Ela subiu o morro e hoje leva cuidado médico gratuito a mulheres de comunidades cariocas: “A gente atua nas lacunas do governo”

Juliana Afonso - 9 maio 2023
Julia Rangel, fundadora da Rede Postinho de Saúde (foto: Ana Paula Vasconcelos).
Juliana Afonso - 9 maio 2023
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A psicóloga Julia Rangel subiu pela primeira vez o Morro do Cantagalo, no Rio de Janeiro, em 2010. O que ela não imaginava é que iria repetir esse trajeto inúmeras vezes durante os 13 anos seguintes. 

Julia, 40, é a fundadora e presidente da Rede Postinho de Saúde, uma organização da sociedade civil criada para oferecer atendimento gratuito para mulheres das comunidades Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, no Rio de Janeiro.

Lá em 2010, Julia, então recém-formada, tinha vontade de atuar como voluntária, mas não sabia como. Veio de um amigo a ideia de se engajar em algum trabalho nas duas comunidades.

Cantagalo e Pavão-Pavãozinho fazem fronteira com Ipanema, bairro nobre do Rio onde Julia nasceu e cresceu. Porém, a distância real entre morro e asfalto não pode ser medida apenas em quilômetros.

“A gente que é carioca sabe que não é só chegar e subir o morro, não é tão simples… Mas, com 27 anos, a gente não pensa muito”, diz Julia, que subiu sozinha e sem conhecer ninguém. 

O posto de atendimento foi inaugurado em abril de 2010, com o apoio de amigos que toparam se voluntariar. Estabelecer uma relação de confiança com os moradores foi um desafio: 

“No início, eles achavam que eu era ligada a política, faziam bolão de quando eu ia sair. Com o tempo eles foram me conhecendo e entendendo que eu realmente estava ali para ajudar”

Hoje, o Postinho conta com 50 voluntários e disponibiliza atendimentos gratuitos, nas áreas de psicologia, nutrição, fisioterapia, medicina e das Práticas Integrativas Complementares, como reiki, massoterapia e terapia floral. Com a construção de um segundo andar na sede, a organização passou a oferecer atividades em grupo e projetos coletivos. 

Responsável por cerca de 400 atendimentos mensais, a iniciativa foi reconhecida por premiações como o Prêmio Dom, do Grupo Fleury, e o Prêmio Fundo de Mulheres, da BrazilFoundation. Mesmo assim, dinheiro segue sendo um gargalo. Agora, a equipe se prepara para estruturar um núcleo de captação de recursos.

Hoje, Julia define sua rotina como “insana”: além de frequentar o Postinho de segunda a sábado, ela mantém um consultório no Leblon e é mãe de Helena, de 5 anos, e Olívia, de 2. As meninas também frequentam o Postinho. “Eu não quero que minhas filhas cresçam numa bolha”.

Leia a seguir a conversa de Julia Rangel com o Draft:

 

Você cresceu em Ipanema, estudou em uma universidade privada e teve a oportunidade de montar um consultório particular. Por que o interesse em trabalhar com questões sociais e com o público mais vulnerável?
Tem um pouco de referência dos meus pais, que sempre estiveram muito atentos ao social. Eles participavam da Pastoral do Menor quando eu era criança e eu ia com eles fazer trabalho voluntário. Mas é uma característica minha mesmo, tenho muito interesse pelas pessoas.

No último ano do curso de Psicologia, decidi fazer meu estágio na área de psicologia social, mais especificamente psicologia comunitária. Trabalhei num projeto que atendia crianças e adolescentes em situação de rua e tive uma experiência muito profunda. 

Era super difícil, mas me apaixonei. Percebi que a psicologia era um instrumento onde eu poderia fazer a minha contribuição para a sociedade

Terminei o estágio e esse projeto acabou por falta de recursos. Com isso, fiquei em um certo limbo: recém-formada, trabalhando no consultório, mas com aquela inquietude do social. Eu precisava fazer alguma coisa.

Um dia você decidiu subir as comunidades Cantagalo e Pavão-Pavãozinho e se ofereceu para prestar atendimentos gratuitos. Como foi isso? Quais foram as etapas até a criação da organização?
Eu não tinha a visão de montar uma ONG, o que eu queria era trabalhar com a questão social. Quando o projeto que eu participava acabou, busquei alguns lugares para me voluntariar como psicóloga, mas não me identifiquei com nenhum. Aí um amigo falou: “Julia, por que você não sobe o morro?”.

O Cantagalo-Pavão-Pavãozinho é um complexo. Eles estão em um mesmo território, próximo de onde eu morava, em Ipanema, mas eu nunca tinha ido. A gente que é carioca sabe que não é só chegar e subir o morro, não é tão simples, mas com 27 anos a gente não pensa muito.

Um dia eu subi, na cara e na coragem. Fui na Associação de Moradores e falei com o presidente, que na época era o [Luiz] Bezerra. Minha ideia era doar uma manhã ou uma tarde para atender as pessoas como psicóloga. Ele falou: “A gente não tem nada de saúde aqui em cima, se você puder chamar outras pessoas vai ser ótimo”

Consegui cinco amigos e falei para o Bezerra que a gente precisava de um lugar. Aí ele cedeu a casa onde hoje é a sede do Postinho. Ela tinha sido construída pela Conspiração Filmes para ser um posto de saúde, mas estava abandonada. Ele falou: “Deixo com você. Não conte comigo para nada. Se vira, limpa, mobilia, faz o que você quiser” (risos). 

Inauguramos o Postinho dia 21 de abril de 2010. Fizemos 13 anos agora.

Quais foram as dificuldades enfrentadas nos primeiros anos?
A gente começou sem nenhuma noção do que estava fazendo, até numa certa inocência. Um dos desafios foi a falta de conhecimento. 

Para você ter uma ideia, não pensei que precisava ter recepção, prontuário, agenda, que precisava limpar o espaço, ter papel higiênico no banheiro, comprar um monte de coisa… Meu voluntariado [que era] de quatro horas, passei para todos os dias da semana. Eu era faxineira, secretária, psicóloga, relações públicas 

Também tinha que conhecer e ser conhecida, entender as dinâmicas da comunidade, ir nas ONGs, ir nas escolas, apresentar o que eu estava fazendo. Acabei deixando o meu consultório muito de lado nesse período.

Você teve algum receio com relação a possíveis situações de violência? Chegou a presenciar alguma situação mais complicada?
Naquele momento começaram as UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora. Eu não sabia qual era o funcionamento da comunidade, do tráfico ou da polícia, mas hoje eu entendo que foi importante para o Postinho pois, naquele período, o tráfico realmente não estava muito fortalecido.

O Cantagalo-Pavão-Pavãozinho não é muito perigoso. É uma comunidade da Zona Sul, não existe muito interesse em guerras armadas – mas já teve fases de tiroteio. Passei por isso duas vezes; numa delas, estava grávida e a gente teve que ficar na cozinha, abaixada. Mas no geral eu me sinto muito acolhida 

Posso contar nos dedos as vezes que senti medo. Eu tenho tanta certeza de estar lá com uma missão positiva que acredito que nada de mal vai acontecer. E nunca aconteceu. É uma coisa minha.

Trabalhos voluntários também podem gerar desconfiança dentro das comunidades. Isso aconteceu? Como você foi se aproximando dos moradores e criando uma relação de confiança?
No início, eles achavam que eu era ligada a política, faziam bolão de quando eu ia sair (risos). Com o tempo foram me conhecendo e entendendo que eu realmente estava ali para ajudar. Mesmo sem recursos, eles viam a gente fazendo o melhor que podia.

Atendimento no Postinho (foto: Ana Paula Vasconcelos).

Como a comunidade não tinha nada de saúde, quando a gente abriu veio uma multidão e eu percebi que não estava indo apenas como psicóloga: a missão era muito maior. O que eu fiz foi ficar muito disponível. Além de todas as funções que eu exercia, achava importante estar lá todos os turnos, para entender o que a gente estava fazendo.

Às vezes eu ficava tomando um café na porta do Postinho. Brinco que é igual cidade pequena: a pessoa passava, começava uma conversa e aí a gente ia fazendo uma amizade. E eles me chamavam para tudo, né? E eu sempre ia: aniversário de criança, festa junina, reunião comunitária. É uma construção de relação como qualquer outra.

No início, os atendimentos eram oferecidos para a população em geral. Com o tempo, vocês passaram a focar na saúde das mulheres. Por quê?
Em 2012 houve uma enchente no Rio de Janeiro e a casa do Postinho foi muito prejudicada. Caía água do teto, subia água do chão, foi bizarro. Como ela era no tijolo, e a parede já era mofada, virou um lugar insalubre. 

Eu era recém-formada e não tinha dinheiro para a reforma. Nesse momento, pensei: “Acabou o Postinho”. Saiu uma matéria no RJTV [telejornal local da Rede Globo] e o médico Rodolfo Carnevalli viu e doou a reforma para que a gente pudesse voltar a funcionar. Foi uma daquelas coisas divinas 

No período em que ficou fechado para obras, seguimos nos reunindo e tivemos tempo para pensar. Foi quando montamos a ONG. Até mudamos o nome: era Postinho Aroldo Santos, em homenagem a um sambista da comunidade, e virou Rede Postinho de Saúde.

Nessa época, a professora Erica Bamberg ofereceu uma consultoria sobre terceiro setor. Ela falava que a gente precisava pensar no público-alvo porque a gente não ia dar conta de atender todo mundo. 

Foi sofrida essa decisão, porque a gente ia ter que excluir algumas pessoas, mas entendemos que as mulheres eram o nosso público. Muitas vezes elas são o alicerce da família e se a gente cuidar das mulheres elas vão levar isso para o entorno 

Hoje, acho que foi uma das melhores decisões que a gente tomou.

Hoje a Rede Postinho conta com atendimentos em diversas frentes, desde fisioterapia e fonoaudiologia a terapia floral e reiki. Como vocês escolhem o que será oferecido no espaço?
Todo mundo é voluntário e o voluntariado tem essa coisa do entra e sai. Hoje a gente já tem mais estabilidade porque a nossa rede é grande, então é difícil ficar sem alguma especialidade. 

Quando reinauguramos o Postinho, depois da enchente de 2013, começamos a construir um modelo biopsicossocial, onde consideramos as questões físicas, emocionais e sociais que essas mulheres vivem. Temos atendimentos em medicina, psicologia, fisioterapia, nutrição, mediação familiar e as Práticas Integrativas Complementares, como reiki, terapia floral, cromoterapia. 

Eu, como psicóloga, acredito muito no poder do trabalho coletivo e era meu sonho ter uma sala para grupos. O Postinho é pequenininho, tem 50 metros quadrados, mas em 2017 conseguimos construir o segundo andar. Hoje são três consultórios embaixo e uma sala multifuncional em cima, onde temos projetos específicos

Um deles é o “Parto Amorizado”, que trabalha com gestantes e puérperas. Durante a Covid-19, existia uma demanda das mulheres por geração de renda, então começamos o projeto “Saia Empoderada”, com cursos de capacitação na área da saúde, como massoterapia, cromoterapia e outras terapias holísticas. 

Criamos também o “Visão do bem”, em que capacitamos pessoas da comunidade para serem agentes de visão e fabricarem óculos a preço de custo. Agora a gente está lançando o projeto “Reflorir”, que trabalha com mulheres vítimas de violência doméstica. 

Vocês se comprometem com um conjunto mínimo de serviços que consideram indispensáveis ou oferecem atividades a partir dos voluntários disponíveis?
Não, não temos um mínimo. Até porque minha visão é que tudo que o governo consegue dar à gente não entra [na lista de serviços oferecidos pelo Postinho]. Já tivemos dermatologista, gastroenterologista, ortopedista, várias especialidades da medicina, porque é difícil conseguir atendimento de um especialista. 

Ou seja, a gente atua nas lacunas do governo, a gente não compete com ele. No Parto Amorizado, por exemplo, oferecemos doula, nutricionista, fisioterapeuta gestacional – mas essas mulheres vão ter filho nos hospitais do SUS

A minha visão é que a gente não deveria nem existir: saúde é um direito constitucional e eu espero que o governo consiga se organizar para cumprir o seu dever. No Postinho, tentamos priorizar a saúde complementar. 

Por serem uma organização da sociedade civil, vocês dependem do trabalho voluntário de pessoas dispostas a apoiar a causa. Como vocês se mantêm financeiramente hoje em dia?
Esse é nosso calcanhar de aquiles. Do pouco que eu estava conseguindo tirar no meu consultório eu fazia compras para minha casa e botava o resto no Postinho. Só que ele foi crescendo: hoje a gente tem uma equipe de 50 pessoas e gera quase 400 atendimentos por mês. 

Pagamos contabilidade, água, luz, telefone, material clínico, ajuda de custo para as meninas da recepção, que são moradoras da comunidade. Ou seja, tem um custo fixo, que não é mais “eu botar mil reais”.

Comecei a pensar em captar [recursos] quando cismei de construir o segundo andar. A gente contou com o apoio do Instituto Phi e da BrazilFoundation para fazer a obra. Foi a primeira vez que entendi que era possível ter apoio financeiro. A partir daí, percebi que a gente estava indo para um tamanho que eu precisaria ter 5 mil reais para botar ali todo mês, o que eu não tinha.

Vou te falar muito abertamente: hoje, na conta do Postinho, tem 5 mil e poucos reais. Mês que vem acabou esse dinheiro. Quando a gente chega nesse [cenário] emergencial, precisamos fazer campanha, mas essa é uma forma ruim de fazer gestão, e eu sei que sou bem ruim nisso… Queremos pagar um captador para escrever projetos – só que não temos dinheiro 

Eu brinco que é igual ao primeiro emprego, que você vai buscar para ter experiência, mas não consegue entrar porque todos pedem experiência… 

O trabalho do Postinho é incrível. A gente tem visibilidade, a Letícia Spiller é nossa madrinha, já fomos no Criança Esperança, eu acabei de participar do documentário Só Juntos. Todo mundo fala: “nossa, eles devem ser gigantes”. E a gente é, mas não entra dinheiro. Agora estamos em uma aceleração e criando um núcleo de captação.

Existe o objetivo de remunerar as pessoas que trabalham no espaço?
O modelo que a gente sonha para o Postinho é um modelo em que a gente consiga ter a parte operacional e de gestão remuneradas. A área da saúde é uma mão de obra muito cara, então um dia, pensando grande, a gente poderia ter esses profissionais remunerados. 

Ao mesmo tempo, acredito muito no voluntariado: das vezes que a gente teve a capacidade de pagar por um serviço, nem sempre foi bom.

O que percebo é que o voluntariado é feito com muito amor, até porque é burrice se voluntariar se não for por um desejo. Temos um voluntariado tão bem desenvolvido que, sinceramente, mesmo tendo dinheiro, eu não tiraria o atendimento da saúde do voluntariado, porque ele é feito de uma forma muito especial, muito comprometida e muito amorosa

Temos uma vida insana. Eu durmo cinco horas por noite para dar conta de duas filhas, do consultório e do Postinho. Então se eu pudesse receber pelo Postinho, talvez trabalhasse menos no consultório. 

A gente quer criar essa sustentabilidade para a estrutura organizacional, mas o voluntariado da saúde, enquanto tivermos força, vamos manter.

O projeto tem acumulado premiações, como o Prêmio Dom, do Grupo Fleury (2013), e o Prêmio Fundo de Mulheres, concedido pela BrazilFoundation (2016). O que esse tipo de reconhecimento traz? Essas premiações se revertem em dinheiro e oportunidades?
Alguns sim, outros não. No Prêmio Dom, por exemplo, a gente ficou em primeiro lugar e eles fizeram uma doação de 15 mil reais. A gente tinha acabado de perder tudo por causa da enchente e, com esse dinheiro, mobiliamos todo o Postinho. Foi sensacional!

Nem todos os prêmios vão trazer recursos, mas eles trazem o que no terceiro setor chamam de chancela. Ou seja, uma validação. A gente precisa ganhar novos prêmios, porque os nossos são antigos. Só que precisamos arrumar alguém para fazer isso. Eu confio muito no trabalho que fazemos e tenho certeza que se a gente estivesse se inscrevendo, poderíamos conseguir.

E quais são as outras necessidades da Rede Postinho hoje?
Precisamos de mais voluntários. Estamos sempre abertos porque quanto mais pessoas entrarem, mais pessoas serão atendidas. A gente também precisa de recursos financeiros e materiais. 

Tem muito paciente que pergunta “posso doar papel higiênico?”, “posso doar café?” e tudo é sempre bem-vindo porque a situação é muito negativa. Hoje, a gente também precisa de um investimento para estruturar a área da captação e ela conseguir se retroalimentar 

Ano passado entrou um apoio financeiro do Instituto Phi quando a gente estava perto de fechar as portas. Eles nos convidaram diretamente porque havia um investidor interessado na área da saúde. Foram 100 mil reais. Com esse recurso, conseguimos funcionar por um ano inteiro mantendo a parte operacional, pagando as meninas da recepção, comprando material clínico. Foi com isso que a gente conseguiu aplicar o projeto “Saia empoderada”. O Phi tem minha eterna gratidão.

E quais são as principais necessidades da população que procura a Rede Postinho? Você enxerga uma mudança nas demandas trazidas pela população desde o momento em que a organização começou até hoje?
Uma coisa que eu observo é que existia muita escassez de cuidado. Quando a gente foi entrando em especialidades que as pessoas nunca tiveram acesso, fomos mostrando o valor dessas pessoas, que elas têm direito e merecem ser cuidadas. Percebo que as pessoas foram aprendendo a se cuidar e a buscar essas ajudas.

Atualmente a gente tem fila de espera para todas as especialidades. É uma comunidade de mais de 30 mil pessoas, então existe uma grande demanda reprimida. Eu diria que uma das maiores procuras são pelas especialidades da saúde mental, que é, com certeza, o carro-chefe do Postinho 

Outras especialidades muito procuradas são fisioterapia e massoterapia, para tratar movimentos repetitivos ou que exigem uma demanda física muito alta. Podem ser atividades do dia a dia, como subir o morro aqui da comunidade, que é muito íngreme, ou da ordem do trabalho, como pessoas que são caixa de supermercado ou domésticas.

Outra coisa interessante é que a gente sempre atendeu presencialmente, mas durante a Covid-19 criamos os atendimentos online em parceria com o Doctoralia. Hoje o Postinho segue com presencial e online.

O que mudou na sua vida e na forma como você enxerga e se relaciona com as pessoas que vivem nas comunidades após 13 anos trabalhando no local? Como você percebe os impactos do seu trabalho na qualidade de vida da população?
Com a chegada da Helena, vivi um grande amadurecimento e percebi o quanto o Postinho estava centralizado em mim. Eu precisava soltar e deixar ele crescer porque se eu ficar doente, se eu morrer, se alguma coisa acontecer, não pode acabar. A gente acompanha pessoas há 13 anos, é muita responsabilidade.

O Postinho é também o legado que eu posso deixar para as minhas filhas, que eu faço questão de levar. A primeira vez que levei a Helena no Postinho, um amigo que tem uma neta da idade dela perguntou: “por que você tá trazendo ela pra cá?”. Aquilo me marcou muito 

Depois, falei para ele: “Você tem uma neta da mesma idade. Se aqui não é lugar pra minha filha, não é lugar pra tua neta”. Eu não quero que minhas filhas cresçam numa bolha. E a psicologia é um instrumento que eu tenho para fazer minha parte.

Qual o maior aprendizado desta experiência?
Eu sou de uma família de classe média e viver essa outra realidade coloca meu pé no chão. Fico feliz em poder fazer algo e, através do meu exemplo, transformar também a minha família, a minha mãe, as minhas filhas.

Também tem todo um aprendizado como psicóloga, de poder ter um olhar sistêmico e acessar toda essa que é uma rede poderosa, inclusive para o nosso serviço particular. Eu também aprendi muito com relação a gestão, a liderança, a trabalhar com as pessoas. Foi uma capacidade que foi potencializada pela necessidade, pelo processo.

A gente vai diminuir essa desigualdade junto. Nunca tiro a responsabilidade do governo, mas nós somos mais de 200 milhões. A sociedade civil tem que estar aqui, nem que seja um pouquinho 

“Ah, mas eu nunca vou subir a favela”. Beleza, você tem dinheiro? Doa para as instituições. “Mas eu quero doar meu trabalho”, então doe o seu trabalho. O que não tem desculpa é não fazer nada. 

O aprendizado fica nisso: a gente pode e deve fazer as coisas. Sinto que eu ganho em todos os sentidos. E tenho muita gratidão por tudo que o Postinho me dá.

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