar adiante?
Eu adoro biografias, no sentido de você entender o ser humano e poder replicar um pouco o que cada um tem de melhor. Cada um de nós tem talentos que precisamos colocar em prática.

Se eu fosse fazer um resumo de todos eles – logicamente, cada um com suas peculiaridades, jeitos diferentes e, às vezes, até antagônicos no modo de ser, mas com muito sucesso –, vejo três coisas comuns. 

A primeira é uma visão de muito longo prazo, ou seja, não estar preocupado com o resultado do próximo trimestre. Isso é até muito importante para empresas de capital aberto e para as que estão captando rodadas. Ou seja, é muito mais importante uma visão de quatro, cinco, dez anos do que efetivamente vai acontecer no próximo trimestre. 

Infelizmente, o mercado de capitais não pensa assim. Ele pensa trimestre a trimestre, então há uma incongruência entre a maneira certa de estar no mundo e como o mercado de capitais olha, principalmente para empresas de capital aberto

A segunda coisa é a capacidade de ter coragem para errar. Jeff Bezos tem uma frase que exemplifica isso: “A inovação e a falha são irmãs gêmeas”

Quer dizer, para você ter ambas correlatas e com sucesso, é preciso ter ambas. Se você não falhar, não vai ter inovação; se você não inovar, não vai passar pela falha.

E a terceira [coisa em comum], que é muito forte em todos eles, é uma combinação de duas coisas: uma cultura muito forte…

Você se refere a cultura organizacional?
Não só. Cultura da visão. O que é cultura organizacional? É mais ou menos você colocar como você pensa e como acha que todos devem agir quando você não está mais no dia a dia.

Por exemplo, quando entrei na Amazon, em 2012, a empresa provavelmente tinha 80 mil funcionários. Quando saí em 2021, ela tinha 1,6 milhão. Independente desse tamanho, a cultura, os princípios e a visão da empresa continuaram os mesmos. 

Então, “cultura” é quando você coloca mecanismos muito claros para todo mundo sobre a maneira como se contrata, manda embora, avalia… na maneira como as pessoas trabalham 

Esses componentes são muito comuns entre as pessoas com quem trabalhei – os princípios, a maneira de operar e conseguir replicar.

Um líder meu na Amazon, Russell Grandinetti, que eu aprecio muito… na verdade, ele foi um dos grandes líderes que eu tive, falava o seguinte: “O bom líder é aquele que não precisa estar no dia a dia. Quando você tem a capacidade de não ser mais necessário, atingiu o Nirvana, do ponto de vista de liderança”

Isso significa que você montou times bons, colocou a tua visão – logicamente, as pessoas até podem colocar um pouco do sabor delas, mas na visão e os princípios da empresa estão sempre ali. 

Efetivamente, você tem pessoas melhores do que você, o que te dá liberdade para fazer outras coisas também. Eu acredito muito nisso.

Você passou do mercado financeiro no Citi para o de hardware, na Motorola e depois na Palm Computing e Apple. Coincidentemente, nas duas primeiras, viveu mudanças tecnológicas que vieram a matar os produtos pager e palmtop, respectivamente. Em termos pessoais, você viveu um “luto pelos produtos” que deixavam de ser tão importantes?
Pelo contrário, eu vivi excitement [empolgacão]. Para quem trabalha em tecnologia – tanto hardware quanto software –, um dos grandes pontos em comum é estar num negócio e, eventualmente, alguém numa garagem consegue te tirar do mercado. Então, você tem de ser extremamente obsessivo com você mesmo em relação a como se reinventar.

Você usou o exemplo de empresas que tiveram de mudar, mas a Apple também teve de abandonar vários produtos. Um exemplo é o iPod: um produto de muito sucesso, foi canibalizado pelo iPhone.

Quando entrei na Apple, em 2007, o iPhone tinha sido anunciado, mas ainda não lançado. Todos os jornais da época eram extremamente críticos, diziam que aquele produto seria um grande fracasso, afinal quem iria teclar numa tela de vidro? 

Lembrando que todos vinham da cultura do BlackBerry [smartphone com teclado].

Acho que depende muito da capacidade de fazer a transição e se autocanibalizar.… algumas empresas não sobreviveram, como a Palm. Ela até tentou.

Hoje em dia, quando eu descrevo a Palm para a garotada dizendo: “foi a primeira empresa do mundo a ter um smartphone”; “a primeira empresa a ter um hardware de desejo extremamente inovador” – ela fez a caneta pencil com o qual você desenhava a letra e ela vinha para a tela; “foi a primeira empresa no mundo a ter uma loja de aplicativos…” Quando eu descrevo isso tudo, as pessoas acham que me refiro à Apple!

A Palm tinha todos os componentes que a Apple teve, mas faltou visão e liderança para ser bem sucedida. 

Em termos do dia a dia, como era olhar e pensar: “Como faço para o produto continuar?”
É daí que vem o excitement. Por exemplo, eu vivi na Palm a transformação de um PDA – que era basicamente uma agenda eletrônica avançada – para o mercado de telefonia. 

E o que significava isso? Mudar a maneira como se opera. Muda o canal de distribuição, que deixa de ser o varejo e passa a ser as operadoras de celular. Muda a capacidade de manufatura, porque para ser competitivo, você tem de fabricar no Brasil para ter todos os benefícios fiscais. Então, muda 180°.

Outro exemplo foi: quando eu estava na Motorola [entre 1996 e 1999], o principal negócio era o Pager [também conhecido no Brasil como bipe, era um pequeno receptor de rádio que o usuário carregava no bolso; por meio de um código pessoal, qualquer pessoa podia ligar na central e mandar mensagens curtas]. Aliás, uma das razões pelas quais o Twitter começou com textos de 144 caracteres é que o Pager tinha essa limitação. 

Mas a Motorola já tinha tecnologia de celular e sabia que, com o leilão da Banda B [faixas de frequência destinadas à telefonia celular que rendeu 8 bilhões de reais ao Governo Federal] em meados de 1997, no Brasil, que celular era uma coisa que estava just around the corner – pronto para ser lançado.

 A pergunta foi: o que a gente faz com isso?, porque mais cedo ou mais tarde, a tecnologia do Pager vai morrer. Porque o Pager era simplesmente a parte de texto e o celular fazia texto e voz

Naquela época, o texto era uma coisa muito chata no celular, você tinha de apertar uma vez a tecla do número 1 para indicar a letra A; apertar duas vezes para letra B e assim por diante. A experiência era muito difícil. 

O que fizemos foi olhar outros mercados de uso do Pager. Um deles que decidimos desenvolver foi seguro de carro. Se instalarmos o Pager num carro, ele for roubado e estiver dentro da área de cobertura, você liga para a central, manda o recado e pede o comando para desligar o motor.

Havia um monte de “complicômetros”… se o carro estivesse em movimento e o motor fosse desligado a distância, o carro poderia bater. Mas era muito mais uma questão de repensar a infraestrutura que já estava instalada e desenvolver outros mercados.

Daí que vem o desafio para a tua capacidade intelectual e criativa de desenvolver outros mercados. 

Em tecnologia, usamos muito o termo “S curve”, curva em S. Você começa devagar; tem a primeira perna do S, você tem uma grande explosão; depois, vêm outros entrantes, se você não continuar inovando aquela tecnologia tende a ficar mais linear até que venha uma nova tecnologia

O Pager estava no final do S Curve e o celular estava no começo.

Eu queria falar da sua “versão” mentor. Sem nunca ter tido um momento startupeiro, você passou a mentorar empreendedores pela Endeavor, em 2008…
Na verdade, meus momentos startupeiros foram na Palm e na Apple, que eu montei do zero. No Submarino eu fui um dos primeiros funcionários, então tive a chance de experimentar isso…

É senso comum que muitos empreendedores valorizam conselhos de pessoas que já empreenderam e viveram dores semelhantes às deles…
De certa forma, empreendedorismo tem uma questão de bom senso – qual é o tamanho da tese; qual problema você quer resolver; você tem capacidade para resolver esse problema que talvez venha a criar um outro e as pessoas não conseguirão resolver – é algo que foi pensado, você tem tecnologia para isso? 

E eu passei por isso. 

A idade traz várias desvantagens… você começa a ver o declive e não mais o aclive [risos]. Mas uma das grandes vantagens da idade é que ela te dá experiências. Aí você consegue, de certa forma, ajudar outros a não passarem pelo mesmo

Por exemplo, quando a gente montou o Submarino em 1999, foram meses para montar a operação, e uma das coisas em que apostamos foi o EDI, um sistema de comunicação muito avançado para a época, que ligava online fornecedores a compradores. 

O Submarino começou com três categorias de produtos: brinquedos, CDs de música e livros. Vamos lá: tudo funcionando; o sistema está ligado às editoras de livro, às distribuidoras de CDs e de brinquedos; e começa-se a receber os pedidos. 

Só que, basicamente, nada funciona. Eu me lembro de, nas primeiras semanas, a gente ficar até altas horas [trabalhando]. Eu saía correndo com a lista de pedidos e ia até as livrarias Saraiva e Cultura para comprar os livros dos pedidos.

O que eu estou dizendo é que empreender, mesmo que seja nessas grandes empresas, quando se está começando o business, você passa por uma série de coisas que não estão certinhas no Dia 1. Você tem de ir arrumando

Se eu estava com essa visão pronta ou não, eu não sei. Mas eu sentava com empreendedor e o ajudava – aí está o grande valor.

Mentorar empreendedores em fase early stage é diferente de ser advisor ou mentorar scale-ups em late stage, com as quais você tem contato por sua posição no SoftBank?
Eu não gosto de generalizar, porque na mesma empresa tem um componente que está em early e outro em late. Ela pode estar lançando um produto novo, entrando em um novo mercado, às vezes está dando um upgrade no time.

Mas a principal diferença – eu não vou nem falar de mentorar, vou falar em geral – é que no early stage você está um pouco mais ligado no dia a dia da empresa. Às vezes tem de indicar uma pessoa para trabalhar lá, sentar e discutir mercado. Quer dizer, você tem uma influência, do ponto de vista operacional, maior. 

Quando você está em late stage, muitas empresas já têm Conselho, as discussões são mais estratégicas – como montar a cultura da empresa; pensar se o time que levou a empresa até aqui é o mesmo time que vai levá-la para a próxima fase? 

Ou seja: o que a gente está buscando, quais são os projetos que a gente fez e precisa acelerar a alocação de capital; quais foram os projetos feitos que não estão dando certo e a gente precisa ter a maturidade para cortar. Como pensar em longo prazo; como pensa na captação da próxima rodada. Como montar, eventualmente, a estratégia de uma saída para os investidores e até para o próprio fundador? Qual é o momento certo para fazer isso ou não é?

As discussões são muito distintas, porque em geral, a empresa em late stage não está mais se provando, não tem o que a gente chama de product market fit – deixa eu ver se esse produto para de pé 

A segunda pergunta a ser feita para uma empresa early stage é: esse produto tem um path, um caminho para lucratividade? Não é uma questão de querer lucro, ter lucratividade é uma maneira de você gerar resultado para investir no negócio. 

Sempre brinco e digo que as empresas de tecnologia públicas que pagam dividendos me preocupam, porque se a empresa realmente é muito boa e inovadora, em teoria ela deveria reinvestir todo o excesso de caixa para que o negócio seja perene e sempre consiga acelerar.

Desde abril de 2021, você está numa das empresas de venture capital mais destacadas do mundo, o SoftBank. O que você acha que te credenciou para chegar até aqui?
Essa pergunta você tem de fazer para o meu chefe, para quem me contratou [risos]! Não é só por que eu vim, mas: por que continuo? Acho o seguinte… tem de ter a fome com a vontade de comer. 

Eu tenho uma paixão muito grande pelo ser humano e uma paixão muito grande por empreendedores. Acho que são grandes heróis, ainda mais na América Latina — não só no sentido da resiliência, mas no sentido de terem coragem para resolver grandes problemas, melhorar a vida de um consumidor, no B2C, ou de uma empresa, no B2B. 

São raros os casos de empreendedores que não têm uma visão muito forte e uma crença muito forte para resolver aquele problema que ele ou ela querem resolver. Isso, por si só, para mim já é…uau, parece que é um nível de energia que se tem.

E a combinação aqui, de que eu gosto muito, é que temos uma visão muito pé no chão entre o Excel e a realidade. O Excel aceita qualquer coisa, mas temos um time aqui muito bom que entende dos segmentos e áreas em que atuamos; tem vivência de anos olhando investimento, empresas, operações e o dia a dia 

Quando vim para cá, foi por isso. Vim sabendo menos de investimento e mais de operação. Talvez haja gente aqui com peso um pouco maior em investimento e menor em operação. É o que, no final do dia, chamamos de diversidade, juntar pessoas extremamente capazes. Tenho um orgulho muito grande do time aqui e eu aprendo todo dia com ele.

Estou no midlife, aos 53 anos, e para mim a grande satisfação não é só poder mentorar ensinar, mas também aprender. A gente tem uma capacidade muito grande aqui de ser intelectualmente honesto — e quando tiver algo que você não sabe, poder falar que não sabe e aprender algo novo. Isso faz parte e é um dos grandes motivadores do nosso time, aqui no Brasil, no México e em Miami.

Quando se pensa em investimento com smart money, pensa em track record do investidor. Você já fazia investimento-anjo antes de chegar aqui? Como era seu track record?
Sim, eu já fazia investimentos. Para mim o negócio de investimento é um negócio de longo prazo. Aqui no SoftBank, só teremos ideia do nosso sucesso ou fracasso daqui a alguns anos. Não dá pra dizer que nós já acertamos.

E para mim, o track record na nossa indústria de venture capital é estar [no mercado] por 20 a 30 anos. 

Se você olha o Masa [Masayoshi Son, fundador do SoftBank], ele é um grande investidor. Você pode dizer que ele só montou o Vision Fund [o maior fundo de investimento com foco em tecnologia do mundo] em 2017, mas a história dele como investidor é extraordinária, porque ele teve a capacidade de ver grandes mudanças mundiais, antes de qualquer outro. 

O próprio nome SoftBank vem de quando na década de 1990, ele entende que o mercado de PCs era uma grande oportunidade… Então, ele vai até a Microsoft e convence o Bill Gates para dar a ele a exclusividade de venda de software no Japão.

No final da mesma década de 90, ele entende que um negócio chamado Internet mudaria o mundo. Ele faz um investimento numa empresa chinesa chamada Alibaba, 20 milhões de dólares — que no IPO, em 2014, viram 1,5 bilhão de dólares e no pico do investimento do SoftBank chegou a valer mais de 300 bilhões de dólares

A mesma coisa ele faz com telefonia celular, quando percebe que a mobilidade mudaria o mundo. E, mais recentemente, ele repete com a inteligência artificial. 

Digo isto porque não obrigatoriamente a pessoa precisa ser, primeiro, uma investidora. E, às vezes, o track record está na capacidade da pessoa repetir várias vezes. Pode haver alguém que montou um fundo, foi muito bem por 10 anos, mas o próximo fundo não é bom. Se você faz isso por 20, 30 anos… Eu acho que essa é a maneira como teremos de nos avaliar.

Mas é preciso de alguma sensibilidade para avaliar onde investir e o que olhar, certo? Nesse sentido, o track record não envolve só a taxa de sucesso ou as saídas que você conseguiu…
Não, pelo contrário, para mim isso vem muito da minha experiência operacional de algumas vezes em minha vida pegar empresa do zero e montar. 

Eu não as vendi, mas acho que o sucesso foi fazer essas empresas terem escala, capacidade de contratar, capacidade operacional, como lidar com o ambiente econômico, fiscal, macroeconômico… as n variáveis que o dia a dia envolve. 

Algumas dessas empresas tiveram mais sucesso que outras? Sim, mas acho que o sucesso aqui está exatamente nessa capacidade de operar.

E acho que a tua pergunta é: como você vê um bom investimento? Você avalia o bom investimento por n razões: qual é o tamanho do TAM, o mercado total endereçável [Total Addressable Market, na sigla em inglês], qual é o tamanho dessa oportunidade, principalmente para nós que somos late stage

O time se dá bem e tem capacidade de continuar? Porque [se não for] assim não adianta o time fazer um produto matador e fantástico. Quando esse time estiver em momentos de reveses… 

Por exemplo, eu não gosto de citar nomes, mas vou citar a Unico [idtech que foi pauta aqui no Draft]. O Diego Torres Martins, o fundador, é muito focado em produto. Ele começou a empresa com a parte de assinaturas de documentos. Aí ele pivotou, principalmente na época de Covid, para ajudar as empresas na contratação de funcionários. E pivotou de novo para sistemas antifraude. 

Ou seja, ele tem uma capacidade contínua de inovar e ir colocando novos produtos. Essa é a expertise dele; e, depois, trazer gente muito boa de tecnologia para dar escala para o negócio. Ele achou uma fórmula, e como se identifica isso? 

É difícil identificar a pessoa que tem aquela capacidade de fazer algo muito diferente. E como a Unico, temos outras 74 empresas em nosso portfólio. 

Em late stage é mais fácil em alguns componentes do que em early e mais difícil em outros. Por exemplo, é mais fácil, porque você tem uma empresa que opera, muitas vezes, há anos. 

Mas muitas vezes a empresa não conseguiu desvencilhar todo o seu poder de geração de valor. Então, você entra para mudar um canal, ou um produto, para trazê-la para um mercado novo

Já o early stage é muito diferente. Ali você está avaliando se a coisa ganha tração, então a taxa de mortalidade é maior. Por outro lado, os retornos, os múltiplos são maiores também.

No SoftBank, somos agnósticos em relação a setor, porque as nossas perguntas são sempre as mesmas: a tecnologia vai conseguir disruptar o segmento? Quando falo disruptar é o seguinte: ou vai fazer essa empresa crescer mais rápido ou vai fazê-la crescer de maneira mais eficiente – com menor custo, menor preço e vai crescer mais rápido.

O time é fantástico? O TAM é grande? Quando eu as respondo, para mim é completamente agnóstico se é logística, consumo, healthtech, agritech, fintech.

Recentemente, você disse que agritechs e healthtechs se mostravam com boas oportunidades. São áreas em que você nunca atuou diretamente. Isso te deixa, de alguma forma, ansioso?
Não. Em segmentos em que a gente não tem o know-how – e a gente não é obrigado a ter –, chamamos experts da indústria, pesquisamos. O time faz um estudo de mercado.

Se três anos atrás, você perguntasse sobre a cadeia de distribuição no mercado agropecuário, a gente não sabe nada! Hoje, sabemos um pouco. 

Não há dúvida de que para você entender bem o mercado de agritech, se não calçar a botina, botar um chapéu para se proteger do sol e for para o campo, não dá. Operar isso do Leblon ou da Faria Lima é mais difícil, concorda? 

Esses são os componentes que a gente vai precisar desenvolver. E temos de ter certeza de que o nosso network é formado por pessoas que entendem. Porque talvez o time tenha uma ótima capacidade de fazer perguntas certas, mas não de ter essa resposta. 

É quase como um quebra-cabeça em que você vai montando as peças para entender se você constrói ou desconstrói a tese de que isso pode ser um bom investimento.

Acho interessante esse processo de construir as teses de investimento…
Você tem de se lançar para uma discussão sem opinião, o que é difícil, porque sempre carregamos vieses, experiências passadas – de uma coisa que não deu certo, ou de uma coisa que deu certo demais.

Ou que você ouviu e nem sabe se é real…
A beleza do business de investimento, principalmente, em late stage, é que você tem de chegar na mesa quase que “zen”. É lógico que você vai trazer a tua bagagem, o teu conhecimento, mas é mais ou menos como se eu tivesse de zerar o relógio toda toda vez que vou discutir.

E você tem de olhar a discussão de uma maneira nua e crua – como o mercado funciona, as projeções de números. Quer dizer, tem de deixar os números te contarem a história e, a partir daí, você faz uma investigação na parte menos data driven – como funciona, qual é o canal? Vai testar, falar com outras pessoas.

É um processo que leva semanas. E às vezes, você tem de estar pronto para, depois de investir semanas, concluir que não faz sentido – o que também é difícil 

Ao investir semanas do teu tempo, você tem uma inclinação maior a dizer: “Já que estou aqui, vamos em frente”. Não, você precisa ter a destreza de dizer: “Opa, espera um pouquinho, agora vamos reprovar a nossa tese”. 

É quase como ir ao psicanalista e ter o modelo de sua desconstrução [Alex é casado com uma psicanalista].

O tema layoffs tem causado desconforto no ecossistema de tecnologia. Para além do sofrimento dos profissionais que perdem seus cargos: não seria de se esperar que as empresas de crescimento exponencial eventualmente “errariam a mão” na quantidade de pessoas contratada? Você vislumbra alguma forma de as scale-ups evitarem errar na velocidade de contratação de colaboradores em um modelo de empresa que é, por definição, de alto risco? Se sim, como?
Eu não sei te responder… não no sentido da tua pergunta. Posso te responder de algumas maneiras distintas. 

Primeiro, acho que tem dois tipos de crescimento e já vi ambos. Um crescimento exponencial acontece porque o produto é tão sticky [aderente], tão fantástico, que move montanhas. 

Grandes empresas também passaram por isso. A Amazon passou e conheci várias pessoas que estiveram na Amazon, nos primeiros anos, e foi uma loucura, porque a empresa realmente conseguiu fazer algo muito diferente. 

Tinha uma oportunidade na venda de livros, que tinha quatro a cinco intermediários e se eu tirasse dois ou três, conseguiria entregar um livro muito mais barato e mais rápido. Tem alguém no mundo que não quer pagar mais barato ou gostaria de receber o livro mais devagar? Você gostaria de entrar na loja e não encontrar o livro que você buscou? 

Então, quando você tem esse salto é difícil, porque a empresa cresce e, logicamente, uma coisa vai levando a outra. O produto é muito bom, tem demanda, você precisa colocar mais capital e a roda começa a girar muito rápido 

Esse é um tipo de caso. Há outros em que a empresa não tem um produto muito bom, mas ela acha que pode fazer. Aí se injeta capital, que pode vir a reverter numa contratação muito grande — ou, às vezes, vira um subsídio do preço do produto ou serviço para que ele ganhe tração.

Isso só é bom quando você tem certeza de que, em algum momento, você pode tirar esse subsídio e continuar. Senão, você está fazendo algo artificial.

Então, acho que é preciso separar essa questão de crescimento.

Tem um outro lado que se viveu muito em 2018 e 19, quando havia sim uma velocidade muito grande e até um desequilíbrio do “tenho de crescer a qualquer custo”, porque de certa forma, o capital era gratuito. 

Ou seja, com juro zero, você tinha muito capital. Havia até uma concorrência de crescimento. Acho que isso não é positivo

Mas o crescimento que vem quando se provou o produto ou serviço e faz sentido; quando do ponto de vista de tecnologia e de solução realmente se melhora a maneira como as pessoas trabalham, se educam, ou como compram e pagam, você está resolvendo um grande problema.

Mas quando se cresce rápido, tem as dores do crescimento rápido. Eu vi algo interessante em muitas empresas do portfólio. Algumas delas não cortaram por uma questão de ajuste de consumo de caixa — cortaram porque contrataram errado.

Quando você tem de contratar muita gente muito rápido, você abaixa a tua barra da cultura, da qualidade das pessoas… e aí, quando passa essa maré, você começa a entender quais são os profissionais de talento que têm a ver com a visão e o princípio da empresa, e quais são aqueles que não

Essa é a dificuldade que muita gente tem de entender a fundo as nuances e o porquê dos layoffs.

E às vezes tem outra coisa: o time que esteve na empresa para levá-la de zero a 1 não necessariamente é o mesmo time para levar de 1 a 10. São perfis diferentes, problemas diferentes, são às vezes mercados diferentes. Há tantas variáveis, acho difícil de simplificar.

 

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