Ian Black, da New Vegas: “Decidi esticar a corda e falar sobre política na publicidade. Vou ganhar menos contratos? Faz parte”

Marina Audi - 8 dez 2022
Ian Black, fundador e co-CEO da New Vegas.
Marina Audi - 8 dez 2022
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“Como eu nunca passei por uma faculdade de publicidade, nunca tive esse deslumbre da publicidade.”

A frase é de Ian Black, 44, fundador da New Vegas. O diploma, pelo visto, não fez falta: na ativa desde 2011, a agência de comunicação exibe no seu portfólio clientes como Bradesco, Disney, Google, Meta e P&G.

Ian tem formação técnica em contabilidade. Começou a ralar cedo, aos 14, como office-boy em um misto de centro automotivo e corretora de telefones (a telecomunicação ainda não tinha sido privatizada, então se fazia contratos de compra e venda de linhas telefônicas).

Alguns anos mais tarde, em 2000, com a explosão da internet no Brasil e o surgimento do iG – “aquele fenômeno da internet grátis”, como ele descreve –, a demanda por profissionais de suporte técnico ficou muito acima da oferta. Ian migrou para essa área.

Foi só em 2007 que ele passou a trabalhar com publicidade. Entrou pela porta lateral, fazendo seeding (estratégia de inserção de conteúdo relevante em blogs e redes sociais para gerar interesse por uma marca) e levou junto sua vivência como um dos primeiros blogueiros do país.

Foram quase três anos como funcionário em agências até que, no fim de 2009, Ian decidiu trabalhar por conta própria, como freelancer — e mais tarde fundou sua própria agência.

A New Vegas, aliás, nasceu de um imprevisto. Resumindo: Ian tinha sido chamado para um grande job de uma empresa de publicidade. Alugou um escritório em São Paulo, pegou um empréstimo de 50 mil reais para comprar mesas e computadores, e contratou três amigos para ajudar a tocar o projeto. Para sua surpresa, porém, o trabalho foi cancelado antes de começar. 

Com a estrutura já montada, ele resolveu transformar aquilo numa agência. Deu certo. Ao longo dos anos, a New Vegas se consolidou como uma especialista no digital, combinando tecnologia e criatividade na busca por “soluções personalizadas” para seus clientes. 

A agência hoje é parte da rede de brandtechs B&Partners.co, que atua como aceleradora, incubadora e venture. Ian divide a cadeira de coCEO com Vinicius Facco, à frente de um time de 100 funcionários. 

A seguir, ele fala ao Draft sobre sua trajetória, o mercado publicitário – e como concilia suas visões políticas e os negócios da New Vegas:

 

Nos primórdios da internet, em 1998, antes de chegar ao mercado publicitário, você aprendeu a usar HTML, o bloco de construção mais básico da Web, para publicar poemas no site Enloucrescendo (que depois virou um blog foi encerrado em 2008). Como foi essa jornada?
Eu era uma pessoa que lia e escrevia bastante, então quando começo a ter contato com a internet, em 1997, minha ideia era que a internet era uma “grande TV” com vários canais e todas as pessoas podiam criar os seus. 

Contudo, naquela época, você tinha que ter um mínimo de conhecimento de HTML para poder publicar e manter o seu site… e foi quando eu aprendi. Isso foi antes do surgimento dos blogs.

Eu publicava os meus poemas e contos ali e o nome era Enloucrescendo. Eu me lembro até hoje que meu e-mail era: [email protected] [gargalhada]. 

Em 2000, conheci o Alexandre Inagaki. Ele também tinha um site e passava pela mesma questão de publicar com HTML – até que me apresentou um blog dizendo que aquilo seria o futuro: a gente não precisaria mais do HTML – era só escrever o conteúdo, apertar o botão e publicar. 

Se você for pensar, essa é a lógica de todas as ferramentas que a gente utiliza hoje. 

Você é tido como um dos primeiros blogueiros do Brasil. Entendi que o seu interesse pela internet começou como uma busca de expressar sua sensibilidade, por meio de poemas e contos. Ao longo dos anos você foi mudando o tipo de conteúdo que publicava no seu blog?
Sempre fui nerd, com uma origem humilde, um garoto da periferia… Desde cedo, eu me interessei por Star Wars, músicas gringas, quadrinhos, videogame, revistas. Aprendi a ler antes de ir para a escola. Todo esse universo de TV, quadrinhos e literatura me fascinou! 

Em 1992, passava horas assistindo à MTV Brasil. Daí, quando surgiu a internet, percebi que tinha algo ali. 

Eu já escrevia desde a adolescência. E primeiro foi essa a intenção – escrever e publicar contos e poemas. Depois, abri espaço no meu site para que outras pessoas pudessem publicar. Buscava também outros autores

A minha escrita era muito mais cotidiana, meio um diário para falar como estava a minha vida, o que acontecia. Começa a mudar um pouco em 2003, quando o Inagaki, eu e outro amigo jornalista, o André “Marmota” Rosa, criamos o blog Virunduns, que tinha proposta e forma distintas de buscar conteúdo. 

O Inagaki enxergou potencial no tema depois de abordá-lo numa edição da sua antiga newsletter, o Spamzine. Basicamente, virundum é toda aquela música que você acha que canta certo, mas canta errado. Abrimos o blog e pedíamos para as pessoas mandarem histórias; a gente compilava, publicava, criava especiais… mas tinha uma linha editorial.

Tem uma coisa interessante: provavelmente, esse blog foi o primeiro na história do Brasil a ser noticiado dentro dos cadernos culturais dos jornais – e não nos cadernos de tecnologia 

Até então, falava-se de blog [apenas] como fenômeno de tecnologia. A partir de 2003, começou a se falar de blog como fenômeno cultural, muito por conta do Virunduns, que foi capa do Jornal da Tarde, Estado de Minas, Segundo Caderno do Globo… A coisa ficou bem grande; claro que não ganhamos um tostão, mas conhecemos muita gente.

E aqui tem algo que faz sentido – conhecer muitas pessoas e se fazer conhecido por essas pessoas. O Virunduns teve isso, ele nos credenciou para várias coisas. Eu me lembro que, nessa época a Rosana Hermann era nossa fã e uma vez ela me chamou para um teste de roteirista na agência dela – a Synapsis. 

Eu nunca tinha sonhado em ser roteirista, mas ela ter me chamado, eu ter ido até lá e visto que era uma possibilidade, que se pagava muito melhor do que eu jamais havia ganhado… Embora não tenha rolado, abriu a minha cabeça.

Depois, o Virunduns foi minguando e acabou em 2003, mais ou menos quando surge o Orkut [em janeiro de 2004]. O Orkut foi outra coisa muito maluca, foi o início da primeira grande revolução cultural do Brasil 

Era um monte de pessoas organizadas – inclusive acadêmicos –, conversando sobre temas interessantes e sérios. Então, começamos a jogar a nossa atenção para o Orkut, para entender todos esses movimentos que aconteciam. Muitas das turminhas dos blogs começaram a se organizar também ali naquele universo e o Orkut passou a potencializar o surgimento de novos blogs. 

Até ali, blogs eram mais pessoais. A partir do Orkut, blogs passam a ser mais temáticos, começam a surgir os primeiros blogs profissionais – pessoas que estavam realmente ganhando dinheiro como Thiago Mobilon e Edney.

E em 2006, liderados por Edney Souza, junto com Alexandre Inagaki e André “Marmota” Rosa, fiz parte da fundação do InterNey Blogs, a primeira iniciativa de blogs que a gente chamava de condomínio de blogs profissionais

Existiam outros no Brasil, mas ele era diferente porque estava estruturado com um plano editorial e era movido por um algoritmo inédito que vendia anúncios nos vários blogs que estavam ali. A depender da performance, repassava-se o dinheiro para o blog.

Meu último passo no mundo de blogs foi em 2008, quando entrei na agência LiveAd, onde fiquei à frente de um projeto chamado Blocumentário, o primeiro documentário sobre blogs no Brasil. 

No seu relato, você não usa a expressão digital creator, ou criação de conteúdo. Porém, quando você entra na publicidade, aos 28 anos, em 2007, na agência RIOT, seu cargo era gerente de conteúdo, certo? O que era ser gerente de conteúdo, então? Que dificuldades enfrentou?
A definição de creator é bem posterior, deve ter surgido em 2012. Quem bate nesse tema é a Bia Granja, da Youpix. A Bia tinha a PIX, que era só a revista impressa tamanho pocket. Daí, a partir de 2009, ela começa a fazer os eventos YOUPIX Festival; o primeiro foi na Casa Gafanhoto, do Cazé Pecini. 

O que era um evento superpequeno – e ainda meio sobre cultura pop – dá um salto quando ela vai para a Bienal. Acho que é ali que ela começa a usar o termo creator. Esse termo é muito proprietário dela. Ela trouxe, batalhou, fez colar

Quando entrei em agência, em 2007, ainda não se usava nem social media. Os termos utilizados naquela época são distintos dos que a gente usa hoje.

Entrei na agência por conta de meu amigo Inagaki – que é quatro anos mais velho que eu, estudou Letras, mas era funcionário público na Caixa, onde trabalhava das 7h às 13h. Ele gostava desse horário porque depois, de tarde, fazia frilas de jornalismo – ele sempre escreveu muito bem.

Por conta desse repertório, em 2006 ele foi chamado para trabalhar na RIOT. Nessa época, já existia outra grande agência, a Espalhe, de marketing viral, a primeira a utilizar os formadores de opinião, ou os blogueiros.

A RIOT era fundamentalmente diferente da Espalhe, que era uma empresa de PR Stunt. Tudo que eles faziam era criar ações que potencializavam o que se falava sobre uma determinada marca. 

Já a RIOT nasceu de uma iniciativa de várias empresas de comunicação que atendiam a McCann Erickson [atual WMcCann] e eram relacionadas à mídia. 

O pensamento do Pedro Ivo Rezende, na época, foi montar uma agência na qual se tratava blogueiros e redes sociais como mídia. Então, era possível comprar mídia, publieditorial, dentro de alguns blogs e em todo lugar que se pudesse colocar a mídia 

Nessa época, no Orkut já tinha surgido o fenômeno dos barões das comunidades – pessoas que tinham 100 ou 200 comunidades, com muitos números – que já colocavam anúncios ali também.

O Inagaki entrou [na RIOT] porque conhecia muita gente, muitos blogs e blogueiros. O trabalho dele funcionava assim: uma agência grande contratava a RIOT — por exemplo, a McCann porque tinha feito uma campanha para a Microsoft e tinha um filme publicitário para divulgar; a RIOT, por sua vez, fazia uma proposta à agência para colocar o filme em determinados blogs que tinham êxito – tipo um planinho de mídia mesmo, mais um plano de disseminação, que era, muitas vezes, entrar em fóruns e comunidades e divulgar os produtos ali, chamado de seeding

O Inagaki era essa pessoa que entrava em contato com os blogs, fechava os valores e passava o material… isso era ser um gerente de conteúdo — que, na verdade, era um profissional de mídia e não necessariamente alguém que produzia conteúdo. 

Quando ele começou ali, eu trabalhava em uma empresa de suporte técnico. Achei [o que ele fazia] massa, disse que se um dia tivesse um trabalho lá, era para ele me chamar. E fiquei enchendo o saco dele 

Daí chega 2007, surge um trabalho na RIOT e tudo muda na minha vida. Comecei fazendo seeding e, dois meses depois, o Inagaki decide sair da RIOT para trabalhar como freela – e me indica para o lugar dele.

Você perguntou como foi entrar naquele ambiente? Ele foi diferente de todos os lugares onde eu tinha trabalhado, porque, primeiro, era um trabalho divertido, de criar ideias, lá se discutia sobre o trabalho que precisava ser feito. E eu entendia que o meu repertório acumulado de cultura pop estava a serviço daquilo, eu podia colocar as referências que queria ali. 

As pessoas que trabalhavam comigo eram mais jovens, tinham 21, estudavam na ESPM, então era nítida a minha maturidade e o fato de meu repertório ser muito maior. Consegui me sobressair, embora eu também fosse bem “inconsequente” – dava muita ideia, queria mudar tudo 

Hoje, tudo que eu reclamo que as pessoas fazem, eu fazia naquela época. Inclusive, escapei de ser mandado embora, porque tinha uma gerente que não gostava de mim… Agradeço demais que ela não tenha feito isso!

Chama atenção você falar na diferença entre a RIOT – mais focada em estratégia de mídia e monetização dos blogueiros – e a Espalhe, focada em técnicas de PR Stunt, porque a partir de 2008, quando foi para a LiveAd, você migrou para PR, certo? Como foi isso?
A Espalhe tinha uma característica de trabalhar quase sempre para clientes, diretamente; ela tinha só um ou outro cliente que eram agências. Na RIOT, [ao contrário] eram quase exclusivamente as agências maiores que nos contratavam. 

É legal pontuar isso, porque uma coisa fundamental na minha visão de mundo vem por conta desse formato da RIOT. Eu achava o trabalho das agências grandes muito ruim. 

O fato de eu não ter alguns repertórios foi benéfico. Como nunca passei por uma faculdade de publicidade, nunca tive esse deslumbre da publicidade. Ela sempre foi [apenas] um lugar, entre outros 

Eu ainda mantinha o meu blog e fui chamado pela LiveAd para participar de uma ação da Nokia para divulgar um celular de tecla alfanumérica. A parada tinha relação com música, então chamaram pessoas relacionadas a esse universo da cultura da pop. Cada um ficou com um celular e a ideia era produzir conteúdo, falar do celular, frequentar umas festas etc. 

O pessoal da LiveAd chamou a galera desse grupo para falar sobre o porquê de não estar engajando tanto, e resolvi dar sugestões. Usei meu repertório e a minha cara de pau para falar o que eu acreditava.

Aparentemente, aquilo chamou a atenção do pessoal da LiveAd, porque se passaram duas semanas e eles me chamaram para bater um papo. Eu fui e acabei seduzido porque, diferentemente da RIOT, a LiveAd veio da Box 1824. A Box entregava os projetos, algumas recomendações, e os clientes sentiam falta de alguém que materializasse as recomendações.

Quando eu fui lá, eles me apresentaram a proposta – trabalhar com clientes diretamente; realmente acreditar no poder da criatividade, incentivar todo mundo a ser criativo; não ter mídia e, com isso, o trabalho tinha obrigação de ser tão bom que as pessoas iam querer compartilhar [espontaneamente]. 

Hoje, quando penso, vejo que era muita ingenuidade – mas era o tipo de ingenuidade que me fascinou. Eu acreditava naquilo 

No começo de 2008, eles me chamaram para trabalhar lá e contribuir com a criação para que conectassem as ideias de uma forma que as pessoas dos blogs poderiam se interessar e falar dessas ações… só que de graça.

 Saí de um lugar extremamente confortável, onde era amado pelos blogueiros – porque cuidava do dinheiro e era a pessoa que negociava –, e virei a pessoa que tentava convencer as pessoas a fazer o trabalho de graça… 

Qualquer pessoa em sã consciência não teria feito essa troca, porque foi muito radical: inverteu completamente o jeito de eu trabalhar. Mas eu acreditava que as coisas que a gente podia fazer lá na LiveAd eram boas – e realmente eram.

Depois da LiveAd, você passou seis meses na Wunderman, depois ficou como freelancer até 2011, quando fundou a New Vegas. Hoje, a agência se define como uma empresa que gera soluções personalizadas para os clientes. Quanto tempo você levou para achar esse modelo?
Para falar da origem disso, vou ainda mais atrás, para falar do fator “bolo de barro”. 

Gosto de falar que passei vontade, mas não passei necessidade. Venho de uma casa muito amorosa; o que meus pais podiam prover, eles proviam. 

Eu morava numa casa com o quintal grande, junto com meus irmãos – uma irmã mais velha e um irmão mais novo – e meus primos sempre estavam por ali. Tinha terra, planta, bicho, tudo que você imaginar. 

E desde criança, a gente sempre inventou coisas. Por exemplo, se queríamos fazer um bolo, a gente cavava um buraco, jogava água, mexia e fazia o bolo [de barro]. Em cima da laje, meu irmão desenhava um circuito e a gente brincava com os carrinhos de corrida.  

Falo isso porque desde o início da minha vida essa questão sempre esteve presente: se eu não tenho, eu faço. 

De certa forma, o que me fascinou a ir para a LiveAd [foi] porque tinha um pouco disso – o trabalho era ouvir o problema do cliente e entregar a solução. 

Estamos falando de uma época quando muitas coisas não tinham nomenclatura; não tinha ferramenta ou metodologia, nem debate. 

Eu me lembro que na Wunderman, quando a gente tinha campanha, para colocar uma solução, muitas vezes eu usava alguma gambiarra de Excel ou de tecnologia. Ou “brifava” [passava o briefing para] o pessoal lá do Scoop & Co, para criar algum jeito de monitorar. Isso tudo era da minha cabeça

Quando eu já estava trabalhando como freelancer, ia muito aos clientes para ouvir o que eles precisavam e colaborava com o que era possível. Nesse período de um ano entre a Wunderman e a New Vegas, fiz meio de tudo. O cliente pedia tal coisa e eu dizia: “Beleza, eu sei fazer isso ou sei conectar quem sabe fazer isso”. 

Nunca estudei o mercado e pensei no modelo. Foi muito mais no sentido de oferecer um tipo de serviço, para o qual eu sabia que existia uma demanda, e que eu estava confortável de fazer. Eu gostava da ideia de nunca necessariamente ser um trabalho igual. 

De fato, a agência [New Vegas] nasceu por acidente. Não tinha nenhum plano estruturado. Havia, sim, uma vontade de ter um negócio, que vinha de anos. 

Hoje, em retrospecto, vejo que sempre tive muito problema com lideranças dos outros, eu nunca estava satisfeito de estar no lugar de liderado. Foram poucos os lugares em que realmente estive confortável

Quando eu estava trabalhando na LiveAD, juntamente com Edney Souza, Alexandre Inagaki e Gustavo Jreige fundamos uma agência, que depois de receber a chegada de outros sócios vindos de uma empresa de PR Corporativo, foi chamada de Pólvora! 

Só que logo nos primeiros meses da Pólvora, eu saí porque o Lucas Mello me perguntou o que eu queria fazer de verdade – continuar na LiveAd ou ter um negócio? 

Quando decidi chamar aquela tentativa [juntar três amigos, alugar um espaço e pegar um empréstimo para atender um job específico] de “agência”, eu já tinha ganhado dois prêmios em Cannes de Digital PR Strategist: um em 2009 por um trabalho que a gente fez na LiveAd; e em 2010 por um projeto que fiz com o pessoal da Boca Comunicação/DCS, lá de Porto Alegre. 

(Respectivamente: Cannes GOLD PR Lions 2009 – Best Use of the Internet, Digital Media and Social Media, por “Mil Casmurros”; e Cannes GOLD PR Lions 2010, por “Eu já sabia”, para Olympikus.)

O que eu tinha na época? Eu era reconhecido, demandado, tinha uma boa relação com algumas pessoas e, vez ou outra, havia clientes me chamando para projetos. 

A quantidade de profissionais de social media nessa época não era muito grande, daí eu resolvo batizar aquilo de agência: “A partir de agora, a gente tem uma agência aqui nessa casa – que era um apartamento residencial – e vamos chamar de New Vegas”

A agência começou inicialmente produzindo conteúdo. O cliente nos chamava e a gente dizia que ia fazer um plano de conteúdo – que nem se chamava assim, na época. Vez ou outra, nos “brifavam” e a gente ajudava a criar alguma ação. 

Começamos atendendo agências, na maior parte. Trabalhamos muito para DPZ, com quem ganhamos uma concorrência de Giraffas e ajudamos a criar uma solução para uma campanha que eles tinham. 

Mas a personalização ganha um contorno maior ainda nesse primeiro ano da agência quando o Bradesco nos convida para trabalhar com eles. 

É certo dizer que a New Vegas, desde que nasceu, não trabalha com BV (Bonificação por Volume)? Ou isso veio depois?
Quando as pessoas me perguntam como criei uma agência, digo que montar uma agência não é fácil, mas que eu era burro demais para ter medo (risada). Eu não tinha ideia do que era montar uma agência. Acho que o meu desejo era muito maior do que o meu senso de realidade.

Toda a minha ausência de repertório, provavelmente, foi a minha maior potência. É aquela história: sem saber quão impossível era, ele foi lá e fez

Quando a gente começou, éramos uma “agência de fundo de quintal”. Tirando a Wunderman, eu nunca tinha passado por uma agência grande, então falei: “A gente nunca vai ter BV, porque isso é um negócio de volume, é um tipo de discussão e de estrutura que eu nunca vou ter!”

Aí, como eu não ia ter BV mesmo, podia falar mal à vontade. Sei que o BV é uma coisa que as pessoas discutem, é sempre uma polêmica, está na linha tênue da moralidade… e a discussão continua existindo. 

Já que eu estava em uma posição de outsider, ocupei um lugar de questionar o status quo das agências. Isso seria a minha identidade

Então, comecei a falar que somos uma agência BV free porque a gente não vai ter BV. Nunca foi uma escolha, foi uma impossibilidade. Hoje, acho que faz muito sentido ser BV free.

E outras coisas surgiram nesse sentido… por exemplo, naturalmente, a agência sempre teve mais mulheres do que homens. Ou ainda…

Logo no começo, criei no Facebook um grupo chamado ENTUSIASTAS da Social Media, que existe até hoje e deve ter cerca de 40 mil membros. Mas começou super pequenininho com a ideia de ajudar pessoas que trabalham com social media no Brasil, trocar experiências. Isso foi lindo. 

Lembro que colegas me aconselhavam não deixar passar de mil pessoas e eu dizia que não. Tinha de ter o máximo de gente, porque esse negócio precisava crescer.

Nessa época, eu já fazia anúncio de vaga na agência e não pedia diploma de curso superior. Primeiro, pelo fato de que nunca tive curso superior — e ter sofrido por isso. Não seria eu o babaca que faria o mesmo com as outras pessoas! E, segundo, porque eu realmente acho que não precisa

Eu até tinha umas frases mais polêmicas, do tipo: “Cara, é melhor tu ter visto todos os filmes de Star Wars do que ter ido para a faculdade de propaganda. Se você viu, vai ser mais qualificado para trabalhar aqui na agência!”

Sempre estivemos nesse lugar de subverter algumas coisas, mas tudo do ponto de vista naturalizado. Hoje, tenho um entendimento obviamente muito mais profundo. Gosto de falar que eu tinha “cota para gente branca”. 

Aquela foi uma época bem despolitizada e, mesmo assim, já tínhamos esse discurso político – ter mais mulheres do que homens; conseguir um ambiente minimamente saudável para ninguém virar a noite trabalhando; não trabalhar até tarde, nem no final de semana

Várias das coisas que hoje a gente faz como statement já tinham surgido lá atrás quase que naturalmente… e eu me orgulho disso. Não é que teve um grande plano e a gente fez. Foram emergindo a partir das pessoas que estavam inseridas naquele lugar.

Essas coisas criaram a identidade da agência e fizeram com que estivéssemos sempre abertos às possibilidades. Então, naturalmente o nosso trabalho sempre foi ouvir o cliente, entender o que ele precisa e entregar uma solução

Nunca tentei encaixar a minha entrega para o cliente em algo “porque iria ganhar BV”… Nunca fiz algo em comunicação “porque iria compensar uma estrutura que eu tenho”.

Isso parece dificultar a precificação em um mercado acostumado ou a pagar um fee mensal, ou pagar BV… Houve algum estranhamento ou dificuldade de aceitação, devido à opção por cobrar por projeto (a depender da solução a que vocês chegam)?
Sim, e continua até hoje com dificuldade. O nosso mercado é pouco maduro com relação a esse tipo de coisa. O que você tem até hoje são clientes acostumados a comprar de agências dentro dessa lógica do BV. 

A gente trabalha sempre para tentar educar os departamentos de compras nesse sentido e também começar a entender que tem um limite, né? “Dentro disso, eu não tenho como fazer o trabalho.”

Dia desses, eu estava no debate da Associação Brasileira de Anunciantes – ABA e alguém comentou sobre qual era o melhor modelo de precificação: custo por projeto; fee; success fee?

Eu disse: “Galera, não é essa a discussão. Quando a gente discute nesse lugar, só satisfaz os nossos próprios egos. Espera aí… o melhor é o modelo que satisfaz a necessidade do cliente!”

Esse cliente é o mesmo que fala para mim assim: “Olha, eu quero na sua agência uma pessoa que entenda muito da minha conta; uma pessoa que esteja dedicada à minha conta; uma pessoa que esteja estudando o mundo”

Por mim, beleza, mas essa pessoa custa tanto em regime CLT… porque a gente também está discutindo esse tipo de coisa. 

Há várias discussões na publicidade sobre condições de trabalho, sobre virar a noite, sobre contrato PJ… e os clientes, os anunciantes, são solidários nessa discussão. É impossível discutir sobre ser uma empresa de serviço sem os contratantes!

Então, qual é o melhor modelo? É o que suporta esse tipo de necessidade. Se o success fee inviabiliza o teu trabalho, eu tenho que te falar que não vai rolar

Ou seja, você não tem que ser primeiro um modelo. Primeiro tem a necessidade, depois vem o modelo.

Sua atuação nas redes sociais, no campo do ativismo e da política – como o apoio à candidatura de Erika Hilton em 2020 para vereadora de São Paulo – incomoda seus clientes ou causa algum atrito de relacionamento? Como você supera essas barreiras?
Mais do que uma solução customizada, eu vendo uma abordagem autêntica para o meu cliente. Ele me contrata, entre outras coisas, para eu trazer questionamentos sobre o próprio trabalho dele e a forma de ele ver o mundo… que pode estar atrapalhando na busca do negócio.

Hoje, vejo que muitos dos problemas que as companhias têm não estão no exterior, mas sim na forma como a pessoa se relaciona com o mundo, como ela pensa o consumidor, como traz informações e as processa…

O mercado de marketing, por mais que tenha se voltado para o futuro, ainda usa a mesma lógica e frameworks da mídia offline. 

Ainda se pensa em impactar consumidor e comportamento de consumidor como se fazia trinta anos atrás… Só que a gente está vivendo uma época completamente diferente

Então, o meu trabalho sempre vai para esse lugar de trazer a complexidade inerente ao que a gente vive, para conseguirmos enxergar de fato qual é o problema. 

Muitas vezes, meu trabalho começa por ajudar meu cliente a entender o problema que ele tem, e nem sempre é o problema que ele acredita ter. O meu valor está nisso. 

Quando a gente fala da política, por décadas o mercado publicitário esteve no lugar da alienação política. Tipo: vender essa coisa engraçadinha da vida tranquila, sem assumir as responsabilidades do mundo – bem típica da masculinidade. Só que o mundo continua acontecendo

Na época pós-social media, o que se tem são vozes cada vez mais presentes, contundentes e influentes em organizações políticas ou no cotidiano… quando se pensa na relação de consumidoras com cabelo, é outra coisa de 20 atrás.

Ou seja, a política sempre existiu, mas está cada vez mais evidente e intrincada com a nossa realidade. Então, é impossível falar de comunicação sem falar de política. 

Para mim, falar de política é menos sobre política partidária e muito mais uma questão de valores e relações. Ela é a gente decidir: o que é importante para nós como sociedade brasileira; qual o contexto em que ela está; qual é o nosso compromisso como cidadãos comuns, como empresários, entendendo como é a cultura; e qual é o exemplo, os passos que temos de dar para que a gente tenha o Brasil que a gente quer. 

Por mais que esteja tudo meio rachado, as pessoas querem mais ou menos a mesma coisa. Querem poder consumir, ter acesso a educação, saúde, querem prosperidade e possibilidades. Para isso é necessário a gente estar mais envolvido politicamente

Quando falamos de publicidade, que é inclinada às pautas progressistas – não necessariamente de esquerda, mas sim pautas humanitárias, de igualdade –, a gente vai ter que assumir um posicionamento.

Daí eu me vejo como um homem negro que tem uma atuação interligada com todas as outras pautas – feministas, indígenas, trans, porque todas elas têm uma mesma fonte de opressão. 

É a mesma lógica que faz a gente trabalhar até mais tarde e precarizar todas as coisas. E como é que a gente acaba com essa lógica? Para mim, está nesse trabalho de puxar esse tipo de coisa. 

Comecei a perceber que as pessoas não falam sobre política na publicidade por duas coisas: primeiro, tem um analfabetismo político geral das pessoas; e segundo, é conveniente.

E disse a mim mesmo que vou puxar, esticar a corda até onde der. Alguém tem que fazer isso. Não sou eu que tenho de estar constrangido, porque estou trabalhando por uma pauta que é massa para todo mundo, e eu tenho que dar o exemplo! 

Eu vou ganhar menos contratos por causa disso? Vou.

Vai ter muita gente me olhando feio? Vai. 

Eu vou deixar de ser convidado para um monte de lugar? Vou, mas faz parte.

A minha escolha é muito consciente, inclusive dos riscos.

Você disse que o mercado de publicidade gosta de estar na vanguarda… De fora, a minha impressão é que os times em agências de publicidade e RP se acham muito “modernos” e “diversos”, mas a comunicação que produzem nem sempre é inclusiva… Como lidar com departamentos de marketing que falam em diversidade e continuam puxando o freio de mão?
A primeira coisa é: a New Vegas não é uma agência ativista. Ela não é uma agência política. Não é uma agência de diversidade. Ela é uma agência, ponto. 

Tento fazer um trabalho para o que chamo de “pessoas racializadas” – aquelas que não são brancas, heterossexuais e ricas. Ou seja, o oposto de homens brancos heterossexuais e ricos. 

Porque é esse grupo que produziu a estrutura, a partir do colonialismo e do sistema patriarcal, e usa a lógica de racialização – tudo que não sou “eu”, é inferior. E tudo que é inferior eu posso tratar como objeto transacional e de exploração. Isso vale para mulheres, pessoas trans, pessoas pretas, animais. 

Precisamos destruir essa lógica, não as pessoas! Não é nada contra os homens, que são super bem-vindos… mas essa lógica é ruim para todo mundo

Naturalmente, sempre estive nesse lugar de “normalidade”. Sempre vou a festivais de música de brancos, a maioria das minhas referências são de pessoas brancas – isso é uma coisa interessantíssima –, eu tenho muitos amigos brancos.

Quando trabalho com um cliente, não o forço a nada. Por mais que meu cliente possa ser pouco letrado do ponto de vista de racialização, ainda assim ele ocupa um lugar autêntico. Ele é quem ele é… e está tudo certo. Ele tem que ser acolhido e não questionado o tempo todo. 

Na verdade, o meu desafio é criar o ambiente em que esse “novo lugar” vai sendo quase naturalizado, e não imposto

As brigas que eu compro com meus clientes são sobre o jeito de ele ver o público consumidor, o que não necessariamente está ligado a pautas raciais, sabe? São mais tentativas de abrir [a cabeça de] meu cliente para ele sofisticar a forma como enxerga e se relaciona com as pessoas.

Costumo dizer que é muito menos sobre o que você está falando que a sua marca é, e muito mais sobre você observar como a sua marca se manifesta a partir da relação dela com as pessoas.

Se o consumidor diz que o teu produto é uma porcaria por causa disso e daquilo, você tem de abraçar isso, porque essa é uma relação legítima

Então, como a gente vive, atua e trabalha num universo em que o teu produto não é mais só aquilo que o teu comercial diz e martela para as pessoas, mas ele é tudo que emerge da relação dele com as pessoas com quem ele conversa? Esse é o grande desafio que a gente tem. 

Se vai aparecer pessoas pretas ou brancas no filme… cara, isso vai ter que fazer, mas, na boa, não acho que resolve a questão! 

Se você me perguntar se eu prefiro que todas as marcas sejam diversas OU que a gente aumente em 50% a presença de mulheres e pessoas pretas e trans no Congresso, vou te responder: “Pode ficar com os brancos nos comerciais, porque tenho o meu foco de diversidade onde realmente se muda o jogo – que é na política pública”. 

Só colocar as pessoas [diversas] nos comerciais muda pouco. Isso satisfaz muito mais o ego do publicitário – cada um com a sua pilha –, mas impacta menos a população… Desafio as pessoas a trazerem estatísticas que provem que estou errado

Em resumo, eu não forço o meu cliente. Porque essa pauta vai aparecer dentro do repertório total de como a gente pode ver o mundo de uma forma mais interessante, mais complexa — mas nunca [através] da imposição ou da fala reducionista, simplista.

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