O trabalho artesanal virou nicho para quem busca realização pessoal. Conheça empreendedoras trilhando esse caminho

Maisa Infante - 10 mar 2020
Kátia Stringueto produz joias artesanais e sob demanda em seu ateliê. Ela investiu na carreira depois de ser demitida do cargo de editora.
Maisa Infante - 10 mar 2020
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O mundo do trabalho vem sendo questionado e transformado. Muitas pessoas não querem mais passar 8 horas trabalhando única e exclusivamente em troca de salário. Querem também ter prazer no trabalho, realização pessoal, ajudar a construir um mundo melhor, mais justo e sustentável…

E, muitas vezes, querem trabalhar menos (o que quase nunca acontece…).

Essa busca pelo propósito, pelo trabalho que faça sentido e que seja gostoso, tem levado pessoas a investir no nicho do “feito a mão”, criando produtos artesanais ou empreendendo pequenas empresas de produção (propositalmente) limitada.

As vendas acontecem principalmente online, muitas vezes pelas redes sociais, como o Instagram, ou em feiras e bazares que reúnem pessoas interessadas no consumo sustentável, em comprar diretamente de quem faz.

É um movimento que conversa com um novo perfil de consumidor, preocupado em consumir menos, com mais qualidade, e sabendo a origem do que está comprando.

“É um caminho sem volta. Investir no artesanal e no pequeno empreendedor é o caminho para crescer comunidades locais e com isso escoar o dinheiro para as minorias e preservar o meio ambiente”, diz Daniela Scartezini, cofundadora do Mercado Manual.

Realizado há cinco anos em São Paulo, no Museu da Casa Brasileira, o evento reuniu 46 artesãos e 3 mil visitantes em sua primeira edição. Hoje, segundo Daniela, são 110 artesãos e 10 mil visitantes.

“O planeta não suporta mais e tanto as grandes marcas quanto o consumidor já sabem disso. A internet trouxe tudo à tona, as pessoas querem saber quem faz e de que forma. E mais: querem saber o propósito e, de preferência, contribuir para que aquela história prospere”

Trabalhar com o fazer manual é sedutor; o mercado, inclusive, está bem saturado. A fila de espera para participar do Mercado Manual é de 3 mil nomes. Por isso, para ganhar espaço é precisa trabalhar duro. E aí, aquela ideia de que viver do seu ofício vai ser mais fácil do que a vida corporativa pode ir por água abaixo…

Para Juliana Segallio, consultora negócios e marketing do Sebrae SP, o principal desafio destes empreendedores é equilibrar a parte criativa com a administração do negócio.

“Por tendência, eles se empolgam na produção porque têm paixão pelo que fazem. Mas para se manter no mercado e viver disso não basta criatividade. É preciso um olhar de negócio”, diz.

Não tem jeito: dedicar tempo (e dinheiro) para pensar no financeiro, marketing, controle de estoque e fluxo de caixa também precisa fazer parte da rotina. A seguir, conheça alguns desses microempreendedores:

 

TOCAYA TORRADORES DE CAFÉ

Formada em Engenharia Agrícola, Juliana Ganan, 38, sempre gostou de café. Seu pai (falecido em 2001) era produtor, torrefador e vendedor, mas o foco dele era o café commodity, mais comercial, que você encontra em supermercado.

Juliana Ganan, fundadora da Tocaya.

Durante o mestrado em Relações Internacionais nos Estados Unidos, ela descobriu o universo dos cafés especiais — naturalmente doces, sem retrogosto desagradável, e que recebem notas acima de 80 nas provas técnicas (cupping), segundo normas da Specialty Coffee Association, organização sem fins lucrativos que representa milhares de profissionais do setor.

Trabalhando em Washington, no BID, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, Juliana começou a fazer cursos ligados a café e participando como voluntária em cuppings e em trabalhos no serviço de cafeterias.

Juliana Pegou gosto pela coisa e acabou largando o emprego para fundar, há quatro anos, a Tocaya, uma microtorrefadora de cafés especiais em Itajubá (MG).

“Até hoje a minha mãe não entende e acho que nunca vai entender”, diz a empreendedora (em 2018, ela contou sua transição em um Lifehackers aqui no Draft).

“Eu não gostava do que eu fazia, via muitas coisas com as quais não concordava e isso ia me consumindo. Eu ia com gosto para os trabalhos com café e desgostosa para o BID. A única coisa que eu gostava do meu trabalho era o salário. Foi quando percebi que não compensava viver assim”

Juliana voltou ao Brasil ainda como funcionária do BID por influência da sua chefe, o que ajudou na construção da Tocaya. O salário foi fundamental para o investimento de 130 mil reais que deu partida no negócio.

Hoje, com duas funcionárias, seu trabalho é visitar as fazendas, selecionar os lotes de café, fazer a prova, colocar o preço na saca, torrar o grão, embalar e vender. Todo esse processo de torra e embalagem é feito de forma artesanal e sob demanda.

“Para cada fazenda é feita uma torra separada”, afirma. “Às vezes a mesma fazenda tem lotes diferentes, mas nunca os misturamos.”

A Tocaya torra cerca de meia tonelada de café por mês; o faturamento fica entre 22 mil e 40 mil reais mensais. O produto pode ser consumido em cafeterias parceiras de São Paulo, Brasília e Rio, e também comprado pelo site da empresa.

Um desafio, diz Juliana, é fazer o consumidor entender a percepção de valor do café.

“No Brasil, o café é de graça no restaurante por quilo…. Quando cobramos mais caro por um produto que tem um valor agregado, o choque é muito grande”

Ela conta que poderia triplicar a operação “sem deixar de ser artesanal”, mas não quer crescer em ritmo acelerado para não arriscar a qualidade. “Com muita pressa perde-se a essência. Sei que é totalmente contra as leis do comércio, mas sou meio louca”, brinca.

 

KÁTIA STRINGUETO

A joalheira Kátia Stringueto, 50, é também jornalista. Demitida em setembro de 2017 do cargo de editora da revista Bons Fluidos, ela lançou, dois meses depois, a marca de joias artesanais que leva o seu nome. “A demissão foi o pontapé de que eu precisava”.

Kátia já estava se planejando para viver do “fazer manual” há cerca de dois anos, quando começou a guardar dinheiro para colocar em prática o Plano B. Foi, segundo ela, o único planejamento feito. “E tive a rescisão, que me deu liberdade para não sair desesperada correndo atrás de frila”, diz. Todo o resto foi acontecendo.

Anel Trevo, de Kátia Stringueto.

Quando deixou o jornalismo, ela já produzia algumas peças em casa, mas ainda não tinha uma coleção. Foi aí que mostrou alguns desenhos de plantas para a amiga Neide Rigo, que deu uma ideia: fazer uma coleção inspirada em PANC (Plantas Alimentícias não Convencionais).

E assim surgiram as sete peças da primeira coleção de Kátia, que transformou prata, ouro e cobre em trevos, capuchinhas, malvavisco e major gomes, todas plantas alimentícias não convencionais. A segunda coleção foi inspirada na jabuticaba (a fruta também é considerada uma PANC por causa das formas pouco conhecidas de uso culinário).

O ateliê fica em São Paulo. Kátia já investiu cerca de 70 mil reais no negócio. O faturamento por ora permanece baixo, cerca de 3 mil por mês, mas ela diz que está dentro do planejamento.

Cada peça passa por suas mãos. Uma ou outra que pode ser cortadas em maior quantidade, Kátia até manda para fundições parceiras. Porém, assim que chegam no ateliê, essas joias vão para a bancada para que a artesã faça o seu trabalho.

“Faço uma por uma, com exceção, por exemplo, das jabuticabas. Aí eu tenho um modelo e tenho como ter escala, mandando fundir quantas peças eu quiser. Só que o resultado final é único, porque quando chega eu modifico, coloco mais bolinhas, dou uma torcidinha. Sinto que a joia não está pronta se não coloquei a minha mão ali”

As joias são feitas sob demanda, mas ela também têm peças pronta-entrega, já que produz diariamente.

Os desafios de se jogar na vida de empreendedora artesanal, diz, é vender a ideia e mostrar para o consumidor o valor das joias, que custam entre 200 e 1 200 reais.

“Sei quanto vale, então sei quanto tem que custar… Mas não basta saber isso porque tem a percepção do cliente de quanto aquilo vale.”

Kátia tem trabalhado no desenvolvimento de peças mais baratas, mas que continuem refletindo sua essência.

“Ainda não consegui fazer uma peça de 100 reais que me satisfaça. E este é um pedido muito legítimo das pessoas. Acho que vou me completar quando conseguir o design de 100 reais.”

 

ATELIER JEZEBEL

Sara Sampaio, 40, e Ana Paula Felipe, 34, escolheram trabalhar com moda sustentável e artesanal. Juntas, elas tocam o Atelier Jezebel.

De 2009 a 2013, a empresa era uma loja multimarcas fundada por Sara em Salvador. O Jezebel renasceu no fim de 2016, já em São Paulo, com a proposta de vender roupas produzidas artesanalmente e de forma sustentável.

Ana Paula e Sara, do Atelier Jezebel.

As sócias investiram 24 mil reais no negócio, nesta segunda “encarnação”. Diferentemente do mundo da moda tradicional, o Jezebel trabalha com uma produção gradual e não possui coleção fechada. Além disso, ellas compram os tecidos e aviamentos e fazem os pedidos semanalmente para evitar estoque parado e não precisar de liquidações.

Sara e Ana Paula desenvolvem dois novos modelos por mês — e produzem, inicialmente, apenas dez peças. Se houver boa aceitação, partem para uma produção de 30 peças. E assim vão sentindo o mercado e fazendo os pedidos semanais às quatro costureiras que dão conta da produção, cada uma em seu ateliê doméstico.

“Assim podemos ter um retorno melhor do mercado do que lançar uma super coleção que não agrade e as peças fiquem encalhadas”, diz Sara.

A opção por trabalhar com costureiras independentes e não com oficinas tem a ver com a proposta de ser um comércio mais justo e sustentável. Ana Paula afirma:

“As oficinas só trabalham com grandes quantidades, normalmente acima de 100 peças, e tem também a questão da remuneração. Se pagarmos para a oficina, quanto vão pagar para a costureira? Sem intermediário, a costureira sai ganhando porque fazemos o pagamento à vista”

É uma forma de trabalho mais cara e trabalhosa, porém mais alinhada com o que elas acreditam ser o futuro do consumo. “Acreditamos que as pessoas não precisam ter muitas roupas, e que essas roupas podem durar mais”, diz Sara.

O desafio, neste caso, é comunicar essa proposta de valor para o novos consumidores. As peças do Atelier Jezebel custam entre 140 e 320 reais. Segundo Sara:

“Queremos ser uma marca sustentável e temos o compromisso de fazer isso de forma consciente, mas essa receita não existe ainda. O desafio é ir se recriando sempre e não esquecer do ideal de quando criou a empresa. No processo é fácil se perder, até para vender mais, bater meta e pagar os custos”

As vendas são feitas pela internet e na loja física, inaugurada em 2018 (no bairro de Pinheiros, na Zona Oeste), quando o faturamento ficou em 518 mil reais.

“A gente quer crescer, mas não quer ser uma super empresa, ter várias lojas… Buscamos o crescimento em mais parceiros, como para marketing ou produção”, diz Ana Paula. “É um crescimento para deixar as coisas mais fluidas, porque o pequeno produtor acaba se infiltrando muito no operacional e a criação pode ficar um pouco de lado.”

 

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