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Inverter a fuga de talentos do Sul e, de quebra, catalisar um upgrade urbano em Porto Alegre: a dupla missão do Instituto Caldeira

Paulo Vieira - 3 dez 2025 Pedro Valério, CEO do Instituto Caldeira (foto: Instituto Caldeira/Divulgação).
Pedro Valério, CEO do Instituto Caldeira (foto: Instituto Caldeira/Divulgação).
Paulo Vieira - 3 dez 2025
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Eles não são muitos pelo Brasil, mas dá para dizer que nunca houve – e quem sabe jamais haverá – um hub de inovação no país como o Instituto Caldeira, de Porto Alegre.

Criado em 2019 e inaugurado dois anos depois, em plena pandemia, o Caldeira impressiona pelo tamanho: um galpão de 22 mil m², antes pertencente às Lojas Renner, todo dividido por salas e locais de encontro modernos, escritórios, ágoras com arquibancadas, postos de serviços públicos, cafés, auditórios e outros espaços que podem ser reconfigurados para eventos mais ou menos populosos.

Essa área, equivalente a todo o espaço disponível nos 13 andares do edifício que abriga o Cubo, o famoso hub de inovação paulistano ligado ao Itaú, é só o começo. Defronte, um outro galpão, este ex-sede da fábrica de tecidos Guahyba, injetou outros 33 mil m² no complexo, dois terços disso área construída a ser customizada. Como gosta de dizer Pedro Valério, CEO do Instituto, de hub, o Caldeira tornou-se “distrito de inovação”.

A palavra “distrito” não é casual. O Caldeira está no chamado 4º Distrito de Porto Alegre, entre o aeroporto Salgado Filho e o Jacuí, um dos rios que formam o lago Guaíba. A região vive um renascimento, com lançamentos imobiliários, cervejarias artesanais, galerias e gastropubs ocupando os espaços fabris de outrora. O distrito foi um dos que mais sofreu com as inundações do ano passado. O Caldeira, assim como o aeroporto, ficou sob as águas.

O Instituto Caldeira ocupa galpões que pertenceram à Renner e a uma antiga fábrica de tecidos (foto: Instituto Caldeira/Divulgação).

O hub ocupa galpões que pertenceram à Renner e a uma antiga fábrica de tecidos (foto: Instituto Caldeira/Divulgação).

Se em São Paulo o Cubo submerge na monotonia visual do bairro em que está, a Vila Olímpia, em Porto Alegre o Caldeira se destaca no 4º Distrito, impactando a região com o fluxo de pessoas que para lá vão trabalhar, aprender ou fazer networking. Pode parecer pretensioso, mas alguns hubs de inovação carregam consigo também a intenção de transformar suas cidades, ou parte delas, agindo como indutores ou catalisadores de requalificação urbana. Exemplo modelar é o Ruta N, de Medellín, surgido no bojo de um grande esforço público para reduzir os índices de violência da metrópole colombiana. Para Valério:

“Se viermos aqui todo dia trabalhar, e entregar valor para quem orbita nosso ecossistema, a gente vai ter uma transformação urbana, social e econômica no 4º Distrito. Eu acho que essa é a grande missão a que os fundadores do Instituto se propuseram no início da jornada”

Orbitam esse ecossistema 700 startups; no espaço físico do Caldeira estão ainda 120 laboratórios ou postos avançados de empresas de tamanhos diversos. O projeto é privado, ainda que órgãos públicos mantenham espaços lá. O que deu luz ao Caldeira foi a junção de mais de 40 empresas gaúchas (incluindo Renner, Grendene, Grupo RBS e Banrisul, entre outras), cujos líderes buscavam reverter a contínua fuga de talentos do Sul, consequência da gradual perda de relevância econômica do Rio Grande, detentor da pior taxa média de crescimento econômico entre os três estados da região Sul neste século.

Promovendo contato com investidores e levando inovação – seja em eventos como a intensíssima Semana Caldeira, a que este repórter compareceu no fim de setembro, a convite do organizador, seja em viagens de capacitação –, o Caldeira pretende manter no Rio Grande do Sul a mão de obra que Valério chama de “muito diferenciada”:

“Eu conheço China e Israel, só para citar dois lugares pujantes, e o nível de capital humano que a gente tem aqui no Rio Grande do Sul é absurdo, é muito diferenciado”

Criar possibilidades de conexão é a função primordial e raison d’etre de um hub – daí, aliás, o nome. E isso está presente de alguma forma também no slogan do Caldeira, que brinca com a sigla SaaS, de “software as a service”, expressão em inglês que talvez descreva os fundamentos da nova economia digital, uma vez que transfere à nuvem (e ao smartphone) a primazia do que antes era físico; o Caldeira se diz “serendipity as a service”, e o “acaso”, ou melhor, o “submeter-se ao acaso”, tradução possível para “serendipity”, entra aí um tanto contraditoriamente, já que ninguém está ali por estar. Melhor pensar, como diz Valério, num “lugar de potência de encontros que acontecem ao acaso”.

Valério faz uma distinção entre esse lugar do “serendipity” e o coworking, uma vez que só no primeiro é possível “cruzar com o governador [do Rio Grande do Sul] e com a vice-prefeita de Nova York”, entre outros, além, é claro, de ter acesso a programas de inovação e aceleração, a ciclos de capacitação e a conteúdos distribuídos de maneira organizada.

“O hub físico é um centro gravitacional, forja comunidade. Temos a ambição de ser um hub global localizado em Porto Alegre. Todo gringo que vem a Porto Alegre vem aqui. Brinco que a gente tinha um KPI no início, que era o índice de quantas vezes ouvíamos no Caldeira inglês, alemão, japonês, chinês”

Uma das primeiras startups a se forjar no Caldeira, onde ainda mantém escritório – além de estar também na Finlândia, em Hong Kong, em Houston e em Boston (EUA) e no Cubo, em São Paulo –, é a Pix Force, que faz, por meio de drones e IA, inspeção visual de imagens e vídeos, seja para vigilância, seja para extração de dados a partir de uma quantidade incomensurável de documentos.

Cofundador e presidente da Pix Force, o mineiro Renato Gomes falou ao Draft sobre o Caldeira:

“De início, há o espaço físico, muito bem planejado, agradável, seguro para trabalhar. Conhecemos investidores que estavam ou que passavam por ali, um grande ganho. Uma diferença em relação a outros hubs brasileiros é que o Caldeira é desproporcionalmente grande em relação ao ecossistema local. Pessoas do Brasil inteiro quando vão a Porto Alegre fazem questão de passar pelo Caldeira, é um local de congregação”

Promover conexão, acelerar e fortalecer empresas sempre foram as grandes missões, e os idealizadores do Caldeira não pensavam, no início, em atacar outra “vertical”, a de educação. Mas logo ficou claro que a distância que separa o ensino tradicional das novas exigências do mercado de trabalho era um “issue”, e os homens do 4º Distrito decidiram se mexer, levando programas de capacitação a jovens recém-saídos do ensino médio, projeto que chamam de “Geração Caldeira”.

Em publicação recente na Folha de S.Paulo, Felipe Amaral, diretor do Campus Caldeira, e a ex-secretária de Cultura do Estado de São Paulo Cláudia Costin explicam que o programa oferecido pelo Instituto, que já impactou 50 mil jovens de escolas públicas, grande parte delas do Rio Grande do Sul, visa oferecer “atributos essenciais” para que esses futuros profissionais naveguem num mercado de trabalho de “contexto incerto e em constante transformação”.

Tais atributos são “conhecimento técnico, pensamento criativo e habilidades socioemocionais bem desenvolvidas”. Para Valério:

“Foi a educação que fez o Vale do Silício e Israel virarem o que são. Entendemos que a nossa contribuição seria pegar o moleque nesse hiato em que ele está para sair do ensino médio e ainda não sabe o que vai fazer, ou até sabe, mas não tem a oportunidade adequada, e oferecer ferramentas que vão possibilitá-lo manejar aquilo que será decisivo daqui a cinco ou dez anos”

Sem citar explicitamente o projeto educacional, mas o papel social e a “enorme contribuição” para o Rio Grande do Sul do Instituto Caldeira e seu “ecossistema vibrante”, o governador gaúcho, Eduardo Leite, outro destaque da Semana Caldeira, disse com exclusividade ao Draft:

“É muito interessante que a gente tenha dentro da iniciativa privada uma associação de empreendedores de diversos ramos que entendem o seu papel não apenas de responsabilidade para com seus negócios, mas também para com a sociedade, e assim ajudam a formar o capital humano, as pessoas daqui”

A Semana Caldeira de 2025 levou ao 4º Distrito além do governador Eduardo Leite gente como o empresário Guilherme Benchimol (XP), o investidor e escritor Brad Feld, o ex-jogador de futebol e lifehacker Tinga, o filósofo Francisco Bosco, os pioneiros da internet brasileira Marcelo Lacerda e Alex Szapiro e a escritora Tati Bernardi, entre outros. O mote deste ano, “o maior risco é não tomar risco”, juntou um dos imperativos da nova economia – tomar risco – e aquilo que, para Valério, é uma marca de distinção do empresariado gaúcho, a propensão ao risco, ou ao menos, a propensão à iniciativa, fruto talvez da tradição cooperativista trazida pelos imigrantes europeus.

Palestra da escritora Tati Bernardi durante a Semana Caldeira (foto: Instituto Caldeira/Divulgação).

Palestra da escritora Tati Bernardi durante a Semana Caldeira 2025 (foto: Instituto Caldeira/Divulgação).

Com efeito, uma das empresas fundadoras do Caldeira, a Vulcabras, detentora da Olympikus, segue o lema da Semana, pode-se dizer, avant la lettre. Há cerca de seis anos, a empresa arriscou promover uma mudança radical de foco e estratégia, buscando um reposicionamento da marca Olympikus, antes percebida como de pouca qualidade. A ideia era tornar a marca não apenas “smart choice”, por conta de seu preço, mas objeto de desejo, fazendo-a disputar espaço no imaginário do consumidor com titãs top of mind como Nike, Adidas e Asics.

Antes da pandemia, a Olympikus lançou a primeira edição de seu tênis de corrida Corre. Já em sua quinta versão, o produto é hoje quase razão exclusiva de ser de toda a Vulcabras, matriz de diversos spin-offs e alavanca do crescimento contínuo da companhia. E o Caldeira também teve seu quinhão nessa mudança de shift: local de pelo menos dez “sprints” de criação anuais da Vulcabras, o Instituto é, como define Márcio Callage, CMO da fabricante, “polo de energia pulsante e símbolo e referência de inovação do Rio Grande do Sul”.

Inovação, como se depreende, não significa necessariamente domínio de um novo conhecimento técnico, mas, muitas vezes, a descoberta de caminhos para “pensar diferente”. Segundo Callage: “A presença da Vulcabras aqui proporciona um espaço para pensar diferente, para trazer oxigênio à equipe e conexão com a comunidade de inovação”.

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