Malu Weber, essa metamorfose ambulante: “A pessoa que eu sou hoje na Bayer é totalmente diferente da que fui na J&J ou na Votorantim”

Marina Audi - 17 nov 2022
Malu Weber, diretora executiva de comunicação corporativa da Bayer (foto: Reinaldo Canato/BAYER).
Marina Audi - 17 nov 2022
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Malu Weber, 53, é a única brasileira que integra o Conselho de Comunicação Global da Bayer. Sua missão é trabalhar a voz da marca com coerência e consistência, sem deixar de lado os sotaques, ou as características particulares, de cada unidade de negócio.

Em bom “comuniquês”, isso significa trabalhar a narrativa global e perceber os truth points locais, que legitimam o global. Um exemplo é o resgate do posicionamento regional histórico: “Se é Bayer, é bom”. Ao qual foi acrescentado: “Você e Bayer: é bom”.

A gigante alemã que atua em três grandes frentes – consumer health (produtos para cuidados de saúde no dia a dia), pharma (medicamentos que necessitam de prescrição médica) e Crop Science (produtos para o agronegócio) – trouxe a executiva para seu quadro de funcionários em agosto de 2020.

Antes de ocupar a cadeira de Diretora Executiva de Comunicação Corporativa no Grupo Bayer, a curitibana Malu caminhou por uma trajetória nada óbvia. Fez faculdade de dança, profissionalizou-se, deu aulas e até ganhou prêmio de coreógrafa. 

Depois de casada, terminou de cursar a faculdade de jornalismo e iniciou a carreira de repórter, interrompida em 1999 por um executivo sueco que a levou para trabalhar na comunicação corporativa de uma telecom.

De lá, Malu voou alto. Passou pelo Grupo Votorantim, onde ajudou a estruturar a comunicação da holding e, depois, a internacionalização da Votorantim Cimentos. 

Foi a passagem pela Johnson & Johnson, na área de medical devices, que a apresentou para o mundo da saúde, no qual também está inserida hoje (em um mercado diferente, é verdade). 

Esse circuito variado e cheio de desafios casa bem com o perfil de Malu, que começou a surfar aos 42 anos, sentindo-se desafiada pelo filho. 

Nos negócios, o mantra que ela gosta de repetir revela uma habilidade empática: “É preciso balancear o que a companhia quer falar com o que o público quer ouvir”.

Leia a seguir a conversa entre Malu Weber e o Draft.

 

Você costuma usar muitas analogias esportivas em seu dia a dia profissional. Sei que no futebol você é uma torcedora fanática do Athletico Paranaense… Mas como é a sua relação com esportes, na prática?
Sempre fui movida a esporte, seja como torcedora na arquibancada ou como praticante. Quando eu tinha 4 anos, minha mãe me colocou no balé e meu pai, no tênis. Comecei a ir muito bem nos dois – participava de campeonatos de tênis e de festivais de dança.

Aí chegou uma hora que tive de fazer uma escolha. Até hoje, meu pai não se conforma de eu ter optado pelo balé. Acabei fazendo faculdade de dança, antes de ser jornalista; fui bailarina profissional, foi muito bacana… mas meu pai diz que o país perdeu uma excelente tenista 

Comecei no balé clássico, mas como profissional fui para o balé moderno. Brinco que em todos os grandes balés em que dancei – Lago dos Cisnes, O Quebra-Nozes –, eu nunca fui a bailarina mocinha, porque sempre fui muito grande – eu brinco que “já nasci G” – e o meu forte eram os grandes saltos, as piruetas. Então, eu era o mágico, o bruxo…

Quando me casei, aos 21 anos, a gente foi morar em Bebedouro, no interior de São Paulo, por causa do trabalho do meu marido. Comecei a dar aula de dança, participar de festivais e cheguei a ganhar prêmio como coreógrafa. Saí de lá sete anos depois, com mais de 300 alunos…

Aos 42, comecei o surfe. Meu filho sempre foi surfista. A gente tem uma casa na praia em Ibiraquera-SC e ele nasceu praticamente na água. 

Um dia, ele tinha 9 anos, fui levá-lo a uma aula de surfe… foi uma época em que eu estava triste, angustiada e disse que um dia faria uma aula de surfe com ele. Meu filho virou para mim e disse: “Mãe, nem pensar. Você não tem mais idade, é muito difícil, você não vai caber na roupa”

Aquilo ficou entalado. No outro dia, às 8 da manhã lá estava eu na minha primeira aulinha de surfe com uma coleguinha de 8 anos de idade (risada)… e foi muito difícil. Um ano depois, a gente estava surfando juntos em Jeffreys Bay, na África do Sul. 

Tudo que sempre falei para ele sobre resiliência, cair e levantar, determinação, não desistir, ter foco…, a gente aprendeu juntos. Foi um momento lindo de convergência de valores entre mãe e filho

Em agosto do ano passado, ele me desafiou a correr meus primeiros 10 quilômetros. E em março deste ano, a gente realizou isso. 

E sou muito apaixonada por futebol. Na minha época de jornalista, de trabalhar em TV, faltou um lado de comentarista esportivo. Meu filho diz que eu não entendo muito, mas adoro futebol.

Chama a atenção você dizer que seu filho te desafiou a surfar e a correr, e como isso te levou a superar a sua própria resistência. Você acha que viveu isso em sua carreira também?
Era sempre um gancho que me pegava. Recebi alguns convites durante a minha carreira e quando a posição ofertada não me trazia um frio na barriga, não me interessava. 

Eu sempre me perguntava: o que teria para transformar? Qual seria o meu desafio? Com o que eu vou contribuir? Qual é o legado que poderei deixar nessa empresa?

Sempre fui muito movida a desafios e é por isso que eu gosto muito do esporte. Em julho deste ano escrevi meu primeiro artigo para o Lance!, falando do estilo de liderança do Felipão e das características que ele tem como técnico. Sempre falo do Rafael Nadal [leia o artigo dela aqui] que é o meu grande ídolo no tênis, porque você precisa ter determinação, garra, não pode desistir. E você tem que ter algo que te motive.

É muito importante eu estar em algum desafio que me motive… que me faça ser uma líder, profissional, mãe e uma professora melhor. Então, gosto de tudo que me tira da zona de conforto, me faz crescer.

O começo de sua vida profissional foi escrevendo para jornal impresso, depois fazendo reportagens para TV. Você tinha o sonho de ser âncora na Rede Globo, mas, em vez disso, foi trabalhar com comunicação corporativa na Telecom Tess. Como foi deixar para trás esse sonho e mercado que até então te encantavam? E como foi a adaptação?
Sempre fui muito intensa em todos os lugares por onde passei. Trabalhar na EPTV em Campinas foi maravilhoso, foi um marco. Às vezes, a matéria ia para GloboNews, para o Jornal Nacional, e aquilo me enchia de esperança. Realmente tinha um charme, um glamour e eu adorava. Me sentia muito à vontade na frente da câmera, especialmente em TV.

Sabe como eu vim para o mundo corporativo? Um dia, em 1999 – bem na época do boom das telecoms –, eu estava apresentando um telejornal noturno, entrevistava um gringo e fazia a tradução simultânea. O presidente da Tess [empresa sueca que veio a se tornar Claro] estava à procura de uma pessoa que falasse inglês com fluência para ajudar no staff que chegava em Campinas, sendo que 23 dos 30 executivos eram estrangeiros.

Foi assim que eles chegaram até mim e propuseram que eu estruturasse toda a área de comunicação interna da startup 

Cheguei em casa, contei para o meu marido – que sempre foi executivo de multinacional – sobre minha dúvida, e ele disse: “Vai! Acho que você está pensando em curto prazo. Se você for para o mundo corporativo, a tua chance de crescimento de carreira vai ser muito maior do que no jornalismo”

Eu não vim para o mundo corporativo pela minha competência técnica em comunicação. Foi pela minha habilidade numa língua estrangeira, porque uma multinacional sueca estava vindo para o Brasil e precisava de alguém que falasse inglês!

Na sequência, você foi para um mercado bem diferente e aceitou proposta para trabalhar na holding da Votorantim (e depois na Votorantim Cimentos). Você aprendeu comunicação corporativa sob a ótica dos europeus. Ao chegar a Votorantim houve algum tipo de choque cultural? Logo de início, o que você mais estranhou?
Foram 17 anos de grupo Votorantim, onde aprendi não só comunicação, como também valores inegociáveis. Tive o privilégio de trabalhar muito próxima da família Ermírio de Moraes, não só do doutor Antônio Ermírio, mas do Carlos Ermírio [filho de Antônio, falecido em 2011] e do Fábio, da terceira geração.  

Minha ida para lá também foi completamente inesperada. Eu estava com um bebê de oito meses, então realmente não estava no meu radar 

Mas um ex-colega da área de RH da Tess tinha ido para o grupo Votorantim e eles estavam, justamente, no momento em que a família Ermírio de Moraes migrava dos negócios para uma holding. 

O objetivo era construir uma estrutura corporativa para ajudar a trabalhar essa única voz de grupo, fazer com que os Ermírio de Moraes migrassem para o conselho, contratassem executivos não familiares para tocar agroindústria, cimento, papel e celulose, química, finanças – e deixassem o dia a dia dos negócios. 

Realmente, foi um mundo completamente diferente do meu. Ao ficar ao lado do acionista, pude aprender muito mais do que comunicação. Tive o privilégio de participar de conversas e discussões sobre o futuro da companhia, que se misturava muito com o futuro do próprio desenvolvimento do país. 

E fui aprendendo a entender os movimentos corporativos no mais alto nível. Não era fácil. De mulheres só havia eu e a minha chefe, que cuidava muito mais de RH, do Conselho de Família. Então, todas as questões de comunicação eu tinha que ir à reunião de conselho apresentar. 

Eu era uma garotinha de tranças, participando de reunião de Conselho. Não tinha noção do que era aquilo! Aprendi levando porrada no dia a dia, quer dizer, não tinha um colchão que me protegesse, alguém que tomasse porrada por mim e que amaciasse a situação… Era o dia a dia nu e cru

O meu gestor, que cuidava mais da área institucional, era Carlos Ermírio de Moraes, que foi também para mim um grande mentor de vida e profissional. Aprendi muito com ele porque vi as discussões de valores, mais do que qualquer coisa. E a partir dali tomavam-se as decisões de negócio.

Depois de 12 anos, recebi o convite para ajudar no processo de internacionalização da Votorantim Cimentos, que foi outro desafio, porque era uma transformação do negócio. Ali foram dias intensos e duros também, por ter de lidar com oito Ermírios de Moraes – um gostava de branco, outro gostava de preto. Então, como é que eu navegava?

E aí o Carlos, como um grande mentor, me ensinou… o Carlos era o algodão entre os cristais, era um grande articulador. Ele conseguia fazer com que oito primos chegassem a um consenso, em um processo de sucessão muito bem desenhado sob o aspecto da governança, mas nem todos pensavam o mesmo.
Como usar a diversidade para uma unidade… 

Dali veio o insight que eu trago até hoje de trabalhar uma só voz, respeitando – e, às vezes, promovendo – diferentes sotaques. Que é o que eu fiz na holding e é o que a gente faz hoje na Bayer. 

Você foi influenciada pelos Ermírio de Moraes, evidentemente. Como você encontrou o seu jeito de liderar?
O momento que realmente passei a liderar muitas pessoas foi ainda quando eu era gerente de comunicação no grupo Votorantim. Meu grande desafio era que as pessoas de comunicação estavam nos negócios e eu precisava trabalhar essa única voz, em diferentes negócios. 

Eram pessoas que, direta ou indiretamente, se reportavam a mim. Eu era coordenadora e, de repente, sentei numa cadeira como gerente – e tinha um monte de gente esperando orientações minhas

Eles não faziam parte da minha equipe, mas eu precisava fazer com que eles seguissem os guidelines que, enquanto holding, iríamos construir… Aprendi na marra, no erro, no levantar e cair. 

Uma coisa que sempre foi forte em mim é que tinha humildade para ouvir, tentar entender quais eram os modelos que eu achava bons, quais eram os ruins para não repetir. Sempre tive uma escuta muito ativa do time para entender como é que eu podia construir, aprender e talvez desaprender e reaprender.

Hoje, vejo que a pessoa que eu sou na Bayer é completamente diferente da pessoa que eu fui na J&J ou na Votorantim… Porque são empresas diferentes 

É por isso que falo da humildade, de ter a sabedoria ou a escuta ativa para entender o que é importante para as pessoas daquele grupo, de que elas precisam… 

Talvez, amanhã ou depois eu tenha de me reinventar como líder, porque vou ter outra equipe, que vai precisar de outras coisas.

Ao ouvir isso, fica a impressão de que você lidera pessoas, e não uma área específica de uma empresa…
É isso. Sempre digo que não tenho a menor dúvida de que a gente só consegue resultados excepcionais se une o efetivo com o afetivo. As pessoas não se conectam com a razão. As pessoas se conectam com a emoção. 

E não falo de dizer “eu te amo” para todo mundo. Não é isso! É o cuidar, ouvir e entender o que é valor para o outro. 

O que é valor para o cliente? O que é valor para o seu time? O que é valor para a sociedade? Não é mais sobre mim. A gente tem de aprender a ser menos autorreferente e mais colaborativo, e entender o que é valor para o outro

Minha vida inteira, ouvi: “Faça aos outros aquilo que você gostaria que fizessem para você”. Eu estou desafiando essa frase, porque fazer para os outros aquilo que você gostaria que fizessem para você é muito fácil. “Eu gosto de Sonho de Valsa, então, vou dar para você um Sonho de Valsa”. Mas e se você detestar esse bombom? Vou estar sendo efetiva em te agradar? Então, eu digo: faça aos outros aquilo que os outros gostariam que fizessem para eles. 

É por isso que a gente precisa se reinventar, porque eu preciso entender o que é importante para o outro. E quando a gente fala em gestão de reputação, preciso entender a expectativa do outro. 

Acredito que o meu principal papel é ajudar a organização a perceber que ela tem o seu papel, mas precisa entender o que é importante para os stakeholders dela – funcionários, clientes, fornecedores –, e o que a imprensa quer ouvir, a partir do que ela pode oferecer também. 

Não é para inventar algo que ela não tem. É como se faz o equilíbrio entre o o que você tem e o que o outro precisa. Aí sim, você vai poder entregar o melhor serviço ou solução. 

Você acaba de falar sobre uma transformação da função da comunicação no mundo corporativo. Você até já disse anteriormente que “o papel da área de comunicação não pode ser mais o de trazer um comunicado”. Quando essa chave girou e onde você estava? Em qual empresa?
Acho que a gente ainda está numa jornada. Eu não sei se todas as empresas já entenderam a relevância da comunicação e se todas as áreas conseguem enxergar que a gente tem um papel muito mais relevante para o negócio. 

Já ouvi tantas vezes: “Você está numa organização B2B, não precisa conversar… Você está numa empresa de capital fechado, não precisa conversar”. E eu sempre digo que não existe empresa B2B ou B2C. Antes de ela ser qualquer coisa, é P2P, ou seja, pessoa para pessoa. 

Quem faz a empresa são as pessoas, então quem tem a obrigação e o compromisso de construir a empresa em que acredita somos nós, independente do nível hierárquico em que a gente se encontra 

Tive a sorte, desde a minha época de estagiária, de poder me posicionar. Eu nunca me esqueço… uma vez, ainda na Votorantim, estava numa reunião de conselho, quando um dos acionistas me fez um pedido. Eu não concordei, mas achei melhor fazer. 

Só que decidi falar com meu chefe. Ele perguntou por que eu não concordava? Eu expliquei e ele perguntou por que eu não tinha dito tudo aquilo na hora? 

Eu me surpreendi e perguntei se eu podia dizer aquilo na reunião. Ele me respondeu que eu não só podia, como era meu papel de especialista me posicionar para ajudar a empresa no que fosse melhor – e não para agradar alguém.

Essa foi a grande virada de chave para mim, como profissional, porque até então, o chefe mandava, eu obedecia…. se o acionista pediu era uma ordem. A partir daquele momento, eu comecei a desafiar. 

Mas aqui entra a forma. Eu aprendi, participando daquele mundo maravilhoso, a forma com que um não concordava com o outro, ouvia, absorvia… e fui replicando. 

Até que, um belo dia, o mesmo acionista que havia me pedido aquilo me pergunta: “O que você acha?” Possivelmente, esse foi o momento mais sublime da minha vida, porque percebi que não só a minha chave tinha virado, como também a deles. Foi uma construção de confiança 

Para mim, comunicação é a construção de vínculos e de confiança. E a partir da sua competência técnica, você convence pessoas sobre os caminhos que sugere. 

Mas não é só o quê. É o como. A forma com que a gente faz vai fazer toda a diferença. Se eu fosse arrogante, intrometida, ou quisesse impor, eles pensariam: “Essa menina de tranças está querendo mandar mais do que eu, que sou acionista?”

Na sequência, você foi para a Johnson & Johnson, onde teve seu primeiro contato com a área de Saúde, em medical devices. É uma multinacional norte-americana, uma estrutura diferente da Votorantim, uma empresa familiar brasileira global. Consegue fazer um paralelo entre os aprendizados em uma e outra organização?
A decisão de sair do grupo Votorantim foi a mais difícil de toda a minha carreira profissional, porque sair de um lugar onde você não está feliz é muito fácil. Agora, sair de uma empresa que você admira e respeita… Mas entendi que precisava sair. 

Eu tinha ficado 12 anos na holding e mais quatro anos ajudando em todo o processo de internacionalização da Votorantim Cimentos, onde tive a oportunidade de negociar com os acionistas do grupo e com os presidentes dos 14 países. Eu tinha times internacionais que ficavam na Europa, nos EUA, ou seja, o bicho pegou. Mas estava num ambiente em que as pessoas me conheciam, respeitavam e admiravam. 

Depois de ter implementado o propósito global – “a vida é feita pra durar”, que está até hoje lá –, achei que estava na hora de eu me movimentar. Senti que precisava de um desafio novo, conhecer um modelo de negócio novo

Recebi o convite da Johnson e de mais três empresas. A Johnson era a mais fora da caixa e eu me encantei com a oportunidade e com o presidente Rodrigo San Martin. 

Isso para mim também é muito importante – a referência do líder. Rodrigo queria posicionar a J&J Medical Devices no Brasil e na América Latina mais externamente, porque eles eram muito focados para dentro. 

Fiquei receosa porque nunca tinha cuidado de América Latina. Já tinha cuidado de Europa e América do Norte. E de novo, saí completamente da minha zona de conforto técnico, porque saúde era algo que eu nunca tinha feito; e também como líder, porque as pessoas na J&J não sabiam quem eu era! 

Na Votorantim, os donos me conheciam; na Johnson, eu era apenas mais uma executiva ali e muito longe da holding… 

Minha ida para lá foi importante porque aprendi a viver num mundo absolutamente matricial, de conexões, de alinhamento. Não era só um chefe. Eu até podia ter um chefe só, mas tinha 500 pessoas para alinhar

Eram três negócios diferentes dentro de Medical Devices. Tinha a área de ortopedia, cardíaca e de cirurgia. Então, como construir uma só voz, respeitando e promovendo os diferentes sotaques?

Embora eu já tivesse feito isso de alguma forma na Votorantim, porque eram vários negócios, na J&J eram várias áreas com quem eu tinha de alinhar e influenciar. 

Foram dois anos e meio também intensos. Primeiro, porque a gente colocou J&J Medical Devices em um patamar externo onde ela nunca tinha estado – a gente realmente cumpriu aquilo que fora proposto. Segundo, porque foi um mundo muito diferente de ambiente de negócio. 

Essa função da comunicação fortalecer uma só voz e respeitar os diferentes sotaques tem semelhança com o papel do RH numa empresa, que promove a cultura organizacional?
Eu entendo que a comunicação se aproximou mais do negócio e não do RH, porque nosso grande desafio é construir, fortalecer e proteger a reputação da companhia e dos profissionais que ali estão.

Vejo a comunicação como um farol que põe luz naquilo que é importante para o negócio… e põe luz também nas expectativas da sociedade. E traz a recomendação técnica do que a gente entende que é melhor para a imagem da companhia e trará valor. Hoje, a comunicação só é relevante se traz valor para o negócio 

O RH é um parceiro no sentido de que, obviamente, cuida do líder e o nosso papel também é ajudar o líder a ser o melhor comunicador. Mas o RH tem as suas grandes funções de pensar e trazer os melhores benefícios para a companhia, fortalecer e moldar a cultura. Nesse caso, a comunicação ajuda ao criar iniciativas e oportunidades para que os líderes vivenciem essa cultura desenvolvida pelo RH. 

Quando a gente fala de comunicação interna, entendo que o nosso principal papel é fortalecer o líder no seu papel de comunicação. A gente precisa prepará-lo para ser o grande porta-voz, para engajar a sua gente, influenciar e construir vínculos externos duradouros. 

É mais um meio, um preparador, do que alguém que tem a presunção de que no jornal, um boletim ou newsletter vai fazer o papel do líder… Não vai!

Um de seus objetivos na Bayer é rever a forma da empresa se comunicar considerando as mudanças que o negócio sofreu nos últimos anos e também as mudanças na sociedade com o fortalecimento de compromissos ESG – em especial políticas de diversidade e inclusão de gênero e raça. Você já tinha se deparado antes com este tipo de demanda em sua carreira?
Não. Isso veio agora na Bayer, embrulhado em forma de um presente, logo 12 dias depois que eu cheguei na companhia, quando lançamos o primeiro programa de trainees com foco exclusivo para lideranças negras.

Era agosto de 2020, e eu tive a oportunidade de ver, na prática, que a Bayer é uma empresa que fala e faz. É coerente com os compromissos que estabeleceu. Isso para mim tem um valor enorme!

Numa sexta-feira, a gente foi acusado pela sociedade de racismo reverso. No final de semana, sentei com as diretoras de RH e do Jurídico e perguntei: “Esse projeto é pontual ou realmente tem um sentido dentro do contexto maior? A gente está fazendo alguma coisa de errado, fora da lei, ou estamos dentro do parâmetro? Dependendo do que vocês me disserem, vou dar a minha recomendação de como devemos nos posicionar”. 

Foi um alívio danado ouvir que a empresa lançava o programa naquela época, mas já se preparava há alguns anos para receber os trainees. Foi feito todo um letramento interno sobre diversidade e inclusão. Fiquei feliz de saber que realmente era algo sério. Aliás, acabamos de lançar a segunda turma de trainees

Então, eu disse que tínhamos de ir para o mercado nos posicionar, sem deixar nenhuma dúvida de que isso é um compromisso, que entendemos a nossa responsabilidade – e que seguiríamos em frente com o programa. 

E foi maravilhoso, porque a gente conseguiu que a sociedade entendesse o nosso posicionamento, nos apoiasse interna e externamente. Foi muito importante e, hoje, a gente realmente tem a visibilidade de uma empresa coerente com os seus compromissos. E consciente de que a gente está numa jornada e temos muito que avançar ainda. 

Quando você olha o nosso board, vê que já avançamos. Quatro anos atrás, a alta liderança no Brasil tinha 7% de mulheres; hoje, somos 56% de mulheres 

É lindo, maravilhoso, mas não é só isso, e essa consciência também me deixa tranquila de ver que a empresa entende que é uma jornada. 

Quando cheguei, a Bayer Global já estava falando de ESG, que as métricas sociais, ambientais e de governanças são tão importantes quanto o nosso resultado financeiro. Isso também chamou minha atenção e foi até um atrativo para eu vir. 

Estamos com um projeto enorme sendo conduzido por uma colega do board e vamos começar a trabalhar toda a comunicação dos conceitos ESG no Brasil. A gente tinha diretrizes globais e agora estamos testando o que significa esse compromisso aqui para o Brasil.

No final do dia, a gente está falando de negócio. Por isso que eu disse que a comunicação precisou entender muito mais de negócio para poder entregar o que se espera dela. 

Se você precisa preparar o porta-voz para falar, o porta-voz vai falar do quê? Vai falar de negócio. Essa é a evolução, o amadurecimento – quando você pensa melhor, percebe que precisa entender a linguagem que o negócio fala. 

Essa é outra coisa que sempre digo também – a gente precisa falar a linguagem que o outro entende, não a nossa própria linguagem.

Qual é seu papel no Conselho de Comunicação Global da Bayer? Lá você ouve mais ou fala mais? O que é diferente das experiências anteriores?
Na Votorantim Cimentos tive a oportunidade de sentar no GET – Global Executive Team, que reunia os executivos responsáveis por todo o processo de internacionalização. Ali já pude sentir o que significava fazer parte de um time executivo global, ainda que fizesse parte do grupo estendido, o das áreas funcionais. 

Na Johnson, a gente era responsável pelo board LatAm; eu fazia parte do time que representava a América Latina no time global de comunicação. 

Agora, como membro desse time de liderança de comunicação global da Bayer, claro que é inédito – e foi uma honra receber o convite, no final do ano passado

Eu me lembro que o Michael Preuss, head global de comunicação, me ligou para fazer o convite e disse que tinha duas boas notícias para me dar, mas que por conta delas ele precisaria mais do meu tempo. 

É a primeira vez que esse grupo global fica mais internacional. Foi uma honra ser a primeira brasileira a sentar lá junto com colegas de China e EUA – que representam os três principais mercados da Bayer no mundo. 

Perguntei a Michael qual era a expectativa em relação à minha participação ali. E fiquei muito feliz em ouvir dele: “Posicione-se. Não se esconda atrás de uma discussão. Traga sempre seus pontos, provoque. Aproveite o seu olhar externo para desafiar o status quo. Questione por que foi feito sempre de tal jeito?”

Eu entrei num momento da Bayer em que a empresa quer líderes empoderados, que tragam visões diferentes e questionem.

Você perguntou se eu falo ou ouço mais (risada)? Puxa, eu falo mais! Lógico que também ouço, porque primeiro você tem que ouvir, entender onde está pisando e, depois, trazer as suas contribuições e começar a construir confiança 

Está sendo uma oportunidade maravilhosa de colocar em prática um pouquinho de tudo o que aprendi nesses quase 30 anos de carreira… 

Na TV, como repórter, aprendi a fazer as perguntas certas para as pessoas certas, a cultivar aquele lado curioso de querer sempre aprender mais… No grupo Votorantim, aprendi sobre governança, e como navegar num ambiente diferente; da J&J trouxe a experiência de navegar em um ambiente matricial.

Como você equilibra a escuta ativa e empática com a necessidade de bater metas e aumentar a produtividade de times de alta performance? Parecem coisas tão opostas… Você já tomou consciência de como você faz isso?
Você consegue o melhor das pessoas se elas estão motivadas, engajadas, se sentem respeitadas, empoderadas… Quando elas sentem que você compartilha o espaço com elas para vê-las voarem cada vez mais alto. 

Para mim é isso. Não são coisas opostas. Você consegue o melhor de cada um quanto mais cuidar dessa pessoa, quanto mais cria uma conexão em que ela se sinta respeitada, valorizada, estimulada a dar o melhor dela.

Então é o efetivo – bater meta, dar resultados excepcionais e contribuir para reputação da companhia – com pessoas engajadas, motivadas e felizes.

Liderança não é sobre hierarquia. Liderança é uma questão de atitude, então é preciso promover um espaço onde o estagiário se sinta tão empoderado e confortável para dividir suas ideias quanto o diretor 

Eu tenho muito orgulho de ter um time que pensa junto no que é melhor para a companhia. Claro que eu tenho um papel e o estagiário tem outro, mas isso não significa que eu sou melhor ou mais importante que ninguém. 

Esse ambiente nos credencia para a gente se ajudar, colaborar, ficar feliz de ver o outro crescer. Sou muito movida a isso. Gosto de ver as pessoas crescerem e acho que esse é o meu papel hoje – seja como mãe, professora, líder.

O meu papel agora é dar de volta, é ajudar os outros a voarem. E quanto mais eles voarem, mais satisfação eu tenho. 

Tenho muito orgulho de toda essa trajetória e a convicção também de que não cheguei aqui sozinha – muita gente fez parte dessa jornada. 

Nesta época em que a gente vive, quando há tanta competição, momentos tão ácidos, fica aqui o meu convite para a gente resgatar o espírito de colaboração genuína e cada vez mais plural, pelo qual nos ajudamos, podemos pedir ajuda e queremos ver o outro bem.

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