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“O investimento social privado precisa ultrapassar a lógica da vitrine e a tentação de investir em ações que apenas brilham nas redes sociais”

Salomão Cunha Lima - 9 jul 2025
Salomão Cunha Lima, arquiteto de soluções sociais e fundador da SAL&Co - Social Architecture Lab.
Salomão Cunha Lima - 9 jul 2025
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Muito se fala sobre captar recursos no terceiro setor como se esse fosse o grande desafio ou o principal objetivo.

Mas captar, por si só, fazendo um paralelo com a construção civil, é como erguer andaimes antes de saber o que se quer construir. Sem um projeto claro, fundações sólidas e visão de longo prazo, os recursos aplicados podem até movimentar o canteiro de obras, mas dificilmente gerarão impacto sustentável.

Assim como na arquitetura, onde cada estrutura precisa respeitar o terreno, o clima e a função do espaço, gerar impacto social sustentável e efetivo exige elaborar iniciativas que façam sentido, se integrem ao contexto e resistam ao tempo. Requer método, escuta ativa, dados, planejamento e estratégia, como na construção de qualquer estrutura duradoura

A diferença entre um projeto bonito e um projeto que gera impacto real e transformador está nesse aspecto. Um projeto que realmente seja efetivo, em uma analogia ao design de interiores, vai além da aparência para garantir conforto, funcionalidade e coerência.

O investimento social privado precisa ultrapassar a lógica da vitrine. A tentação de investir em ações que apenas brilham nas redes sociais ou nos relatórios corporativos é grande. Mas, quando não dialogam com a cultura da empresa, com seu momento organizacional ou com as demandas reais do território, essas ações tornam-se frágeis e, muitas vezes, ineficientes ao seu propósito.

Os dados falam por si. O Brasil abriga mais de 815 mil organizações da sociedade civil (dados do IPEA), que atuam em áreas diversas como educação, saúde, meio ambiente, cultura e defesa de direitos. Em paralelo, o investimento social privado ultrapassou os 5,3 bilhões de reais em 2022, segundo levantamento do BISC/GIFE.

No entanto, esse volume financeiro ainda encontra gargalos operacionais e estruturais significativos quando chega à ponta. De acordo com o Censo GIFE 2022, apenas 29% dos investidores sociais realizam avaliação de impacto de forma sistemática

Esse cenário revela uma lacuna crítica entre a aplicação de recursos e a mensuração efetiva dos resultados gerados. Em um ambiente tão complexo quanto o social, onde variáveis como desigualdade, acesso e vulnerabilidade se entrelaçam, avaliar se os objetivos foram alcançados é fundamental.

O PAPEL DO ARQUITETO DE SOLUÇÕES SOCIAIS

É justamente com o papel não só de facilitador, mas de responsável por “arquitetar” de forma consistente a ponte entre o investimento social de empresas e governos e as organizações — que já aliam a expertise para atuar junto aos territórios e populações vulnerabilizadas — que entra a figura do arquiteto de soluções sociais.

Mais do que captar recursos, seu papel é desenhar estruturas sustentáveis, coerentes e adaptáveis, capazes de resistir às turbulências do tempo e das crises, e de gerar mudanças estruturais na vida das pessoas

Essa função, no entanto, não se limita ao lado empresarial. Muitas Organizações da Sociedade Civil ainda enfrentam dificuldades estruturais para operar com governança, eficiência e mensuração de resultados.

É necessário, portanto, um trabalho conjunto de fortalecimento institucional, algo que poderia ser comparado à engenharia reversa: preparar a base para que o investimento seja eficaz, seguro e perene.

Neste cenário, as avaliações de impacto tornam-se ferramentas indispensáveis. Elas funcionam como os cálculos estruturais de uma obra: revelam o que sustenta, o que pode ruir, o que precisa ser ajustado.

Avaliar não é apenas medir resultados, mas aprender com o processo, corrigir rumos e garantir que o que está sendo construído de fato gere valor tanto para os territórios, como para as pessoas e para os investidores sociais. Sem avaliação, não há como afirmar se o impacto é real ou apenas aparente

Além disso, o crescimento da agenda ESG e a pressão por maior responsabilidade das empresas perante seus stakeholders têm ampliado a demanda por soluções sociais mais integradas e mensuráveis.

CONSTRUIR COM RESPONSABILIDADE É MAIS DO QUE UMA METÁFORA

Organizações que incorporam a dimensão social com estratégia e consistência são mais bem avaliadas por investidores, talentos e consumidores.

Isso só acontece, no entanto, quando o investimento social deixa de ser pulverizado ou pontual e passa a ser parte do “coração” do negócio, algo ainda raro em muitos setores

O desafio, portanto, não é apenas financeiro. É de qualificação técnica, de articulação intersetorial, de escuta ativa e de compromisso com a transformação.

Exige maior protagonismo dos próprios territórios, superando a lógica do assistencialismo e promovendo protagonismo comunitário.

Investimento social, quando bem projetado, exige tanto domínio técnico (de métricas, frameworks, legislação e estratégias) quanto sensibilidade humana

Implica ainda ler contextos, compreender culturas organizacionais, escutar lideranças comunitárias e transformar tudo isso em soluções concretas, com impacto mensurável e sentido coletivo.

Construir com responsabilidade é mais do que uma metáfora: significa uma prática que exige visão sistêmica, planejamento e compromisso com o legado. Não apenas com as obras realizadas, mas com as populações e organizações que se pretende transformar.

Afinal, tanto no campo social como na arquitetura, os projetos mais belos são aqueles que resistem ao tempo, acolhem histórias e mudam realidades.

 

Salomão Cunha Lima é fundador da SAL&Co – Social Architecture Lab. Atuou também como consultor internacional na EW Group (Reino Unido), liderou programas de D&I na TOTVS e articulou políticas públicas no setor de tecnologia pela Brasscom. Foi indicado ao prêmio SDG Pioneers da ONU, reconhecido pela Assembleia Legislativa e pela Câmara Municipal de São Paulo por sua atuação em direitos humanos, e listado entre os 50 principais criadores de conteúdo sobre justiça social no LinkedIn Brasil. É coautor dos livros Diversidade e Inclusão e suas Dimensões e Gestão Humanizada de Pessoas

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