“Vejo como minha filha de 13 anos se relaciona com a tecnologia. Temos a chance de ajudar essa nova geração a ressignificar a casa”

Marina Audi - 29 jun 2022
Patrícia Pessoa, Diretora de Marketing, Inovação, Digital & Customer Value na Whirlpool.
Marina Audi - 29 jun 2022
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Especialista em branding, CRM e publicidade digital, a mineira Patrícia Pessoa, 48, vem liderando iniciativas de transformação digital nos últimos dez anos.

Ela começou a carreira na área tecnológica, na época em que isso era apenas um meio de estruturar a automação e criar infraestruturas — antes de a internet dar à tecnologia a oportunidade de ser modelada e acessada por todos.

Depois, ficou dez anos na indústria automotiva, em empresas como FCA Fiat Chrysler e Jeep, vivenciando a mudança de status do carro, que perdeu a coroa para o celular como item mais desejado. Mas voltou a atuar no mercado de tecnologia na IBM, onde liderou um projeto de Inteligência Artificial.

Desde 2019, ela está na indústria de bens duráveis. Ficou um ano e meio na Samsung e ajudou a construir a força da marca. Mais recentemente, em março de 2021, chegou à Whirlpool, onde hoje ocupa o cargo de diretora de Marketing, Inovação, Digital & Customer Value.

Na Whirlpool (dona das marcas Brastemp e Consul), Patrícia é responsável, entre outras coisas, por projetos de inovação aberta através do programa INception, do LinkLab – laboratório de inovação dentro da Universidade Federal de Santa Catarina, em Joinville.

A executiva integra o grupo global de inovação da companhia conta que hoje ajuda a desenvolver os produtos que chegarão ao mercado daqui a cinco anos.

Confira a seguir a conversa de Patrícia Pessoa com o Draft.

 

Você tem dez anos de carreira na área de tecnologia e trabalhou até como programadora… Porém isso não está em seu LinkedIn. Existe alguma razão especial?
Quando o LinkedIn surgiu, eu já atuava como publicitária! Não é que eu não tenha orgulho dessa passagem. Eu até conto, mas é tão antigo que ninguém me pergunta muito!

Comecei a trabalhar muito jovem, aos 16 anos, com tecnologia. Fiz o colégio técnico, me formei em programação, tive uma empresa de tecnologia aos 20…, depois vendi. Hoje, contando, fica parecendo uma palestra TEDx, mas foi um perrengue e eu aprendi muito! (risos) 

Fui uma das primeiras publicitárias que realmente procurava saber os KPIs, os indicadores, que não tinha tanto medo dos números. Talvez tenha sido esse meu início com tecnologia, o que acabou me levando para o CRM e para o digital

Na verdade, eu nasci publicitária. Digo que não sou assim “porque sou publicitária”; eu sou publicitária, por isso sou assim. A minha mãe conta que, quando eu era muito pequena, assistia aos comerciais e não à TV…

Ela me disse que lembra exatamente o dia em que falei: “Se eu tivesse feito essa propaganda, teria feito diferente. Eu falaria isso, isso e isso”! Ela ficou espantada! Foi naquele dia que eu me vi publicitária — e não sabia ainda.

Se você tinha essa característica de observar como e sobre o que as pessoas falavam, como foi parar na área de tecnologia, no colégio técnico?
Quando fiz 15 anos, meu pai faliu uma empresa. Desde os meus 12 anos, a gente começou a passar por uma situação financeira mais difícil e eu virei bolsista nos colégios.

Aí minha mãe perguntou o que eu queria estudar. Eu disse que queria estudar mecânica de aviões… Hoje, ao contar a história, acho estranho. Sou a filha mais velha e filhas mais velhas, em geral, têm esses sonhos grandes.

Então, minha mãe falou para eu prestar a prova no colégio técnico. Tecnologia era uma coisa muito nova, pouquíssimas pessoas tinham acesso a computador, quase ninguém sabia nada a respeito. Era até difícil explicar para as pessoas o que eu estudava

Confesso que para uma pessoa muito criativa, que era o meu caso, entrar na linha do raciocínio analítico, matemático, foi muito duro no começo.

Mas aprendi a ter um raciocínio lógico. As estruturas dos processos têm que ter começo, meio e fim. Isso me fez desenvolver um raciocínio processual muito bom, que me enriqueceu do ponto de vista de gestão. 

Aí quando me formei, fui convidada para dar aula na mesma escola onde estudei — e aceitei. Vi também que havia oportunidades para um negócio de tecnologia.

Naquela época, estavam começando a manutenção remota em mainframes, treinamentos, escolas conectadas a Microsoft etc. Então, abri uma empresa com 19 para 20 anos… Era muito novinha. Se eu tivesse mais idade, talvez não tivesse feito! 

Empreendi numa época que me ensinou muito o quão difícil é empreender no Brasil e o quão difícil era a tecnologia. Financiei todos os equipamentos da empresa e, num misto de muita sorte e muito trabalho, porque eram poucas pessoas que faziam o que eu fazia, comecei a trabalhar com o Sistema S [Senai, Sesc, Sesi, Senac, Sebrae, Senar, Sest, Senat e Sescoop] de toda a região de Belo Horizonte. 

Imagine: eu era aquela menina que chegava numa reunião cheia de gente super capacitada e madura e falava como fazer para implantar um laboratório de tecnologia! 

Essa empresa durou dez anos. Eu saí um pouco antes porque comecei a fazer um MBA e vendi o negócio para um grupo de São Paulo. Com o networking do MBA, recebi um convite da FCA e fui trabalhar na iniciativa privada, nas multinacionais, aconselhada por grandes amigos mais velhos. 

Hoje em dia, para quem trabalha com tecnologia, existe uma facilidade que a minha geração não alcançou – o IPO [Initial Public Offering]. Se a gente fosse abrir uma startup, quem iria investir?

Nem de longe existia a ideia do anjo-investidor, das rodadas. A tecnologia não era tão simples e nem acessível para todo mundo — então, eu achei por bem vender [a empresa]. 

Você vendeu a empresa antes do boom da internet?
Sim, antes que a gente pudesse se comunicar e vender online. Eu olho para trás e penso: “Meu Deus, mais 15 minutos e eu teria ficado rica!”. 

Será que teria sido eu essa pessoa? Conheço gente que fez softwares de CRM. Eu programei bancos de dados, tinha a noção clara da relação entre o consumo e o consumidor, mas não juntei essas duas coisas. Isso aconteceu dois anos depois. 

Não foi como as pessoas pensam, uma evolução gradativa. Foi tão rápido quanto é hoje essa mudança dos códigos para o 5G, para a nova internet.

A gente foi crescendo incrementalmente até que a tecnologia tomasse a forma que tem hoje. Agora, estamos dando saltos um pouco mais largos. Não vou dizer “quânticos”, porque ainda não são. Mas serão!

Entre 2007 e 2017, você esteve na indústria automobilística. Este segmento sofreu grandes impactos nas últimas duas décadas, em especial em relação a geração Y e ao status de “produto mais que desejado” pelo público jovem. Ao atuar com CRM, Marketing de Relacionamento e Social Media, você sentiu as mudanças enquanto estava no meio do furacão. O que mais te impactou como profissional de comunicação?
Em relação à mudança do status do carro, sempre falo brincando que estou cansada de ser testemunha ocular da história!

Fui testemunha ocular da tecnologia. Agora, sou testemunha ocular do aspecto geracional no mundo do trabalho e no consumo (risos). 

Nesse caso, aconteceu a mesma coisa. Os millennials estavam chegando tanto no mercado de trabalho quanto no de consumo – o que fez uma grande diferença em como se encarava a produção para a nova geração e como ela encarava o valor do carro como objeto que refletia o dono. 

Até a geração X, a minha geração, você colocava a chave do seu carro em cima de uma mesa de bar e aquilo dizia quem você era – rico, pobre, moderno, chique, um tiozão…

Todos esses conceitos vinham atrelados ao carro que você dirigia. A gente costumava dizer que o carro era a roupa mais cara que uma pessoa podia vestir. O carro falava de você, antes de você descer dele.

A chegada do celular mudou o status do carro. Antes, carro era mobilidade. Agora, o celular é mobilidade, então é mais importante o celular que você coloca em cima da mesa do que a chave do carro. 

O carro deixou de ser um código importante dessa geração em diante. Na época, havia a dúvida de até quando o carro sobreviveria. O quanto essas gerações novas comprariam ou não carro.

Com a mudança desse objeto como significância para as novas gerações, o digital se tornou muito relevante. A gente precisava começar a construir marca relevante para essas pessoas, para além do produto que a gente vendia.

Antes mesmo do digital, tem a história do CRM e do marketing de relacionamento que são, exatamente, olhares para a construção de segmentos, para entender a base de clientes que você tem e que dão a noção exata se você está envelhecendo ou não.

Ter adquirido o olhar analítico de tecnologia lá atrás e ter feito CRM me ajudou a abrir os olhos da companhia para essa situação mostrando: “Olha, nossa base está envelhecendo. Estamos perdendo relevância aqui, aqui e aqui. Como é que a gente pode reconstruir isso?” 

Aí nós – eram muitos profissionais, muitos cérebros envolvidos – começamos a ressignificar o que ia ser a marca. A gente não pode ser só carro; o que mais do nosso ecossistema a gente precisa abraçar para se ressignificar e ser uma marca relevante para essas novas gerações e as vindouras?

Os riscos que a indústria automotiva corria na época eram a Uberização, as locadoras.

Tínhamos uma noção muito clara de que ficariam poucas montadoras no mercado. Então, foi uma época de incertezas enormes para a indústria.

Por outro lado, houve um enriquecimento profissional muito grande para quem estava lá, além de um amadurecimento dos profissionais de marketing que viveram aquele vale pelo qual a indústria automotiva passou e, em alguns aspectos, ainda passa. 

Nesse aspecto, entender o código cultural de cada lugar onde a marca está inserida faz todo o sentido. E aí o digital é super relevante porque consegue falar a mensagem certa para as pessoas certas.

A gente consegue adotar linguagens diferentes dependendo do target para quem se está falando, num custo que é possível ser feito.

É curioso você descrever essas transformações da indústria automotiva e compararmos com a evolução de seus cargos. Simplificando ao máximo, CRM é pegar os dados demográficos básicos e, a partir deles, montar uma estratégia de como chegar até essa pessoa, o que evoluiria para o Marketing de Relacionamento. Depois disso, vieram as mídias sociais, uma forma de se fazer isso no meio digital. Você concorda com esse caminho? Foi isso que você fez ao longo desses dez anos?
Eu vou ser um pouco ousada no que vou te dizer aqui. Às vezes, para as pessoas entenderem o que você faz, é importante colocar isso em algumas caixinhas.

Na verdade, digital, CRM, Social Media, influência, hoje a gente consegue juntar todas essas coisas num balde só. Mas o digital começou com Social Media e Customer Lifetime Value começou com CRM. É que as coisas foram se sofisticando e as pessoas foram entendendo mais sobre a audiência. 

Se pudesse voltar no tempo, diria que meu cargo era gestão de audiência. Fiz gestão de audiência a partir de CRM, do digital, do marketing, do online e do offline… E é sempre sobre o consumidor. É sobre como o consumo se dá e como a audiência lida com isso

E tem aquele efeito cardume – cada hora eles vão de um jeito, tem hora que se separam, tem hora que se juntam… e a gente tem que aprender a ler esses movimentos.

O CRM é muito bom porque te ajuda a ver padrões. Embora exista essa história de que cada um é único, existem muitos “uns” no mesmo cluster.

Hoje, ainda faço gestão de audiência, mas se disser isso as pessoas vão perguntar: “Como assim, você é mídia?”.

Essa transformação digital parece ter tomado outro nível entre 2016 e 2017, quando você voltou para a FCA e começou a fazer seleção de startups para projetos em parceria com a empresa. Pode-se dizer que antes disso, a gestão de audiência que você fazia ficava num nível mais da comunicação e do relacionamento? São mesmo dois momentos diferentes?
Quando implementei o digital, tive a sorte de estar no lugar certo e na hora certa.

Eu já tinha uma formação que fazia sentido para implementação e vinha com a ideia de trazer um digital que não fosse só para a comunicação, mas que abraçasse todo o espectro da companhia.

Entre 2013 e 2014, tive a oportunidade de me conectar com pessoas que estavam começando startups. Em 2015, vim para São Paulo fazer o lançamento de Jeep, que tinha a ver com branding.

Um ano e meio depois que o lançamento estava estabelecido, já era um sucesso, o presidente da FCA me convidou para liderar a transformação digital da companhia.

Foi nesse momento que comecei a buscar inovação aberta – na época conhecida como parceria com startups – para trazer de uma forma mais fluida as tecnologias e as inovações para dentro de uma indústria pesada de cauda longa, como é a automotiva.

Seu foco não era achar martechs ou soluções tecnológicas de startups especificamente para a comunicação?
Não. Era para a indústria como um todo. O que aconteceu foi que houve uma disformia do ponto de vista de digital em toda a indústria.

O marketing se encaminhou muito rapidamente para o digital — e a partir dele. É como se a gente tivesse ficado com um braço muito forte e o outro um pouco atrofiado. 

Esse movimento de transformação digital da indústria não é uma coisa avant-garde [de vanguarda]. É mais tipo: “Precisamos correr atrás do prejuízo”.

De um lado, já se tinha andado pra caramba com as martechs e toda a parte de tecnologia para a comunicação. Já havia o conceito bem implementado de mídia de performance, mídia de segmentação e de tudo que se vê sob o ponto de vista de veículos. Google e Facebook já eram grandes, mas o resto da indústria não seguiu na mesma velocidade.

Fazer essa transformação digital numa indústria é absolutamente complicado, porque você lida com vidas, com o custo de produto e investimento em inovação e tecnologia pesadíssimos. Então, o caminho mais rápido seria fazer esse mergulho nas startups

E no fim do dia, as startups conversavam com o consumidor, com o mesmo cara que compra o telefone, usa o banco e compra o carro.

Então, pensamos o que a gente poderia fazer para criar um ecossistema que fizesse sentido para esse cara, para que ele consiga, de dentro do carro, resolver os problemas do banco, por exemplo. O pensamento inicial foi esse.

Hoje, é muito fácil contar a história porque esse é o jornal da segunda-feira [passada]. Na época, era bem difícil enxergar, era um risco.

Costumo dizer que, muitas vezes, eu, meu time, meus parceiros e até meus concorrentes estávamos certos muito antes da hora, porque não havia tecnologia disponível… Outra hora não havia budget disponível, outra hora não havia infraestrutura disponível. Tem muita coisa que a gente sonhou lá atrás que só é possível hoje, com o 5G

Eu poderia glamourizar a história, mas ela é tão simples quanto essa. A gente precisava correr atrás do prejuízo.

Depois de anos trabalhando em marcas de automóveis, você foi para a IBM, onde trabalhou com Inteligência Artificial. Como foi voltar a ter contato com tecnologia? Que tipo de projetos você tocava por lá?
Essa história é interessantíssima, porque o povo achou que eu estava bem doida!

Em 2016, quando estava no curso de Economia Digital na The Wharton School, pouca gente tinha, de fato, “cheirado o queijo” da tecnologia, do digital. Então, era natural que os poucos que tivessem feito isso se destacassem.

Wharton foi um lugar que mudou muito a minha cabeça. Ali, os professores são pessoas que escrevem os livros que ficam na lista dos mais vendidos do New York Times

Um dos professores percebeu que eu sabia muito. Ele me chamou e fez um quadrante e traçou um contexto macroeconômico para dizer que eu deveria estar trabalhando em empresas de gestão de audiência.

Mas como eu era da indústria, sugeriu que eu passasse por uma indústria de tecnologia para entender como a tecnologia que eu aplicava era construída. Porque para sair do elevador numa empresa de gestão de audiência, eu já precisaria ter um outro jargão, um outro dicionário. 

Na hora, eu pensei: “Ele nem sabe que eu já fui lá e não quero voltar”. Mas achei que o professor era inteligente e tinha falado coisas que faziam sentido. O convite da IBM aconteceu bem na sequência e ponderei que devia aceitar, porque não era mais a mesma tecnologia.

Entrei na IBM como líder de transformação digital para a indústria em geral. Fui fazer exatamente para toda a indústria o que eu tinha feito na Fiat – mapear o ecossistema e entender como ele seria digitalizado, ou seja, mapear a transformação digital e implementá-la

Só que eu tinha um background tão grande em [setor] automotivo que era natural que me puxassem para projetos no segmento.

Aí fui liderar o processo do Manual Cognitivo para Volkswagen, um projeto que eu tinha concebido na Fiat para ajudar a melhorar a vida dos usuários de carro. 

Esse manual é uma feature do produto que toca o consumidor porque facilita muito a vida dele. Quando você comprava um carro e acendia uma luz-espia no painel e você não sabia o que era, tinha que abrir o manual impresso.

Esse foi o pinpoint inicial que mapeei e me trouxe para esse produto de poder falar no celular: “Como trocar um pneu?”. Foi assim que nasceu o manual cognitivo, que tinha reconhecimento visual. Era só apontar o telefone para o painel que ele reconhecia essa luz-espia e dizia o que estava acontecendo no carro. 

Na Volkswagen, eles tiveram a clareza de ouvir isso e implementar. Na indústria automotiva, ninguém ainda tinha falado que era digital. A marca que falasse primeiro iria tomar conta desse espaço e os outros teriam que seguir, estando certo ou errado.

E a VW foi muito feliz usando o Manual Digital Cognitivo para fazer isso. O Pablo Di Si, que era o CEO e hoje é chairman do conselho, é muito visionário. Ele ouviu, entendeu e a comunicação foi voltada para esse Manual Digital Cognitivo.

No evento de lançamento do Virtus, a principal feature do produto foi esse manual. Depois, ele começou a fazer parte de todos os produtos. 

Isso é uma coisa tão simples, então por que começar por aí? Porque isso toca o consumidor de uma forma muito importante. Você não precisa mudar nada no produto e acaba envolvendo os dealers, que no ecossistema das montadoras é algo muito importante — aqui na Whirlpool é o equivalente aos varejistas

Tudo que a gente puder fazer no mundo digital para conectar todas as pontas de uma forma seemly, sem muita dor, sem muito custo, que facilite a vida especialmente do consumidor, vai ser adotado com muita facilidade. E foi isso que aconteceu com esse manual.

Depois da IBM você passou um ano e meio na Samsung como diretora de Comunicação e Marketing na Divisão de Consumer Electronics, onde lançou a tecnologia QLED e fomentou patrocínio de e-sports. Essa já é uma indústria que acelerou no digital no mesmo passo que o marketing. Como você chegou a Samsung e o que trouxe de lá para a cadeira em que se senta agora na Whirlpool?
Eu cheguei na Samsung como uma profissional e uma pessoa mais madura. Já sentava numa cadeira de diretoria, pronta para aquilo, porque vinha acumulando conhecimentos de branding, digital e de tecnologia que faziam sentido ali, uma vez que a Samsung é uma empresa de hardware que já faz software. Ela mistura bem esses dois pontos. 

Primeiro, em todas as empresas em que você está é preciso olhar para a cultura – e essa é a coisa mais difícil de fazer. Quanto mais você se reconhecer naquela cultura, mais identificado você vai ficar com aquela empresa

A cultura coreana mistura muito do passado – hierarquia e respeito à história – e modernidade. Quando você chega à Coreia do Sul, pensa: “Meu Deus, quem é Nova York?”. A Coreia do Sul é um lugar que está, literalmente, 12 horas à frente de todo mundo [ocidental] e, ao mesmo tempo, respeita muito a própria cultura.

E por conta da cultura, as empresas coreanas competem entre si – a LG compete com a Samsung. No caso de Consumer Electronics, a gente tinha uma situação muito parelha em desenvolvimento de produto, então, o ponto ali era criar uma diferenciação de marca desde o primeiro contato no digital até o ponto de venda.

Tudo o que eu fiz a vida inteira foi só conectar os pontos. Eu entendia um bocadinho de ponto de venda, bastante de branding, um tanto de digital, outro tanto de relacionamento e juntei isso tudo – junto com um time excelente e parceiros muito fortes 

No final, quando deixei a empresa, a gente já estava com uma precificação acima da LG e com produtos que criavam desejo – algo que aprendi na indústria automotiva. 

Como é seu mandato na Whirlpool? O que significa liderar a área de Consumer & Innovation?
Brastemp e Consul são líderes disparadas nos segmentos onde atuam. Quando recebi o convite para vir para cá, questionei o que tinha para fazer com essas marcas tão poderosas.

Mas eu vim, primeiro, para cuidar de inovação, digital e Customer Lifetime Value, porque a indústria precisa colocar o consumidor no centro. Esse foi um trabalho que comecei lá na indústria automotiva – e acho até que deixei um legado positivo. 

Aqui, a gente trabalha muito para fazer a mesma coisa, porque naturalmente a indústria de bens duráveis é “drivada” por produto. É a robustez do produto que constrói toda a força de marca. 

Existe a identificação do brasileiro com a Brastemp – marca que acompanha as famílias e tem uma história de décadas no país – e a Consul também traz uma brasilidade muito grande, na própria marca.

Brastemp é aquele produto que não decepciona, por isso passou tão positivamente pelo mote: “Não é uma Brastemp”, que virou quase uma parte do repertório de jargões do brasileiro [em 1991, surgiu a campanha criada pela agência Talent, que foi tema da comunicação da marca até 2003]. 

O meu objetivo é dar continuidade a esse respeito que se tem ao produto – que é absoluto em relação a qualidade, a estar na ponta.

Eu venho trazer esse tempero de “vamos colocar os consumidores no centro disso tudo e criar produtos – sejam eles físicos ou digitais – para atender a demanda deles”. Não só aquela pessoa que já está com a gente historicamente, que já nos conhece e nos respeita, mas também aquela que está vindo 

Tenho uma filha de 13 anos e vejo como ela se relaciona com a tecnologia, com as aplicações, marcas e produtos dos quais ela gosta, porque daqui a sete anos será ela comprando uma geladeira.

Que tipo de produto precisa ser produzido hoje? E qual é a linguagem que a gente usa para chegar nesse pessoal para que, daqui a dez ou vinte anos, a gente continue relevante? É construir uma relevância ainda maior, construir essa ponte com essa nova geração. 

A passagem que tive no mercado de carros, em que vi a mudança geracional, me dá um pouco de estofo para entender como podemos fazer essa mudança geracional também nas casas. Acho que a pandemia ressignificou muito a casa e a importância dos produtos que a gente tem dentro dela também.

Hoje, quando converso com você [por videochamada], talvez em 70% das minhas interações você esteja vendo a minha casa atrás. Não é mais o meu celular que está falando de mim, mas sim a geladeira.

Fomos obrigados a abrir nossas casas para as pessoas, uma coisa que era íntima. Antes, na rua, eu mostrava o que eu queria para as pessoas – a roupa, o cabelo… Você podia viver esse personagem. Agora, sua casa conta muito quem é você.

Acho que a gente tem a oportunidade de ajudar essa nova geração a ressignificar a casa. É uma geração, por exemplo, que gosta de dividir, quer viver o share living. Como a gente pode criar produtos e serviços que tragam isso?

Como trazer produtos que entendam esse Zeitgeist que está rolando aqui agora e que a pandemia deixou urgente, que é: precisamos cuidar do lugar onde a gente está

Afinal de contas, a gente não joga nada fora [do planeta]. “Fora” é aqui também! Como a gente cuida desse lugar que é a nossa única casa? No fim do dia, todo mundo mora numa casa só. Então, precisamos dar respostas para tudo isso.

Você pode explicar melhor o que é essa parte de inovação que você lidera? Quais projetos estão sob sua responsabilidade?
Eu estou à frente do desenvolvimento e inovações de todos os produtos Consul e Brastemp – fogões, máquinas de lavar, refrigeradores e specials como Wine Cooler e Beer Cooler.

Hoje, a gente está discutindo e aprovando os produtos físicos e produtos digitais que vão ser vendidos em 2027

Daqui a algum tempo a gente vai sair com um produto digital muito interessante – que ainda é um segredo –, e talvez vá fazer sentido para todo mundo, inclusive para as novas gerações.

Um dos projetos recentes é o de desenvolvimento de adesivos táteis, um exemplo dessa capacidade que temos de entender uma demanda clara de uma fatia específica de consumidores, de pessoas que usam cozinha, mas que precisavam de um atendimento muito diferenciado.

Do ponto de vista de inovação, ele foi ultra rápido, saiu em dois meses, porque é simples. Ele já está pronto e disponível. Foram, inclusive, distribuídos inicialmente para ONGs.

Esse foi um projeto que nasceu no coração e no desejo do nosso presidente Latam João Carlos Brega, que é super antenado com essas causas. Nós dissemos que era super possível e muito rápido de fazer. Colocamos o time interno para trabalhar.

Desenvolvemos também em parceria com uma agência, o projeto de realidade aumentada de Consul [a ferramenta pode ser encontrada como um filtro no Instagram de Consul, que permite ao consumidor ver como o produto ficaria em sua casa, e também pelo site].

Esse projeto nasceu para trazer uma solução para o trade. Todo mundo, quando vai comprar um produto, quer entender como aquilo ficaria na sua casa. Então, desenvolvemos uma ferramenta de realidade aumentada para o cliente projetar esse produto dentro da sua casa

E também existe uma casa de realidade aumentada em que é possível visitar os ambientes e ver os produtos ali colocados. Isso está disponível no nosso site.

Esses são projeto simples de se desenvolver quando comparados ao de um produto novo que, a depender do nível de complexidade, pode chegar até 20 meses, porque um produto físico envolve planta, produção etc. 

A realidade aumentada é muito mais rápida do que isto, porque é uma API que está disponível para as pessoas usarem.

Essa é a beleza – poder pegar as tecnologias e a estrutura que estão disponíveis e saber aplicar aquilo de uma forma que faça sentido para o seu consumidor.

Você tem uma equipe de desenvolvedores fora de P&D?
Sim, a parte de inovação da Whirlpool é muito complexa. O grupo de inovação é global e muito grande, com uma engenharia e um grupo de design gigantes.

Eu, para inovação de produtos, também estou conectada no grupo global para discutir os produtos globalmente. Sei qual é o pipeline de inovação da Ásia e, às vezes, olho e percebo que aquele produto também faz sentido para cá, então proponho desenvolvermos juntos. E, depois, esse produto vai ser produzido numa fábrica na Itália, o que não tem nenhum problema. 

Isso nos coloca à frente, porque nos dá velocidade, e conseguimos trazer um produto que está acontecendo agora nos Estados Unidos para o Brasil. Ao mesmo tempo, isso traz para nós esse senso de unidade de marca. 

E tenho também os engenheiros locais, um time de inovação bem grande que faz exatamente essa conexão de entender o que o mercado quer, para onde vai, o que o consumidor deseja — e transformar isso em produtos. Às vezes, vamos transformar isso em produto digital; outras, em produto físico. 

O programa de inovação aberta INception e o LinkLab estão abaixo de você? O que são eles?
Sim. O INception são as anteninhas que temos aí fora para ler as startups e entender o que que faz sentido para a a empresa, se devíamos estar junto, investindo e fazendo, enfim, para onde é que isso vai e o que deveríamos desenvolver sozinhos, no que é preciso de fato investir. Temos cerca de dez projetos, entre MVPs e pequenas startups já rodando.

Vou dar um exemplo que nasceu com Open Innovation. Há pouquíssimo tempo, mapeamos que havia uma necessidade do consumidor de dar encaminhamento para os produtos que são substituídos.

Se eu compro uma geladeira, o que faço com a antiga que está aqui na minha casa? Vou vender ou quero doar? O que vou fazer se quiser vender?

Então, começamos a incubar internamente, a partir de análises do mercado e de outras empresas que existem fora do país, um projeto que estamos testando para vender esses produtos. 

Se você comprou uma geladeira e quer vender a antiga, a gente vai dar todas as ferramentas e infraestrutura tecnológica para te ajudar

Já o LinkLab trata das parcerias com as universidades. Temos um LinkLab no Campus de Joinville da Universidade Federal de Santa Catarina, onde desenvolvemos tecnologia de ponta para refrigeração. 

No inovabra habitat, temos uma sala onde obtemos acesso muito mais rápido a todas essas startups que estão rolando aí.

Em outras ocasiões, você comentou ser defensora do conceito de ageless. Por outro lado, as mídias digitais trouxerem a hiper segmentação. Na sua opinião, como uma coisa se encaixa com a outra? E como isso se aplica às marcas da Whirlpool das quais você cuida no Brasil? Você mencionou antes que já está olhando o desenvolvimento de produtos a serem lançados daqui a cinco anos. Existe o ageless aí também?
Quando se fala de gente, sim. Quando o assunto são produtos físicos, eu não sei. 

Ontem, uma pessoa me disse que a mãe dela tem uma máquina de lavar Brastemp há 25 anos e que só vai trocar por outra se for Brastemp.

Então, o produto pode ou não entrar nesse conceito, vai depender da forma como você quer sua casa, da relação que você tem com o mundo e com o produto, o quanto é importante ter um produto up to date

Acho que já começamos essa era ageless há um tempão. É muito difícil olhar para uma pessoa hoje e falar a idade dela. Alguns produtos podem não ser datados também para sempre. É muito difícil olhar para um iPhone e falar de que ano ele é

Mas para as pessoas, eu acho isso absolutamente significativo, porque embora exista a hiper segmentação e os veículos, especialmente os de mídias sociais, pretendam se dizer específicos para uma idade, isso não é verdade. Veja o caso do TikTok.

Todas as pessoas têm acesso à tecnologia e as mídias sociais dão trânsito para todo mundo. A estrutura da informação vai tornar tudo cada vez mais fluido.

Havia uma barreira muito grande de diálogo entre as pessoas, talvez, até a geração da minha mãe. O que a minha mãe pensava era absolutamente diferente do que a mãe dela pensava, que era absolutamente diferente do que a avó dela pensava. Esses cortes geracionais eram muito claros. 

Hoje, embora a gente tenha características específicas de pessoas da geração X, Y e Z, eu vejo, claramente, traços de geração Z em pessoas que são de geração Y e vice-versa.

O mundo está caminhando para uma fluidez maior no conceito de idade temporal, e isso é muito positivo. É nesse contexto que acredito que idade nem deveria mais ser tão considerada

Mas sempre vai existir essa venda de que aquilo ali é para o fulano de tal do segmento tal. E você vai sempre achar um grupo de pessoas absolutamente inesperado dentro daquele que parece a massa dos jovens. É natural que a linguagem se posicione. 

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