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A legislação para a cannabis medicinal avança a passos lentos no Brasil. No entanto, decisões recentes ajudam a aquecer um mercado que, só em 2025, atingiu 971 milhões de reais no país, segundo a consultoria Kaya Mind — um aumento de 8,4% em relação ao ano passado.
Entre os principais passos estão a liberação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) do cultivo por empresas, em 2024, e a descriminalização do porte da maconha para consumo pessoal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no início deste ano. Ainda não liberado legalmente, o plantio doméstico vem sendo autorizado para algumas pessoas com um habeas corpus preventivo.
O engenheiro de produção carioca Cadu Brandão, 28, empreende no ramo há pelo menos seis anos. À frente da Cultlight, ele vende desde painéis de iluminação até cursos que ensinam a forma ideal de cultivar a planta em casa.
O tema foi um dos focos da ExpoCannabis Brasil, ocorrida entre 14 e 16 de novembro, no São Paulo Expo, na Zona Sul da capital paulista. Cadu, claro, estava lá. Porém, a presença no principal evento da cultura da planta na América Latina não é a maior vitrine de seu trabalho.
Com mais de 76 mil inscritos, o canal da Cultlight no YouTube traz lives e vídeos que apresentam dicas de cultivo e análises sobre a cultura da cannabis — alguns deles com centenas de milhares de visualizações.
O interesse de Cadu pela cannabis se intensificou na faculdade, e por conta de problemas de saúde.
No segundo ano de engenharia de produção na Universidade Federal Fluminense (UFF), o estudante começou a sofrer com o estresse e a ansiedade, o que levou a um quadro de alopecia. “Eu tinha uns 20 anos e já estava ficando calvo de estresse…”
Após uma experiência frustrada com remédios tarja preta, ele resolveu recorrer a outra opção:
“Nessa época, eu já era muito mente aberta para maconha, consumia de maneira recreativa umas duas vezes por mês… Comecei a estudar e vi que ela poderia ajudar a tratar a minha ansiedade. Até então eu nem sabia desse lado medicinal da cannabis”
Uma médica prescreveu o tratamento com óleo de CBD, que Cadu importou do exterior pela primeira vez em 2018. Porém, o alto custo (ele chegou a gastar 1 500 reais por mês com óleo) era um impeditivo.
A Anvisa só viria a aprovar a venda em farmácias no fim de 2019. Foi quando ele decidiu cultivar por conta própria — prática que, na época, ainda não tinha proteção legal no Brasil.
A semente da ideia para empreender a Cultlight brotou, portanto, das dificuldades que Cadu encontrou naquele período:
“Queria comprar equipamento e não tinha. Tive que aprender tudo com os gringos, e o que eles usavam de semente, fertilizante, você não achava nada aqui…”
Devido ao calor do Rio de Janeiro, a iluminação representava um desafio extra ao cultivo: a cannabis demanda muita luz, mas sofre com temperaturas altas.
Baseado no que era usado lá fora, Cadu desenvolveu seu próprio equipamento LED COB, que reúne vários chips de LED num único ponto. Depois, montou outra peça mais avançada, para gerar menos calor e economizar energia. Nenhum desses dispositivos estava disponível no país.
Como a prática seguia ilegal, ele criou um perfil anônimo no Instagram, que usou para compartilhar conhecimento com outros interessados.
“Era bem diferente de hoje, a gente era bem mais noiado [por receio de problemas com a Justiça]… Então, peguei um celular e criei um Instagram só para isso”
Com 14 mil seguidores, Cadu teve a certeza de que havia uma enorme demanda reprimida. Além de informação, seu público procurava equipamentos de iluminação como os que ele desenvolvera para si. Começou então a montar e vender alguns modelos.
“Quando percebi que dava para trabalhar com isso, passei a ter várias ideias de negócios.”
A Cultlight nasceu com o nome de Carioca Tech LEDs, com Cadu como único sócio e funcionário. Num único dia, ele vendeu online as duas peças de LED que tinha, totalizando 4 mil reais.
O resultado rápido o convenceu a propor sociedade para o irmão mais novo, Carlos Gabriel Brandão, e outro colega que também plantava em casa, Pedro Helmold.
Com a entrada dos novos sócios, a empresa foi rebatizada como Cultlight em 2019, com um capital de 25 mil reais angariado das economias do trio.
Nos primeiros meses, além de criar o site e as redes sociais da marca, eles pensaram a estratégia de vendas e produção. Da proposta inicial de vender múltiplos produtos, acabaram concordando em comercializar, naquele momento, apenas apetrechos de iluminação. “Facilitou focar em um problema só”, diz Cadu.
Durante os primeiros anos, ninguém recebia salário: todo o dinheiro que entrava era reinvestido como capital de giro. Na época, as restrições ao consumo e ao cultivo no Brasil obrigaram os sócios a tomar precauções:
“A gente sempre teve medo de mostrar o rosto, porque o cultivo ainda era pesadamente criminalizado e eu não tinha habeas corpus, então não tinha autorização para cultivar”
O fato de não poder mostrar a cara nas redes tornava mais difícil construir uma conexão com o público; por outro lado, Cadu abandonou seu perfil anônimo no Instagram, passando a focar toda a comunicação na Cultlight.
Em 2021, o irmão, Gabriel, que cursava medicina, precisou reduzir sua presença no dia a dia da empresa em prol dos estudos, mas permaneceu na sociedade. Como Pedro tampouco podia se dedicar 100%, Cadu assumiu o negócio como seu projeto de vida, mantendo a faculdade em paralelo.
Naquele ano, saiu finalmente seu habeas corpus preventivo, o que lhe deu mais liberdade para tocar a empresa. Foi só nesse momento que Cadu contou sobre a Cultlight para o resto da família.
Ele abriu novos perfis pessoais nas redes, agora com seu rosto estampado, e lançou o YouTube da marca. Mas o tema espinhoso fazia com que a plataforma derrubasse o canal constantemente.
A proposta só deslanchou em 2023, quando os vídeos se expandiram para tratar de dicas técnicas e comentar a cultura canábica no Brasil.
Na faculdade, Cadu direcionou seu interesse para o tema: na hora de concluir o curso de engenharia de produção, resolveu desenvolver seu TCC enfocando a eficácia da cannabis no tratamento de pessoas com autismo.
Em 2025, ele concluiu o mestrado com um trabalho voltado às normas para o cultivo indoor da cannabis medicinal. Além disso, Cadu é o fundador do grupo de pesquisa RESPECT na UFF, sobre a engenharia de produção da planta.
Ele extrapola essa pegada educadora para a Cultlight, seja por meio de um blog, seja na forma de um ebook sobre cultivo doméstico de cannabis que já registra mais de 250 mil downloads gratuitos. A empresa também oferece dois cursos online, de cultivo mineral e orgânico (cada um custa R$ 674,90).
“A gente educa o cliente e minimiza o tempo de atendimento. É uma estratégia de aproximá-lo, porque mostra que somos confiáveis. O cliente aprende tanta coisa que sente vontade de comprar com a gente”
Segundo Cadu, no começo as pessoas se sentiam inseguras porque havia pouquíssimo conteúdo sobre o assunto, além de todo o tabu em torno do tema.
Um diferencial da Cultlight, ainda de acordo com o empreendedor, são as adaptações que a marca oferece para iluminar o cultivo da planta. Coisas como um dissipador mais grosso e com uma tinta especial, que permite arrefecer o calor de forma mais eficiente, chips mais potentes e cabos à prova d’água.
“Nosso objetivo é o cara plantar com qualidade por cinco anos”, afirma. “Então, damos garantia [sobre os produtos] de pelo menos três ou quatro anos.”
A equipe da Cultlight tem 12 pessoas, incluindo gente de logística, finanças, marketing e criação de conteúdo, a maioria em home office, mas com uma base no Rio.
A empresa prioriza produtos de alto valor, mas também vende estufas, fertilizantes e outros acessórios para o cultivo, como óculos de proteção e sacos de armazenamento.
“A iluminação segue sendo o carro-chefe e o produto em que a gente mais consegue inovar. Ele dá resultado financeiro, porque um painel pode custar até 5 ou 6 mil reais. Então investimos muito na qualidade para não dar problema”
A Cultlight atende cerca de 15 pedidos por dia e entrega para todo o Brasil. Em alguns casos, vende kits personalizados para o ambiente e os objetivos de cada cliente, com estufa, iluminação, temporizador, exaustor etc. O preço dos kits varia de 1,5 mil a 6,5 mil reais.
“Como a cannabis medicinal é muito cara [para o consumidor final], com uma colheita você já pagou o kit.”
Cadu conta que as vendas e o interesse têm aumentado ano a ano, a partir de um pico durante a pandemia. Prova disso é ter fechado recentemente oito turmas do curso digital, quase todas com a lotação máxima de 50 alunos.
“A gente sente que tem cada vez mais pessoas interessadas, porque as últimas decisões [da Justiça brasileira] são bastante favoráveis para o cultivo”
Hoje, a Cultlight mantém um grupo no Telegram e um fórum voltados ao cultivo de cannabis, com milhares de membros ativos. O próximo passo, diz, é criar uma plataforma específica para essas comunidades.
O plano é tornar a Cultlight um grande e-commerce, passando a investir também em produtos acessíveis, mas de qualidade.
Se no começo “tudo era mato”, Cadu já vê outros empreendedores ocupando espaços no mercado — inclusive no segmento de iluminação, o que considera positivo para os negócios.
Sua visão sobre o andamento da agenda canábica no país é menos otimista. A Anvisa tem até março de 2026 para regulamentar o cultivo da cannabis medicinal, mas Cadu critica o moralismo e as pautas religiosas na política, que segundo ele acabam obrigando quem precisa desses medicamentos a importar produtos caros e com químicos adicionados.
“A gente perde muita saúde, perde tempo, geração de riqueza, de emprego… O Brasil tem todos os pontos positivos para fazer essa indústria florescer. Mas, no Congresso, são várias bancadas demonizando sem nem olhar para os dados”
Iluminar esse debate faz parte da missão da Cultlight. E lembrando que descriminalizar é bem diferente de legalizar, Cadu reforça a importância do cuidado ao levar informação sobre cannabis ao público final:
“Nunca falamos de consumo [recreativo], não tem um vídeo meu fumando em lugar nenhum… Se você produz, o que você faz é sua responsabilidade.”
A informação é o melhor antídoto contra o tabu. Filipe Vilicic e Anita Krepp comandam a Breeza, uma revista online sobre cannabis e psicodélicos que entrevista artistas como Gilberto Gil e Ney Matogrosso e vem pautando a mídia mainstream.
Usada no tratamento de doenças crônicas, a cannabis medicinal pode ser uma aliada contra problemas mais cotidianos. Saiba como a Humora quer multiplicar o potencial do canabidiol e ganhar o mercado brasileiro com uma solução de bem-estar.
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