Filha caçula de uma família de Lins, no interior de São Paulo, cresci em um ambiente amoroso.
Tive uma infância simples porém maravilhosa, rodeada por avós e tias. Brinquei muito na rua com vizinhos, subia árvores, roubava limão e goiaba, descia na enxurrada e sempre fui extremamente imaginativa e criativa.
Meus pais sempre me apoiaram em praticamente todas as minhas escolhas. Claro que havia longas conversas sobre prós e contras, e as ideias mais descabidas eram vetadas.
Aos 17 anos, decidi cursar nutrição. Confesso que sempre achei lindíssimo aquelas pessoas que crescem sabendo o que querem ser. Eu não nasci assim, não
Minha escolha pela faculdade acabou sendo feita por exclusão, pois sabia que não queria exatas e sempre me dei muito bem em biológicas e genética na escola.
Meus pais me estimularam a saber como era o curso e a buscar referências, enquanto familiares e pessoas próximas diziam: “Você vai passar fome sendo nutricionista. Vai ficar na boca do fogão cozinhando”.
Se isso me fizesse feliz, tudo bem também, pois não menosprezo o trabalho de ninguém e acho digno demais quem cozinha, a meu ver é um ato de amor.
Mas já me imaginava cuidando de pessoas, ajudando a mudar vidas e hábitos.
Prestei o vestibular para ciências biológicas e nutrição e acabei optando pela segunda. Costumo dizer que a nutrição foi me conquistando aos poucos; criamos relacionamento, confiança e o elo se fortaleceu.
Especificamente na matéria sobre dietoterapia, entendi que meu futuro seria atender pacientes, afinal era um quebra-cabeça cheio de desafios, precisava investigar, interpretar dados laboratoriais e correlacionar muitos fatores.
Saber que iria promover mudança na saúde das pessoas era um motivador sem igual.
Após me formar, comecei a atender em vários lugares em Lins. Às vezes, a conta não fechava, por causa dos gastos com aluguel de sala e materiais, mas eu sabia que era nesse ritmo, “trabalho de formiguinha”, que conseguiria fazer meu nome
Em 2009, surgiu a oportunidade de atender em Bauru (SP) a convite do diretor da clínica onde eu já trabalhava. Ia e voltava para lá todos os dias de atendimento. E, com o aumento do fluxo de pacientes por lá, acabei me mudando de vez em 2011.
Novos caminhos foram se abrindo. Atendia em domicílio, em academia, em salinhas minúsculas compartilhadas… além disso, buscava uma grana extra fazendo rótulos de alimentos para ajudar nas contas.
Durante essa trajetória, poucos anos após minha formação, em 2009, desenvolvi três transtornos alimentares (TA) — bulimia, anorexia e ortorexia (obsessão com a alimentação saudável). Sim, um combo.
Hoje entendo que precisava aprender sobre essas doenças passando por tudo isso na prática. Mas todo o processo foi bem doloroso.
Quem tem transtorno alimentar não se vê com o problema, não se percebe e não sabe se autoavaliar.
Como o TA é caracterizado por ser uma doença de fundo psicológico (sendo melhor diagnosticada por psiquiatra), ela pode começar bem silenciosa, entre altos e baixos.
Acredito que um dos fatores para ter desenvolvido esse combo foi a autocobrança exagerada para ser o mais perfeito dos exemplos de nutricionista, e isso — hoje sei– não existe
Creio que meus pais tenham observado antes os sintomas, mas eu mesma comecei a reparar em algumas mudanças de comportamento.
Passei a deixar uma balança no banheiro e me pesar várias vezes ao dia e lembro que, a cada quilo a menos, ficava muito feliz. Por outro lado, qualquer grama a mais já era motivo para me sentir mal.
Mesmo considerando estranho alguns comportamentos, não conseguia mais me desvencilhar. Parecia uma obrigação manter aquela rotina rigorosa de horários para tarefas do dia a dia e refeições super programadas.
Comia praticamente todos os dias a mesma coisa – o mesmo tipo de fruta, iogurte, legumes etc. Um dia a dia bem monótono…
Tudo que era diferente me causava medo, pois saía do meu controle. E pior do que isso: passei a comer em horários diferentes da minha família para que não julgassem meu prato.
Até levava algumas refeições para meu quarto. Assim ficava mais fácil não comer tudo que havia colocado ou mesmo vomitar.
Passei também a usar laxantes em alguns dias como forma de me punir por ingerir algo “errado” ou provocava o vômito para me livrar daquele alimento “ruim”
Sobre a ortorexia, lembro de um episódio no qual saí para almoçar com meus pais e irmão (depois de muita insistência deles) e, no restaurante, quando chegou o prato, achei que tinha sido feito com óleo e empanado.
Não consegui comer, vi meus pais ficarem sem jeito e acabei saindo do local sem falar nada, em silêncio.
Um misto de vergonha, de não saber lidar com meus pensamentos, vontade de sumir e não ter que explicar nada para ninguém.
Hoje, refletindo sobre isso, vejo o quanto tudo foi doloroso e pesado.
E o quanto me privou de sair, conviver com pessoas, família e ter momentos agradáveis, leves e sem cobranças.
Além da mudança na aparência física — passei de 63 para 48 quilos, com ossos evidentes —, eu não me reconhecia como pessoa.
Sempre fui bem humorada, fazia piadinhas, era muito interessada e curiosa. Mas, neste período, me via bitolada em um pensamento único: a preocupação com o que iria comer ou como iria fazer para ninguém me ver comendo
Parecia que não me importava com mais nada e mais ninguém. Imagino que foi extremamente difícil conviver comigo naquela época…
E para não notarem que estava emagrecendo e não ficarem perguntando, eu usava roupas largas, vestidos soltos e evitava ao máximo andar de shorts.
Lembro que uma vez coloquei duas calças para dar um volume maior. Alguns pacientes que me conheciam há algum tempo perguntavam: “Nossa, você emagreceu, vai competir alguma coisa?”. Mas como sempre eu desconversava e me mantinha firme.
Todas essas lembranças não são fáceis de serem expostas, mas aprendi a mostrar meu lado humano e falível. Então, espero que você leia este relato com acolhimento e amor.
Quando alguns problemas causados pela perda de peso começaram a despontar, fui ao ginecologista, pois havia parado de menstruar (a amenorreia é bem comum nesse processo de grande redução de peso).
Depois, fui ao endócrino para pedir exames de sangue e verificar o surgimento de pelos mais escuros nos braços, ombros e costas (outra consequência da perda de peso).
Porém, tanto um quanto outro profissional (sem especialidade em tratamento de TA) simplesmente fizeram seu papel, prescreveram o que era pertinente — alguns hormônios e vitaminas — e falaram para eu “comer mais”.
Ao mesmo tempo, fui a uma nutricionista, pois eu mesma não estava dando conta sozinha. E ela me receitou muitos suplementos hipercalóricos indicados para pessoas que treinam.
Imagina isso? Eu estava comendo de forma super restrita, com medo de mil coisas, e ela achou que eu iria aceitar tomar aquilo… Bom, nem preciso dizer que não fiz, né?
Hoje sei que não é todo profissional que tem sensibilidade e sabe lidar com pessoas com TA.
A última etapa foi passar com psicóloga (a ideia veio da minha mãe mesmo). E foi na terapia que tudo veio à tona
Também fiz uma consulta online com um nutricionista que eu já seguia e sabia que lidava com TA da maneira adequada.
O processo de recuperação foi gradual. Não é fácil e só quem teve TA sabe do que estou falando. Pois é um estado de eterna vigilância.
Mas com a ajuda da psicóloga, graças a Deus e ao acolhimento da minha família, que não me julgava e sempre foi muito amorosa, consegui passar por tudo e em 2011 eu já não tinha mais “recaídas”.
Acredito hoje plenamente que Deus me possibilitou passar por isso para me capacitar, saber acompanhar passo a passo minha paciente, entendê-la sem julgar.
Há tempos estou curada e, com minha experiência pessoal e formação profissional, consigo ajudar mais pessoas
Meu olhar para mim e para o ser humano passou a ser de acolhimento. Demonstrar minhas fragilidades não me torna fraca, mas ajuda a me conectar a mais pessoas.
Não tenho ideia de quantas pessoas já ajudei e ainda ajudo, mesmo que indiretamente. E sei que minha caminhada aqui é para servir. Por isso, não me canso. Isso me nutre a alma.
Hoje, minha abordagem tem fundamento na nutrição comportamental, que nasce da Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) da psicologia. Não há um protocolo único, é ir dançando com o paciente.
Entendendo cada etapa, dando um passo e às vezes voltando o mesmo passo. Procuro não gerar expectativas e não traçar grandes metas.
Esse tipo de paciente já se cobra muito, ele não merece mais cobranças. Eu me mostro presente, atenta, disposta e disponível.
Tanto nos atendimentos e também nas mídias abordo muito a alimentação sem terrorismos.
Após curso que fiz da Sophie Deram (uma pesquisadora maravilhosa de neurociência e nutrição), entendi que para acessar outro ser humano, preciso respeitar a história dele.
Entendi também que a alimentação é muito mais do que nutrientes: ela envolve afeto, carinho, conexão consigo mesmo, leveza, escolhas, regionalidade, preferências e conhecimento.
Sim, é tudo isso e muito mais. Nutrir o corpo não é somente pesar alimentos e comer proteína, carboidratos e gorduras. Nutrir o corpo é estar bem na fase de vida em que você estiver. É se encontrar naquele momento, entender possibilidades e não se comparar com outras etapas de vida, ou outras pessoas
É honrar sua história, entender que estamos aqui para muito além da estética que temos, e que estar bem não é só não ter doença.
Estar bem, em equilíbrio, é não levar tudo a ferro e fogo. É ser gentil consigo, permitir errar e aprender sem se punir. É valorizar a vida, sua morada, seu corpo de forma natural.
Nosso templo, organismo, é divino!
Denise Real é especialista em nutrição há mais de 16 anos. Fundou a Inspira Nutri e atua como diretora de nutrição e saúde integrativa da Saludii.
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