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“O vinho me libertou”: como um publicitário veterano reinventou sua carreira com um jogo de tabuleiro inspirado em sua bebida favorita

Marcela Marcos - 19 out 2021
Marcos Gomez, criador do "Mestre dos Vinhos - Tintos do Mundo".
Marcela Marcos - 19 out 2021
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“Até quem perde sai alegre...” Esse slogan improvável define bem a brincadeira etílica proporcionada por Mestre dos Vinhos – Tintos do Mundo. Trata-se de um jogo de tabuleiro em que o objetivo é acertar características (tipo de uva, teor alcoólico, país de origem etc.) numa degustação às cegas, entre amigos.

Lançado em dezembro de 2020, Mestre dos Vinhos é uma guinada na carreira de seu criador, o publicitário paulistano Marcos Gomez, 59. Por mais de duas décadas, ele trabalhou na Editora Abril, primeiro como gerente de publicidade da revista Veja e suas edições regionais e especiais (como o guia Comer & Beber); em seguida, na unidade de negócios Turismo e Tecnologia. Também ocupou o cargo de diretor de publicidade de todas as publicações da editora e sua última posição foi como head de publicidade da unidade de negócios Exame.

“Eu não bebia nada, achava gente que bebia chata”, lembra Marcos. Sua percepção — e a relação com a bebida — começou a mudar quando conheceu o conceito de slowfood por meio do jornalista Caco de Paula, que era editor da revista Viagem e Turismo

“Um dia, entendi que degustar é fazer algo com atenção, devagar… É quase uma ioga: você primeiro tem que ensinar a pessoa a respirar. Tem também uma pegada meio mindfulness, de se concentrar completamente nos sentidos”

Na época, Marcos conheceu Arthur Piccolomini de Azevedo, então presidente da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-SP), com quem fez dois cursos. Entre degustações, encontros com clientes, viagens e pitacos nos anúncios sobre vinho nas publicações da Abril, o publicitário foi virando um expert.

O INSTAGRAM SERVIU DE TERMÔMETRO PARA ENTENDER O INTERESSE DAS PESSOAS POR VINHO

Desse tempo, ele se recorda de um encontro com os principais executivos da empresa, inclusive Roberto Civita (1936-2013), filho do fundador do Grupo Abril e seu diretor editorial. Na ocasião, como num quiz, uma sommelière da Expand dirigia perguntas aos presentes.

O tabuleiro do jogo Mestre dos Vinhos: avança quem acerta as características da bebida.

“Quando ela passou pela minha mesa e perguntou qual era o nome da uva Tempranillo em Portugal, eu imediatamente respondi ‘Tinta Roriz e Aragonez’, e ganhei.”

Em 2014, veio a demissão da editora, que estava encerrando publicações e dispensando funcionários em massa. Na sequência, foi diretor comercial do Canal Rural (pertencente ao grupo J&F).

Nessa época, ele já fazia viagens de enoturismo e também participava da Confraria dos Publicitários (da qual foi presidente), que se reunia em encontros regados, claro, a vinho. A bebida passou a monopolizar suas redes sociais.

“Tinha muita gente que eu nem conhecia, mas que me seguia no Instagram e queria saber como montar uma confraria, ou se podia entrar na nossa. Comecei a perceber que existia muito interesse das pessoas de fazer encontros para se falar sobre vinhos e aprender em conjunto” 

Nos encontros da Confraria rolavam competições para eleger o melhor rótulo da noite. Essa dinâmica inspiraria Marcos a criar seu jogo de tabuleiro.

EM VISITAS A UMA LOJA DE JOGOS DE TABULEIROS, ELE FOI SE INSPIRANDO A EMPREENDER

Inspirado – e desafiado – pela namorada, Ana Paula Teixeira, Marcos resolveu empreender no ramo e procurar parceiros na empreitada. 

Foi quando ele conheceu Mauro César de Oliveira, sócio da livraria e loja de jogos de tabuleiro Pingo no I.

“Comecei a frequentar a loja dele e me lembrei de jogos como War, xadrez, então pensei em fazer um jogo que, além de divertir, também pudesse empoderar mais as pessoas sobre vinho”, conta. 

Como um expert, ele se acostumara a receber pedidos de recomendações:

“Quando eu estava na Abril, muitas vezes me pediam dicas de qual vinho levar para um evento, ou para sair com a namorada… Eu queria passar essa experiência de maneira lúdica, mas fui pesquisar se já tinha algum jogo assim e não achei nada similar”

Na verdade, o mais próximo que encontrou foi o jogo canadense Winerd, um quiz com perguntas do tipo “qual vinho a rainha Elizabeth bebeu quando comemorou 50 anos?”

Essa proposta, para Marcos, não tinha a menor graça e nenhuma utilidade no prática no dia a dia. Seria preciso criar o jogo do zero. 

A BRINCADEIRA É DESCOBRIR AS CARACTERÍSTICAS DA BEBIDA NUMA DEGUSTAÇÃO ÀS CEGAS

Mestre dos Vinhos requer de três a seis jogadores. Inclui um tabuleiro de 47 cm x 68 cm, sete minigarrafas, 48 peças de votação, um decanter, um dado, um bloco de 100 páginas, fichas para preencher a tabela de pontuação e um manual de 20 páginas que auxilia na identificação dos vinhos. 

As capas de algodão (ao fundo) embalam as garrafas e garantem o teste às cegas.

A caixa traz ainda um corta-gotas e capinhas de algodão para embalar as garrafas (levadas pelos participantes) e garantir que tudo ocorra, de fato, às cegas. 

As sacadas sobre como jogar e até onde é possível chegar com a partida vieram depois de algumas oficinas com amigos. Ele dá um exemplo que envolve o percentual de álcool. 

“Quimicamente é comprovado que os vinhos de menor gradação alcoólica tendem a ter quedas [na taça] mais finas; quando são muito alcoólicos, as ‘lágrimas’ costumam ser mais espessas, lentas. A brincadeira é tentar descobrir tudo às cegas”

O manual traz informações como o tipo de acidez esperado de cada uva ou quais uvas têm aroma mais herbáceo (e em que países esse herbáceo é predominante…). “O desafio sempre foi trazer um conteúdo que aproximasse as pessoas.”

Além do apoio de César, da Pingo no I, Marcos contou com a ajuda de um primo, o arquiteto Rodrigo Peregrina, que ficou incumbido de construir o tabuleiro, e de Ana Paula, que ajudou a revisar os textos do manual.  

AO “INVERTER O LADO DA MESA”, ELE DESCOBRIU AS DELÍCIAS E AS AGRURAS DO EMPREENDEDORISMO

“Uma coisa é você ser um alto executivo da Abril, fazer viagens espetaculares, almoçar com presidente de empresa, ter um excelente salário…”, diz Marcos. “Outra coisa é empreender. Eu inverti o lado da mesa.” 

Ele tomou a frente de todo o desenvolvimento, da metodologia ao manual. Buscou também parceiros: a Ludens Spirit, que criou as garrafinhas boladas por ele, e a Urbanics, a agência responsável pela identidade visual do produto.

“Eu queria um jogo que tivesse uma linguagem muito jovem e diversa até nas imagens, com personagem gordo, magro, careca etc, para mostrar que o vinho é para qualquer pessoa, desde que ela seja maior de idade”

Para viabilizar o projeto, Marcos investiu 150 mil reais (incluindo os gastos com o site). Os perrengues, claro, pipocaram no caminho, Desde os básicos, como arranjar um contador para abrir sua empresa — batizada de Enoverso — até lidar com a questão da patente:

“É uma baita burocracia. Tive que traduzir para o ‘juridiquês’ o manual do jogo para um escritório de advocacia especializado em direitos autorais. E, nisso tudo, vai dinheiro, porque também tem um gasto para ter uma análise mensal sobre quem está me copiando.” 

MAIS DA METADE DAS UNIDADES DO PRIMEIRO LOTE JÁ FOI VENDIDA

O receio de ser copiado o que o fez manter segredo até o lançamento – em 20 de dezembro de 2020. 

Mestre dos Vinhos  custa 449 reais e é comercializado no próprio site. O preço não inclui, claro, os vinhos a serem degustados na noite, a cargo dos participantes.  

Marcos explica que a precificação teve como base o peso do produto (1,86kg) e sua complexidade na comparação com outro jogo considerado mais simples (a referência dele foi Ticket to Ride, que custa 350 reais). 

Da primeira tiragem, de mil unidades, já foram vendidos cerca de 550. Como se fosse de fato um rótulo de vinho, cada caixa desse primeiro lote traz um selo de “Safra 2020”. 

O OBJETIVO: AJUDAR VOCÊ A PERDER O MEDO NA HORA DE ESCOLHER UM TINTO NO RESTAURANTE

Desde o lançamento, Marcos conta já ter recebido encomendas de várias partes do país e também de Portugal e dos Estados Unidos.

Alguns clientes, que ele conheceu pelo Instagram, se tornaram amigos. E engana-se quem acha que só quem manja do assunto topa jogar. 

“Tem gente que joga para apenas fazer degustação, sem preocupação em ganhar. Já teve uma pessoa que ganhou a rodada do jogo e nunca estudou sobre vinhos. Por outro lado, tem um cara que faz vinhos no sul do Brasil que já jogou várias vezes e nunca ganhou”

O próprio idealizador do jogo conta que já foi derrotado várias vezes. 

“Mas ganhei amigos e conhecimento. No mundo do vinho tem muita gente que quer te impor muita coisa. O jogo, pelo contrário, quer empoderar o degustador — para que você, no mínimo, não tenha medo de escolher qual vinho tomar em um restaurante.”

A EXPECTATIVA É QUE A VOLTA DOS ENCONTROS PRESENCIAIS IMPULSIONE AS VENDAS

Com relação aos próximos passos da Enoverso, Marcos conta que planeja lançar uma versão do jogo com foco em vinhos brancos (a atual é dedicada apenas aos tintos).

No curto prazo, sua expectativa é de que a volta dos encontros presenciais no momento pós-pandemia impulsione as vendas, já que Mestre dos Vinhos requer a interação entre os participantes.  

“Muita gente me pergunta se penso em fazer uma versão digital do jogo, mas o que quero é que as pessoas se sentem juntas e tenham uma experiência do sentir… Que ouçam o barulho das taças num brinde e percebam os aromas, as texturas”

O empreendedor está finalizando o curso de qualificação em Enocultura da WSET. O vinho virou uma parte definitiva da sua vida — e agora, de sua pele:  

“Recentemente fiz uma tatuagem com referência ao vinho, porque o vinho me libertou. Fiz 59 anos agora e, para o mercado, já sou considerado velho… Mas uma pessoa que cria um jogo como esse não é velha. Tem muita coisa que eu ainda quero fazer!”

DRAFT CARD

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  • Projeto: Mestre dos Vinhos
  • O que faz: Jogo de tabuleiro sobre vinhos tintos, com degustação às cegas
  • Sócio(s): Marcos Gomez
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2020
  • Investimento inicial: R$ 150 mil
  • Faturamento: R$ 150 mil (previsão para 2021)
  • Contato: [email protected]
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