“Não sou o fundador, não tenho capacidade para isso. Mas tenho competência para levar empresas ao IPO, como fiz com a Locaweb”

Marina Audi - 20 abr 2023
Fernando Cirne, CEO da Locaweb Company (foto: Germano Lüders).
Marina Audi - 20 abr 2023
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Fernando Cirne, 50, costuma dizer que sua habilidade é levar uma empresa a crescer, lançar produtos, aumentar o ecossistema. 

Ele não é fundador da Locaweb Company, criada em 1997 por Gilberto Mautner e Cláudio Gora. 

Entretanto, foi pelas mãos de Fernando que a empresa chegou ao IPO na B3, em fevereiro de 2020, e às mais de 20 soluções digitais que auxiliam os clientes a iniciarem a presença na web com e-commerce até a implementarem processos para melhorar o relacionamento e gerar leads de venda. 

Desde março de 2018, Fernando é o CEO da empresa que tem mais de 4 mil funcionários, 600 mil clientes, 20 mil desenvolvedores parceiros e faturou pouco mais de 1,1 bilhão de reais em 2022. 

Já falamos aqui no Draft sobre a operação da companhia sob a ótica de dois diretores. Agora, Fernando Cirne conta os bastidores de como veio a se sentar na cadeira que ocupa hoje, sob as bênçãos dos fundadores. 

O bate-papo que você lê abaixo inclui a visão do executivo sobre o pós-IPO, as cerca de 15 aquisições feitas desde 2020 e o momento de desvalorização sofrida pela Locaweb Company – bem como outras empresas de tecnologia – a despeito dos resultados positivos apresentados pela operação:

 

Você é formado em engenharia mecânica, mas nunca trabalhou com isso. Migrou para área de mídia…
É verdade. Eu entrei no programa de trainees do Grupo Abril, no qual você passava um ano circulando em várias áreas. Fui parar em Assinaturas para desenvolver o projeto de vendas de assinaturas dos títulos por internet.

Embora fosse ligado à tecnologia, era um projeto de e-commerce. Depois de montar essa parte, assumi canais de vendas offline. 

Eu não tinha formação nenhuma de tecnologia. Sempre gostei – e ainda gosto – dessa parte de carro, motor. Mas ao longo da faculdade, vi que isso não teria futuro nenhum no Brasil 

Também sempre gostei da área de marketing, de mexer com produto, divulgação. Eu via muitos colegas de curso irem para o mercado financeiro. Na verdade, ninguém seguia na engenharia. Estamos falando de 1996. 

Quando eu me formei, o Grupo Abril era uma tremenda marca e a internet praticamente não existia, estava começando. Eu pensei que mexer com marcas como Veja, Quatro Rodas, Exame, era algo bem interessante.

Você foi mais atraído pelo marketing ou pela força da estrutura do Grupo Abril de então?
Eu fui atraído pelas marcas. Fui sem saber o que faria, porque como trainee nunca se sabe onde você vai ser alocado. Você passava por três áreas durante o ano – e eu tive convite para trabalhar nas três pelas quais passei. Acabei indo pra Assinaturas, porque tinha gostado muito de trabalhar ali, que era uma máquina gigantesca de vendas. 

A internet estava começando a rampar [o UOL, por exemplo, nasceu em abril de 1996]; eu me identificava com a internet e me lembro que o diretor da área falou o seguinte: “Olha, esse é um troço novo, ninguém aqui sabe fazer isso. Temos diretores muito bons focados em outros canais de venda como telemarketing, encarte de revista, mala direta – que eram as formas que você vendia –, mas temos de replicar esses canais no digital”

Topei, porque parecia ser um troço legal, mas eu não tinha noção de que ficaria grande. Quando você tem 20 e pouquinhos anos, não tem essa visão. Eu não tinha a ambição de “o que vai acontecer comigo no futuro?”. Eu só tinha noção que poderia ser um projeto interessante. 

Quando me perguntam que lição eu aprendi na vida, eu digo: “Você tem de finalizar ciclos”. Eu não suporto profissionais que começam um projeto e não o acabam 

Você pode trocar de emprego ou pode ficar vários anos numa empresa, desde que você tenha projetos com começo, meio e fim. Isso é muito importante. 

Lá atrás, pensei que eu não herdaria um troço, mas sim que eu teria um projeto a ser construído e poderia ter um ciclo. Isso chamou a minha atenção… isso eu sabia que queria. 

Eu fui e não sabia nada. Não havia um site e nem uma marca. Criei a marca AssineAbril para vender as assinaturas da editora; criei da minha cabeça, junto com o pessoal da área de Assinaturas. 

Como a gente não tinha webdesigner ali dentro, contratei um freelancer. Aí, pedi ajuda do pessoal do UOL para fazer a parte técnica. Fizemos um cupom que coletava assinaturas e depois as integrava com o nosso mainframe, o gerenciador de assinaturas. Assim, colocamos o site no ar. 

Depois tivemos de pensar: como começaríamos a vender? Decidimos divulgar o AssineAbril nas nossas peças impressas, fazer banners e comprar mídia. Só que ninguém sabia como. 

Estou falando de 1998, 99. Como se comprava mídia online 25 anos atrás – por CPM, nos portais da época? Fui aprender a fazer esse tipo de coisa. 

Aos 25, eu tomava conta de uma mini operaçãozinha – parte técnica, site, design, marketing. Foi uma experiência incrível. Isso foi crescendo; poucos anos depois, em 2004, esse canal representava mais de 20% das vendas da Abril. Já éramos o sexto maior e-commerce do Brasil. Ganhamos uma dimensão muito grande

Sou uma pessoa muito on the job… nunca fiz curso e fui aprendendo. Construímos uma base de e-mail para fazer campanha, fizemos vários concursos para captar nomes para essa base de assinantes – que tinha milhões de nomes. Depois, começamos a enriquecer a base de assinantes com e-mail, coisa que ninguém tinha. 

Por curiosidade, quanto a operação de Assinaturas representava em relação à venda em bancas de jornal?
Dependia do título. Um título como a Veja tinha mais de 1 milhão de assinantes e a tiragem média para banca era algo em torno de 300 mil exemplares. Então, a assinatura era quase três vezes maior do que na banca. Tinha título que era maior na banca do que em assinaturas. 

De maneira geral, [a área de] Assinaturas era muito mais importante do que bancas, porque as assinaturas garantiam a circulação. Se você era um anunciante e comprava mídia impressa, sabia qual entrega a revista teria, porque a assinatura não depende da capa [para ser vendida]. 

Era uma área muito importante porque garantia a entrega e havia garantia de receita. Por que eu gosto [do modelo] de assinaturas? Eu brinco que sou uma pessoa de e-commerce e de assinaturas. 

Hoje, a Locaweb é uma empresa de assinaturas, porque tem a recorrência mensal do pagamento. É um modelo comercial muito interessante para as empresas, traz previsibilidade.

Chama a atenção você dizer que cada revista tinha o seu forte em um lugar. Dá para dizer que você tinha vários produtos na mão?
Eu tinha de vender mais de 30 títulos de revistas, cada uma de um jeito, porque havia vários perfis – femininas, masculinas, infantis, revistas de negócio e as semanais.

Era preciso encontrar a melhor forma de vender cada uma de acordo com o perfil. Então foi muito interessante em termos de marketing também, de como conseguir as melhores mídias, a melhor divulgação para cada determinado perfil 

Foi uma escola muito completa pra mim, porque tive de conhecer um pouco sobre tecnologia e tinha de conhecer muito de marketing e comunicação. Era um grande varejo: a gente faturava algumas centenas de milhões de reais. 

Olhar cada uma dessas várias revistas remete um pouco à sua posição de CEO dentro da Locaweb, que tem tantas empresas dentro de si?
Eu acho que a Locaweb Company é muito mais diversa do que o Grupo Abril. Por quê? Lá era tudo revista… para públicos diferentes. Você sabe o que é uma revista – compra e lê.

Aqui, temos desde uma hospedagem de site e registro de domínio, passamos por plataforma de e-commerce, pagamentos… vamos para logística e ERP. Isso é muito mais complexo e difícil de vender. Porém, a complexidade me atrai 

Os nossos produtos, depois de comprados, têm de ser preparados, eles não vêm prontos. Então, é preciso ensinar o cliente a preparar o produto, montar sua loja online – temos processos de onboarding e e-learning que são mais complexos. 

Você disse que aos 25 anos tocava uma área intrincada do Grupo Abril com vários subprodutos. Quais foram as principais lições de gestão que você teve ali?
Ninguém falou pra mim que eu ia virar gerente. Eu era coordenador, fui tocando, fazia de tudo – peça de comunicação, punha a mão na massa. A primeira lição que tive foi tomar muito cuidado em querer ter um cargo de gestão sem conhecer a operação. 

Eu fui o funcionário número um daquela área. Aí, precisei de braço e contratei uma, duas, três, quatro pessoas abaixo de mim – e me tornei um gestor. 

Você se torna líder das pessoas porque elas vão aprender o que você faz, e aí você cresce. É muito mais uma conquista por você ser mais experiente do que os outros; e não porque alguém te colocou lá. Isso eu guardo comigo

É muito importante para um gestor conhecer o que sua equipe faz, porque você consegue entender as pessoas e ajudá-las no momento de decisão. O gestor não pode ser aquele gestor de cadeira. Tem de ser alguém que entende o que acontece dentro da operação.

É lógico que, hoje, como CEO da Locaweb eu não consigo conhecer tudo que todo mundo faz. Isso é uma extrapolação injusta. Sempre falo para as pessoas pensarem em ciclos e no crescimento que acontece sem elas perceberem.

Você vai crescendo, conquista complexidade, encerra um ciclo. Faz um novo ciclo, ganha mais complexidade e recebe ajuda de pessoas. Naturalmente, as pessoas abaixo de você te empurram para cima. Acho isso muito bacana! 

Isso tem a ver com a forma que eu virei CEO… Nunca pedi ao Gilberto Mautner [fundador da companhia] para ser o CEO e nem ao meu ex-chefe, o Flavio Jansen [CEO entre 2013-18]. 

Fui tocando a minha operação de CMO de forma a dar robustez a ela. Naturalmente a operação me empurrou para eu ser CEO.

Brinco que você não pode ser um “CEO de cordinha” – você não pula e nem é puxado para o cargo de CEO. Você constrói uma área que te sustenta tão bem que ela te lança.

Essa é a lição que ficou desde que eu era coordenador e virei gerente no Grupo Abril até quando eu era diretor de unidade [de marketing] e virei presidente na Locaweb.

Como foi o seu primeiro mandato dentro da Locaweb? Você chegou em 2012 para ser CMO e os fundadores ainda estavam na empresa – Gilberto Mautner era o CEO; Claudio Gora era VP de MKT e Ricardo Gora era VP Financeiro…
Cheguei num processo de profissionalização da empresa para ocupar a posição do Cláudio. No mesmo dia, chegou um CFO para substituir o Ricardo. 

Então, no dia em que cheguei, dois fundadores já foram para o Conselho. Um ano depois, o Gilberto foi também para o Conselho e deu lugar ao Jansen, que virou CEO. 

Em questão de um ano, todos os fundadores saíram da gestão, do dia a dia. Na minha opinião, foi um processo muito assertivo. 

Os fundadores que criaram o negócio foram visionários fantásticos, mas uma coisa é você ter a ideia na hora certa – uma pessoa que tem a visão de criar uma startup que dá certo é priceless [impagável] –, outra coisa é alguém pegar uma empresa que fatura 380 milhões de reais e fazê-la faturar 1 bilhão de reais, como aconteceu comigo 

São skills diferentes. Não tem melhor ou pior. Eu não sou o fundador, não tenho essa capacidade que os fundadores tiveram. Mas tenho a competência de pegar uma empresa e levá-la para um IPO, como fiz com a Locaweb. 

Tenho competência para lançar produtos, aumentar o ecossistema e assim por diante. Essa é a minha competência. A família tem muito mérito em fazer a transição de um skill de empreendedorismo para o skill de evolução e crescimento. 

Vim para a Locaweb para fazer a parte de vendas e marketing. Embora a cadeira fosse de CMO, ela é ligada também a processos de venda de toda a Locaweb. 

O que mais me chamou a atenção foi a semelhança com o que eu fazia no Grupo Abril, porque lá eu fazia e-commerce, marketing e gestão de assinaturas – incluindo toda a parte de pós-venda online e retenção de clientes; na Locaweb, eles queriam alguém que conhecesse assinaturas e relacionamento com o cliente. Embora parecesse não ter nada a ver, tinha muito a ver!

O que eu não conhecia era a parte de produtos, que eu demorei um pouco, obviamente, para conhecer. E comecei a participar também do processo de crescimento inorgânico da Locaweb, das aquisições de startups.

É importante dizer que o meu perfil bateu muito com a cultura da empresa, os meus valores bateram muito com os da Locaweb. Deu muita liga.

Hoje, como CEO, você tem alguns pratos para equilibrar – relacionamento com acionistas, a própria operação, a relação com os vários membros do Conselho, entre eles os fundadores… Como evoluiu seu relacionamento com os fundadores?
Meu relacionamento com a família é muito bom. Eles auxiliam muito na minha gestão. 

As pessoas falam que CEO é um cargo solitário. Eu discordo. No meu caso, o Gilberto é meu braço direito. Foi um relacionamento de afinidade e confiança que construímos ao longo de 11 anos

No IPO estive muito próximo da família, porque o Gilberto participou muito fortemente. Ele sentou comigo e com o Rafael [Chamas Alves] que é o nosso CFO e montou a tese de investimento do IPO, que foi baseada na aquisição de empresas. Ele fez o roadshow conosco.

Brinco que eu sou o cara que tem de equilibrar família, acionistas e os diretores. Dá trabalho, mas eu consigo e gosto de fazer essa função de equilibrista de pratinhos.

Você já disse em outras ocasiões que a preparação formal para o IPO da Locaweb foi extensa, mas que o pós é o mais importante. Pode explicar melhor essa colocação
Uma das razões pelas quais o nosso IPO foi um sucesso é porque sabíamos o que queríamos com ele. 

A gente tinha feito algumas aquisições com sucesso – Tray Corp (2012), All IN (2013), Fbtis (2016), Cluster2Go (2018), KingHost (2019), Delivery Direto (2019) – e queríamos fazer mais. 

Na ocasião, e-commerce representava 25% da nossa receita e a gente queria crescer mais nessa área. Para crescer mais em e-commerce, a gente tinha que dar mais robustez ao nosso ecossistema, mas não tínhamos dinheiro pra fazer isso. Se fôssemos crescer só com a geração de caixa, demoraria muito tempo. 

Então, fomos a mercado para captar dinheiro e comprar empresas tipo A, B, C e D. Quando fomos fazer o IPO, dissemos que queríamos dinheiro para enriquecer o ecossistema comprando esse tipo de empresa. E também tínhamos um sócio, o fundo Silver Lake, que entrou em 2010 e queria fazer o exit, o processo de saída. 

A gente sabia o que queria – não era fazer o IPO só para o acionista botar dinheiro no bolso. Isso é péssimo! A gente queria fazer um negócio para enriquecer a empresa. E o mais importante é que entregamos isso 

É preciso saber o que se quer e correr atrás desse objetivo. E a gente fez isso. Talvez sejamos uma das poucas empresas que tinha uma razão clara para fazer o IPO e também uma “cenoura” pra correr atrás, logo na sequência.

Como você disse, antes do IPO, em 2012 começaram as aquisições. Agora, existe na companhia um comitê de M&A – formado pelos três fundadores, CEO, CFO e outros três diretores. Qual é a diferença do jeito que as primeiras aquisições foram feitas para a forma de fazer as aquisições após o IPO?
Antes do IPO a gente não tinha tanto caixa pra fazer aquisição, então fizemos menos de uma aquisição por ano. E isso não requisitava tanto nossos braços. Conseguíamos fazer com estrutura própria. Até 2018, o Jansen era o responsável. Depois, como CEO, assumi junto com o Gilberto e o CFO. 

Era uma coisa “feita em casa” e funcionava ao ritmo de uma aquisição a cada um ano e meio. E outra coisa: era muito óbvio o que tinha de ser comprado – uma plataforma de e-commerce. Não tinha muito o que varrer o mercado. Havia três empresas para se comprar. Ponto 

A gente sabia que existiam cinco plataformas, duas não podiam ser compradas, restavam três e a Tray era a melhor delas. Não havia um processo tão detalhado de screening. Não tínhamos de analisar 50 empresas.

Depois do IPO, quando a gente tinha muito mais caixa e um gap de ecossistema muito grande – sabíamos que precisávamos comprar alguma coisa de ERP, logística, geração de leads – e os mercados tinham muito mais players

Como precisávamos de ajuda, designamos uma boutique de M&A externa que nos ajuda a fazer o screening no mercado. E também montamos esse comitê de M&A, que se reúne toda quinta-feira, para fazer algo um pouco mais formal. 

Tinha um porquê: sabíamos que a gente ia intensificar o volume de aquisições e que a busca não era mais tão óbvia.

Em 2012, não havia tanta gente no mercado. Em 2020, era uma enxurrada! Nós mapeamos mais de 700 empresas para comprar 15 depois do IPO. É muita coisa. Você não consegue fazer esse tipo de mapeamento só com estrutura interna 

Deixe-me contar um pouquinho como a gente vê aquisição. Lembra que eu disse que tenho muita empatia com a cultura da Locaweb? Pra gente comprar uma empresa ela tem que ter um bom produto com sinergia com nosso ecossistema; pessoas que queiram ficar com a gente; preferimos que seja de receita recorrente; e também [que] haja empatia com a nossa cultura. 

A gente entrevista os fundadores e, se não tiver empatia, não compramos a empresa. Este é um primeiro ponto. “Ah, mas isso é subjetivo!” É. 

A gente entrevista; se não bater o santo, a gente não compra. (gargalhada) Alguma coisa eu tenho de mandar: se eu não gostar, a gente não compra! 

Eu brinco que os meus cabelos brancos têm alguma experiência. Quer dizer, consigo em uma conversa de uma hora entender se são pessoas comprometidas a longo prazo ou não  

Mas além disso, quando compramos uma empresa, a gente mantém parte da cultura dela – mantemos as áreas de marketing, vendas, engenharia e produto – e integra outras áreas. Pegamos empresas que são muito cruas em termos de gestão de pessoas, gestão financeira, análise de rentabilidade; então, a gente dá uma para elas se profissionalizarem.

Tem todo esse processo, a gente integra os produtos e tenta fazer com que as pessoas permaneçam com a gente o máximo possível. Tanto é que o Willians Marques, o fundador da Tray, é hoje um dos vice-presidentes. Rodrigo Dantas, da Vindi, está com a gente também. 

A gente usa as empresas adquiridas como forte fonte de recursos humanos. Não só no C-level, como em outros níveis.

A ideia geral de aquisição era compor um portfólio de soluções. Isso nos faz pensar que não seriam adquiridas empresas com soluções concorrentes. Isso é fato ou houve exceções? Por quê?
A gente não compra produtos que sejam concorrentes diretos. Podem acontecer sobreposições, mas sempre com uma diferenciação. 

Quando a gente fala de geração de leads, por exemplo, temos empresa que faz lead por e-mail marketing e empresa que faz lead por influenciadores. São coisas diferentes.

A Tray cria plataformas de e-commerce integradas com os maiores marketplaces. A Bling, que é um ERP, não tem loja, mas se você o usa e quiser integrar com um marketplace pode fazê-lo. 

A Tray é diferente do Bling, eles têm características diferentes, mas em algum momento, ambos integram o seu estoque de produtos com o Mercado Livre e com outros marketplaces. Isso não quer dizer que eles são concorrentes diretos, porque o uso é outro. 

Além da Tray, temos uma plataforma de e-commerce chamada Bagy para [clientes] premium. Elas concorrem? Em algum momento, sim. Mas existem características da Tray que são diferentes das características do Bagy. Têm modelos comerciais diferentes, existem features diferentes.

Em um ecossistema tão completo como o nosso, você tem algumas sobreposições naturais. Eu mesmo trabalho, junto com os diretores, para deixarmos claros os papéis

 Se você quer ser líder de mercado, vai ter alguns produtos com alguma sobreposição. Isso não nos incomoda e faz parte do jogo. 

O cenário de M&A teve uma alteração em 2021, por conta do enxugamento do dinheiro que estava disponível, e o mercado de tecnologia sofreu. O que aconteceu com a estratégia de M&A de vocês?
A gente comprou muitas empresas em 2020-21… enchemos muito o nosso ecossistema. 

Foram 15 empresas em um ano e meio. Isso é muita coisa e significa que não temos mais muitos gaps no nosso ecossistema. A gente comprou o óbvio. 

Ainda tem coisa pra ser comprada? Tem. Provavelmente, o ambiente de e-commerce vai evoluir e haverá necessidade de outras compras. Mas, agora, estou mais preocupado em fazer os clientes utilizarem tudo que compramos do que enfiar pra dentro [da companhia] duas ou três novas aquisições 

Nossos clientes ainda não utilizam – da forma que eu entendo como adequada – todos os produtos. Não temos muitos clientes usando sete produtos. 

E uma das coisas fortes que a Locaweb Company tem é a venda cruzada, certo?
Eu quero mais. Acho que estamos devendo ainda, na minha percepção. Esse é o primeiro ponto.

Soma-se a isso o fato de que o mercado privado não caiu de preço. Teve a derrocada das empresas de tecnologia e quem sofreu é quem tem capital aberto, é quem tem preço em tela. 

Locaweb – e outras – caíram de preço. Mas quem tem capital fechado… vai ver o preço – não caiu! Ninguém quer marcar a preço de mercado.

A gente continua monitorando o mercado via comitê de M&A e os preços tiveram pouca correção. Ninguém corrigiu o preço que nem a gente – corrigimos 70%.

Ao juntar os fatos de termos um ecossistema completo, trabalho de cross-sell a fazer e o preço das empresas mapeadas ainda estar alto, tudo isso nos desmotiva a fazer novas aquisições, por enquanto 

Quem sabe daqui um tempo pode acontecer uma ou outra…, mas a gente não vislumbra algo muito agressivo nos próximos meses.

Essa mudança de conjuntura causou decisões duras dentro da empresa?
Faz parte da cultura da Locaweb nunca sair contratando de forma desenfreada. Mesmo em 2020 isso não aconteceu. Somos muito cuidadosos em relação a crescimento de quadro. Isso nos permitiu não precisar tomar nenhuma decisão drástica até o momento. 

No resultado do Q4 de 2022 [em relação a 2021, houve crescimento de 42,3% da receita líquida e crescimento de 31,6% na base de assinantes de plataforma de e-commerce], você percebe que, mesmo num cenário mais desafiador pelo que passamos agora, estamos conseguindo entregar margens interessantes ao segurar os nossos custos, sem trazer grande impacto para as pessoas. 

É ruim fazer layoff. Em um país com tantos encargos, se você contrata alguém, a pessoa demora três meses para produzir alguma coisa, aí você tem de mandar embora e pagar um monte de encargo… Pode acontecer, mas a palavra de ordem sempre foi cautela para contratar, para não ter de demitir. 

Em relação a Locaweb ser uma empresa listada na B3 e ter havido o desequilíbrio em 2022, o que isso significou em termos de ajustes que precisaram ser implementados?
A Locaweb cresceu muito no momento em que o mercado caiu muito. A dificuldade foi mostrar que a gente estava se reinventando para melhor – era uma empresa que faturou 380 milhões de reais no ano do IPO e este ano caminha para faturar mais de 1 bilhão de reais. Antes, o e-commerce representava 25%, hoje representa mais de 60%.

É muito difícil mostrar que, independente do cenário mais desafiador, a gente está crescendo e melhorando – fazendo um movimento contrário ao do mercado. Isso é um desafio desgastante para um CEO, para uma área de RI, para um CFO. É cansativo, porque você tem que brigar contra a maré 

Somos uma empresa que cresce dois dígitos, ano contra ano; melhoramos o portfólio de produtos; compramos empresas certas; e tem uma maré negativa. A gente entende o mercado… ele não está errado, mas não é um movimento agradável.

E tem outra coisa: temos de manter a equipe motivada. Existem planos de remuneração aqui baseados em [preço de] ações, e é óbvio que a queda no valor das ações afeta as pessoas diretamente. Então, tem todo esse lado também. 

A pandemia de Covid-19 acelerou a digitalização dos negócios que eram estritamente físicos. Hoje, qual é o desafio das PMEs que fizeram esse movimento? E como a Locaweb Company os apoia nesse sentido?
Antes da pandemia, o perfil típico do nosso cliente de e-commerce era de quem só tinha uma operação digital. Eram maioria. Era aquela pessoa que tinha decidido empreender, montar um e-commerce e vender no digital. 

O lado bom era que tinham muita exposição, volume e afinidade digital. O lado ruim era que, normalmente, se tratava de pessoas sem experiência de varejo.

O perfil pós-pandemia é de pessoas que foram empurradas para a digitalização: “Fecharam a minha loja, vou ter de vender em outro lugar”. Passamos a ter muita gente do perfil offline vindo para a digitalização, e não tanto o perfil anterior 

Esse perfil apresenta características opostas. Tem muito mais dificuldade de adequação ao digital, mas por outro lado, é um perfil bom em termos de adequação ao varejo. É alguém que já opera no varejo, sabe o que é ter estoque. 

Trocamos uma pessoa digital oriented, sem experiência no varejo, por outra com experiência no varejo e nada digital oriented. E o que mudou na nossa vida com isso? 

Esse perfil novo pós-Covid precisa de muito mais auxílio para usar os meus produtos. Ele não sabe montar uma loja online; não sabe vender no marketplace; não sabe fazer integração com Facebook, Instagram, TikTok. 

Então, mudou toda a parte de onboarding e tivemos de intensificar toda parte de e-learning, por ser um cliente muito menos adepto de tecnologia. A gente aprendeu – e ainda estamos aprendendo – a melhorar os nossos produtos e a direcionar os clientes para a parte de conteúdo. É um cliente que vai precisar de muito mais ajuda.

Por outro lado, ao ajudar esse cliente, ele tem menos risco de “morrer”, porque é uma pessoa que já tem uma operação, estoque… o varejo, para ele, não é uma novidade tão grande.

Faz sentido dizer que no Grupo Abril você viveu a transformação digital da área de comunicação e que isso seria equivalente ao que o varejo físico viveu durante a pandemia? Consegue ver semelhança nas duas situações?
Serei honesto com você: eu nunca tinha feito essa analogia [risos]. 

Mas sim, eu tive de montar a minha lojinha 25 anos atrás. Posso dizer que tive de montar uma operação para vender um produto físico na internet; fui uma loja offline e tive de montar minha loja online! 

Nunca tinha parado para pensar nisso. Faz todo sentido.

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