“Hoje, vejo que foi um arranhão, mas na época foi uma bomba atômica… Ali, aprendi o poder de ter um time unido e um norte muito claro”

Marina Audi - 15 jun 2022
Pedro Conrade, CEO e fundador da Neon.
Marina Audi - 15 jun 2022
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Regras costumam ter exceções. Por exemplo, pesquisas indicam que as chances de sucesso aumentam quando os empreendedores têm mais idade e, portanto, mais experiência e maturidade. 

No ecossistema brasileiro de fintechs, um desses pontos fora da curva é Pedro Conrade, 30, fundador e CEO da Neon – empresa criada em 2016 como a primeira conta digital do país aberta 100% por meio de aplicativo.

Pedro abriu seu primeiro negócio aos 16: uma loja de biquínis em Guarujá (SP), onde nasceu. Seis anos depois, aos 22, já tinha passado pela Empresa Júnior FGV e empreendido dois outros negócios próprios: o Reurbano, projeto de compras coletivas, e a venture builder Startup House Brasil. 

Aí, inconformado com um episódio em que foi penalizado pelo banco onde era correntista por ter ultrapassado em 1 real seu limite do cheque especial, ele decidiu desbravar o universo financeiro. Era 2014 e assim nasceu a Control.ly, cujo serviço era um cartão de débito pré-pago, totalmente gerenciado por um aplicativo no celular. 

Dois anos depois, esse app se transformou na Neon, que surgiu com a missão de unir tecnologia e design para redesenhar e simplificar a experiência financeira das pessoas.

Hoje, a fintech tem 1 800 colaboradores e mais de 15 milhões de clientes (entre pessoas físicas e jurídicas). Em 2021, cresceu três vezes – e a previsão para este ano é mais do que dobrar o faturamento. 

Recentemente, em fevereiro de 2022, ao captar a rodada de investimento série D no valor de 300 milhões de dólares com o banco espanhol BBVA, a Neon atingiu o status de unicórnio.

Na conversa descontraída que teve com o Draft, Pedro Conrade falou sobre sua jornada empreendedora e como faz questão de se manter próximo ao cliente. Confira:

 

Aos 16, você montou uma loja de biquínis, em Guarujá (SP), abastecida com produtos comprados no bairro do Brás, na capital, e revendidos pelo dobro do preço. Nessa iniciativa, contou com a ajuda de seu pai, Edson Conrade. De onde veio esse ímpeto empreendedor?
Meu pai foi minha inspiração – infelizmente, eu o perdi cedo – e ainda é para muitas coisas. É engraçado… nunca pensei em não ser empreendedor. Nunca pensei em outra coisa, pra mim sempre foi natural. 

Meu pai era um empreendedor raiz – naquela época não chamava “empreendedor”, chamava empresário –, passou pela ditadura, pelo governo Collor… e sobreviveu a todos.

Ele era de origem super humilde, nascido em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo… engraxou sapato, vendeu verdura na feira e foi arranjando trabalho, crescendo. Teve diversos negócios, loja de veículo, construtora, marmoraria… e eu vivi muito perto dele, indo em cafezinho, reunião, vendo-o conversar com as pessoas. 

Ele me ensinou a vender, falar com o cliente, essas coisas básicas que são importantes. Ele me criou assim. Nunca pensei em trabalhar numa empresa. O meu ideal era abrir um negócio, como meu pai tinha feito 

E ele me ajudou a montar a loja de biquíni, que me ensinou muito sobre relação interpessoal. Eu tinha vendedoras lá e tive de aprender a lidar com elas, que eram mais velhas do que eu, e ensiná-las a vender. Foi poderoso e importante pra minha jornada. 

Mesmo tendo empreendido tão cedo, você prometeu ao seu pai que faria faculdade e, em 2011, se mudou para São Paulo para cursar administração na Fundação Getulio Vargas. O que você aprendeu de mais relevante no meio acadêmico – tanto na FGV quanto no Babson College, onde foi bolsista do programa de empreendedorismo – para os seus negócios que vieram a seguir?
A primeira coisa que aprendi na faculdade, e que me impactou, foi ampliar os horizontes. Eu era do Guarujá, andava de bicicleta, vendia biquíni e nunca tinha ouvido falar de banco de investimento, consultoria, empresas do mundo corporativo. Meu pai era informal, não era estruturado, não teve uma superformação. Ele tinha o feeling de sair fazendo e aprendendo.

Na faculdade, você aprende estrutura – o que é uma empresa, um balanço, alavancagem, empréstimo, funil de vendas. A FGV me ajudou muito a ampliar o horizonte, entender tipos de empresas e de mercados. O que é uma empresa listada [na Bolsa de Valores]… 

Até coisas um pouco mais simples de metodologias, de como se estruturar e pensar. Por exemplo, eu não tinha noção da diferença entre equity e capital, que é muito importante para se escalar o negócio.

Foi nessa época ou depois que você começou a entender que a execução é mais importante que a ideia do negócio?
Foi na Startup House, na Babson… Vou contar um caso emblemático da Babson que me marcou mais que qualquer aula. 

Um dia eu estava saindo do dormitório para tomar café da manhã e tinha um aluno tentando me vender uma garrafinha de shake, que integrava com um aplicativo. Ele me pediu feedback, perguntou se eu pagaria 50 dólares. Eu pensei: “Isso é empreendedorismo, é raça, é estar logo cedo vendendo, falando com o cliente. Não é pensar a teoria…” E a Startup House foi uma solidificação disso. 

Tem muita gente com ideias brilhantes que não saem do papel. Elas ficam lustrando e polindo a ideia e nunca tiram do papel. Talvez o jeito mais fácil seja sair, testar, ver se funciona, voltar e rever 

É muito do que eu prego até hoje, aqui na Neon. Em uma reunião recente, me disseram que estavam pensando em um modelo. Eu disse: “Gente, parem de pensar. Falem com o cliente lá na ponta. Ele vai responder na hora do que ele precisa!” 

Estou simplificando, porque nem todos os desafios são assim. Mas, no geral, enquanto você fica filosofando, o executor já testou várias coisas, está fazendo a receita e indo embora. 

Quando você passou a ter a visão da tecnologia como core business? Foi no Reurbano? Pra ser sincero, até o comecinho da Neon acho que eu não tinha noção… 

Aprendi na Startup House que se o seu business é de tecnologia – no qual seu produto ou a interface com os clientes é digital –, é muito importante ter, internamente, um núcleo de tecnologia, dentro da empresa, comprometido com aquele desafio [em vez de terceirizar esse time]. Mas isso é diferente de entender tecnologia como geração de valor. 

Uma coisa é usar a tecnologia como um meio. Já usar a tecnologia para geração de valor envolve usar dados, tecnologia, design de produto, UX… com isso tudo combinado, você cria valor na empresa 

A primeira vez que a gente fez isso na Neon foi quando fomos os primeiros a conseguir fazer abertura de conta digital, de ponta a ponta, porque não pensamos separadamente, isso aqui é tecnologia, isso aqui é produto e isso é design… A gente [em vez disso] pensou: o que o cliente precisa fazer é isso, então formatamos e conseguimos fazer o primeiro processo de abertura de conta [100% digital]. 

E ainda tem poucas empresas no Brasil que fazem tecnologia. A maior parte utiliza tecnologia como um canal, como eu fiz no Reurbano e na Startup House. Mas tecnologia hard code ainda são poucas. 

A Neon está nesse caminho. Queremos criar tecnologia, porque daí o crescimento é de fato exponencial.

Aos 21, você montou um venture builder, a Startup House Brasil. Na época, 2013, esse modelo não era comum por aqui… Parecia que você se encaminhava para ser um investidor, mas em vez disso optou pela jornada de fundador e criou a Neon. Por que essa escolha de rota?
É legal falar que tanto a ideia do Reurbano quanto a da Startup House não foi minha, foi de meu amigo Felipe Lachowski. Ele era a cabeça inovadora. Eu era muito novo, estava aprendendo e fui junto com ele. 

Ali, a minha capacidade era muito mais de executar e muito menos de pensar modelos. A primeira ideia mais madura que eu consegui ter foi a Neon. Ela, de fato, nasceu, maturou na minha cabeça e virou realidade.

Aprendi muito na Startup House, foi uma escola. Um dos benefícios de [estar em] fundos é que eles são diversificados, olham tudo de longe, veem o que está funcionando e colocam mais recurso ali. Se não está funcionando, tiram 

Lá na Startup House, tive essa sensação de poder ver entre 18 empresas o que funcionou e o que não funcionou. Cheguei à conclusão de que as que mais funcionaram eram as que tinham um time de fundadores mais azeitado, comprometido e capaz. 

Ficou evidente pra mim que a ideia da empresa muda muito no começo – e mesmo [mais] pra frente. O modo de fazer receita, a marca… tudo muda. Mas o time que começa, aquele pequeno núcleo, faz muita diferença e é mais difícil de mudar. Tanto que muitas empresas morrem por conta desse time, quando as pessoas brigam, não se entendem, não se alinham. 

Eu preferiria ter tido mais founders na Neon. Infelizmente, fui só eu e tem um lado dolorido disso. Tem o lado de eu não brigar comigo mesmo, pelo menos (risos). Mas ter um time de fundadores conciso, forte e alinhado significa muito.

Adoro conversar com alunos que estão começando empresas, me energiza muito. Vejo que eles pegam amigos de faculdade pra começar com eles – e acho que isso é um risco. 

Entre o C-level da Neon, desde o começo, fui – e sou até hoje – o mais novo e o mais inexperiente. As primeiras oito pessoas que trouxe pra Neon tinham muito mais experiência e bagagem que eu 

A experiência se complementa com o time. É isso que eu consegui fazer de melhor, e tento fazer todo dia. 

A Neon trouxe, de cara, algumas inovações tecnológicas: abertura de conta de forma 100% digital; todas as operações via app; reconhecimento facial no lugar de senha; transferência de dinheiro pela Siri no iPhone; além de dar cartão de débito internacional convencional (de plástico), cartão virtual para compras online e isenção de taxa de manutenção de conta. Quais foram os acertos e erros no go to market desse produto inicial?
Nossa, há muito mais erros que acertos. Vou pegar esse exemplo da transferência via Siri. Fomos a primeira fintech do mundo a fazer isso – mas ninguém usava! A gente achava legal, mas não agregava valor pro nosso cliente, ainda mais porque a maior parte deles usa o sistema Android. 

Esse foi um exemplo de aprendizado, de entender, de fato, o que gera valor. Às vezes, temos de tomar cuidado para não fazer coisas que a gente acha legal para o cliente – a funcionalidade “nice to have” – e [em vez disso] se dedicar ao “must have”

A segunda coisa que aprendemos da forma mais dura é que quando você lança um produto, o trabalho com ele só aumenta. 

Vamos supor que a gente lançou o cartão virtual. Não adianta lançá-lo, colocá-lo no ar e pegar aquele time para fazer outras coisas… Pelo contrário – esse time tem que crescer, você tem que aumentar as funcionalidades, a venda, a rentabilidade, então, o trabalho só vai aumentar. 

No começo, a gente quis colocar muitos produtos muito rapidamente e esquecemos que tinha de dar continuidade. Quando começamos a ganhar escala, todos os produtos tinham coisinhas pra consertar, melhorar… havia produtos incompletos, e a gente não tinha fôlego 

Lançamos um monte de coisas e, depois, ficamos um monte de tempo – perdemos cerca de três anos nisso – arrumando e melhorando o que a gente já tinha… Até que equilibramos o [tamanho e a capacidade do] time com a quantidade de produtos. Aí, voltamos a lançar novos produtos.

Você está falando especificamente sobre time de tecnologia ou isso envolve marketing e outras áreas?
Envolve tudo, porque a empresa inteira funciona com squads multidisciplinares em unidades de negócio. 

Por exemplo, lançamos o cartão virtual e 10% da base usava o produto. Aí quisemos aumentar para 20% da base, mas daí tinha de fazer campanha, promover… tem que ofertar em algum momento, explicar como funciona. É um time de CRM e marketing olhando para aquele produto. 

Outro caso que pode acontecer é a mudança de norma, de como o cartão virtual pode funcionar. Então, Regulatório, Jurídico e também Compliance têm de estar atentos a isso, porque vai ter de mudar o produto. 

No começo, [esse tipo de situação] acontecia pela minha ingenuidade e por estarmos desbravando o mercado – “abrindo com facão” para descobrir onde estavam os bichos, os problemas. 

Felizmente, depois que conseguimos ter mais capital e a empresa foi criando proporções, a gente equilibrou o time versus produtos. 

O público-alvo de vocês continua o mesmo do começo da empresa, jovens nas classes C e D? Ou o target mudou, considerando o empobrecimento dessa população em anos recentes?
O target é muito semelhante ao do começo, com a ressalva de que, pra nós, jovem é mais o estado de espírito e o comportamento do que a idade. 

A nossa média de idade aumenta todo ano, porque a gente acompanha a evolução dessas pessoas. Então, se alguém começou com a gente aos 25, hoje já tem 31.

Antes, a gente falava do jovem porque, no começo, o banco digital era uma supernovidade e os early adopters eram mais jovens. Agora, todo mundo tem aplicativo do banco no celular… então, estamos com o espectro mais amplo do ponto de vista de idade

Do ponto de vista de renda, sempre estamos focados no trabalhador brasileiro. E é justamente porque eles perderam renda nesses últimos dois anos que a gente quer ficar, ainda mais, aqui. 

Não estamos oferecendo serviços para quem já é bem servido e atendido pelos outros players. E quando o bicho pega, esses são os esquecidos – e a gente sempre vai ficar com os esquecidos. 

Se, um dia, todo mundo estiver superbem atendido, talvez a gente não tenha mais razão de existir. Mas isso está longe, ainda temos uma missão de muitos anos… algumas décadas 

Queremos atender a pessoa mais mal atendida, quem está negativado, quem tem o score [de crédito] ruim, quem não sabe lidar com dinheiro… 

As pessoas não entendem… você acha que alguém quis ficar negativado? Você acha que alguém quis ficar devendo? Não, ninguém quer ficar devendo! Acontece porque a pessoa não entende, porque ficou caro, porque o produto não foi moldado.

É fácil fazer isso? Não é fácil. É complexo e leva tempo. Mas a estamos fazendo. Aos poucos, estamos ajudando as pessoas a terem um caminho saudável pro crédito 

Queremos, sim, continuar nesse segmento, ajudando essas pessoas a terem uma melhor vida financeira. 

Ao longo de sete anos de empresa, que outras inovações de produto você destaca? E por que elas aconteceram?
Tem muitas pequenas [inovações]. As grandes tacadas são mais complexas. Elas vêm de um entendimento do econômico do produto, da necessidade do cliente. 

Mas o cliente não diz “eu preciso de um consignado”. Ele diz: “Preciso de um empréstimo, de um dinheiro a mais, estou endividado”. Aí você vai entender se ele tem uma reserva, se guarda dinheiro, e onde. Daí você sugere que ele use esse dinheiro como colateral. É assim que começa. 

Vou dar dois exemplos simples que são bem emblemáticos e explicam como é importante esse trato com o cliente.

O porteiro do prédio aqui ao lado usa a Neon. Um dia, ele falou pra mim: “Queria depositar em dinheiro e não estou conseguindo”. Perguntei se ele já tinha visto que tem uma área de depósitos dentro do app. Ele respondeu que lá só falava pra depositar via boleto, TED ou Pix 

Só que a ideia [por trás daquela funcionalidade] é você pegar o boleto, ir até uma lotérica ou qualquer recebedor de crédito e pagar o boleto em dinheiro [para cair na sua conta da Neon]. Ele estava certo, estava difícil [de entender]! 

Então, o que a gente fez? Mudamos de “boleto” para “em dinheiro”. O boleto é o meio pelo qual ele vai depositar em dinheiro. Agora, ficou muito mais fácil, porque ninguém quer depositar um boleto. As pessoas querem depositar em dinheiro e usam o boleto pra pagar e cair na conta. 

Esse é um exemplo de como é importante estar perto do cliente. Dentro do escritório, nunca veríamos isso, porque a gente estava acostumado.

O outro exemplo é… eu faço vários atendimentos pelo chat da Neon – aparece um nome fake lá. Aí um cliente me disse que estava tentando antecipar o pagamento de uma compra parcelada que ele tinha feito. Eu sugeri que ele pré-pagasse e ele explicou que queria fazer uma compra maior e precisava de um limite maior. 

Eu nunca pensaria que ele queria aumentar o limite pra fazer logo uma compra… São coisas que você só percebe falando com o cliente. Agora, temos um jeito de pré-pagar as faturas. É uma pequena funcionalidade – mas é uma superinovação 

São melhorias de funcionalidade, que levantam a contratação dos produtos. 

Em 2017, você trouxe dois sócios que já tinham uma bagagem maior de mercado: Jean Sigrist (atualmente na presidência do Conselho de Administração), que teve uma passagem de anos no Itaú, e Norberto Giangrande (Conselheiro e Investidor). Como foi esse encontro de gerações e de vivências?
Eu conheci o Jean porque o irmão dele – Patrick Sigrist – foi investidor-anjo da Neon. Antes de o Patrick investir, ele pediu que eu fosse falar com o Jean, para saber o que ele achava.

Eu fui a primeira vez e o Jean disse: “Moleque, você não tem ideia do que está fazendo!” Ele fez 200 perguntas e eu não sabia do que ele estava falando, eu não tinha noção. Saí de lá triste. Jean disse ao Patrick que achava o investimento “uma cagada”. 

Patrick respondeu que tinha gostado de mim e investiria mesmo assim. E eu passei a usar o Jean como uma enciclopédia, para pegar o conhecimento dele. Eu perguntava se ele tinha um tempo pra conversar e ele sempre me atendia. E toda vez que eu ia lá, [ele] tinha um monte de perguntas que eu não sabia responder. 

Um dia, o convidei para vir pro Conselho, me ajudar mais de perto. Jean veio e convidou o Norberto. O Jean foi se envolvendo cada vez mais. Ficou um ano e meio part time, depois entrou pra operação como COO. Daí eu o convidei para assumir como CEO. Ele ficou dois anos e, em janeiro, voltou para o Conselho e eu reassumi como CEO.

De fato, no começo foi um choque. Eu tinha 25 anos e “saía fazendo”, enquanto o Jean falava pra eu ter calma, organizar, pensar no processo, porque afinal era uma empresa financeira. E isso foi muito importante. Se não tivesse havido isso, a empresa teria pegado fogo 

Jean trouxe qualidade e profundidade para as discussões. Deu a contribuição de olhar a Neon como uma empresa e não uma startup [no mau sentido]. E eu pude aprender muito com ele. O Norberto também é super sênior, é um empreendedor mega estruturado. Depois de tudo que passamos juntos e pela importância deles no negócio, considero os dois late co-founders.

É um pouco do que falei no começo: você tem que trazer pessoas diferentes, senão você vai pro abismo. Se não tiver ninguém pra discordar, para gerar uma discussão, as ideias ficam pobres. 

Se você disser para mim e para o Jean que temos de ir até aquela parede, a gente vai por caminhos completamente diferentes – mas chegamos lá juntos. E que bom que tem caminhos diferentes!

Em 2018, a Neon sofreu um arranhão na imagem e um susto operacional, quando o Banco Neon – joint venture da Neon Pagamentos (vocês, os donos da marca Neon) e o banco parceiro Pottencial – sofreu uma liquidação extrajudicial. Em três dias, vocês viabilizaram a volta do serviço com outro parceiro. Como foram esses três dias? A solução encontrada nessas 72 horas se mantém ou vocês operam hoje em outros moldes?
Vou começar pela segunda pergunta, que é mais rápida. Ainda temos a parceria com o Banco Votorantim, que é um superparceiro. Mas a gente acha importante poder ser independente algum dia. 

Já demos esse passo ao fazer, em dezembro, a aquisição – ainda pendente de aprovação pelo Banco Central – de uma financeira catarinense chamada Biorc [que faz crédito consignado, antecipação de recebíveis e investimentos]. Isso não significa que vamos descontinuar a parceria [com o Banco Votorantim], mas, sim, que poderemos ser independentes quando a gente quiser. 

A segunda coisa é… foi legal você falar “um arranhão” porque, passados quatro anos, vejo que foi isso mesmo – um arranhão. 

Na época, foi uma bomba atômica bizarra. Ali eu aprendi muitas coisas, a principal delas foi o poder de um time unido e de ter um norte muito claro. É o poder de um alinhamento – aonde estamos indo, qual é o plano, como a gente vai?

Às vezes, na empresa a gente se perde e eu sempre tento reforçar e deixar claro pra todo mundo o que temos de fazer, qual é a nossa missão. Todo santo dia, o time sabe exatamente porque está fazendo aquilo e como vai contribuir.

Naquelas 72 horas em 2018 era muito claro que a gente tinha que sobreviver. Posso dizer que foi uma oportunidade histórica [de aprendizado] para qualquer empresa tech do Brasil. Porque era isso – se em 72 horas a gente não tivesse reconectado, acabava o sonho e estaríamos encrencados.

É muito louco, porque durante aqueles momentos de tensão, cada hora, um caía. Uma hora eu desabava de cansado e dizia que não ia dar e o Jean me dizia: “Vai dormir 15 minutos naquele sofá e volta daqui a pouco”. Dali a pouco o Jean cansava e eu dizia: “Vai comer alguma coisa, vai pra casa tomar um banho”. 

De 2019 para cá, a Neon fez quatro aquisições – MEI Fácil empresa de gestão para microempreendedores; a corretora Magliano Invest; Consiga Mais+, hoje Neon ConsigaMais, de empréstimo consignado; e a financeira catarinense Biorc. Qual foi o racional por trás de cada uma dessas compras? A ideia era acqui-hiring, compra de software ou da carteira de clientes?
Tivemos dois estilos de M&A até hoje. Duas aquisições foram relacionadas a licenças regulatória. A Magliano veio só por isso. Já a Biorc tem uma operação que a gente gosta, então a essência da compra foi pela licença – mas também temos sinergia, eles têm um time superlegal, o que foi um extra. E vamos expandir ainda mais a operação que eles já tinham. 

As outras duas operações foram M&As maiores, mais relevantes. Com elas foi o seguinte: a gente queria iniciar novas verticais. Entendemos que o empréstimo consignado era um bom produto para o nosso cliente. Entendemos que uma boa parte dos nossos clientes era MEI, então decidimos entrar nesse mercado. 

Ao avaliar se faríamos dentro de casa, olhamos pro road map e vimos que já tinha muita coisa pra fazer dentro de casa, não ia dar.

Decidimos fazer o M&A com um time de empreendedores animal, que já está rodando há um tempo e é superqualificado, brilhante. E essas pessoas se tornariam novos embaixadores do empreendedorismo aqui da empresa 

O M&A é meio assim: as pessoas vêm pra dentro da Neon, continuam a fazer o que faziam antes, de forma ainda mais exponencial. Por exemplo, hoje, o Victor Loyola, que era CEO da ConsigaMais, é uma das lideranças da Neon. Além de consignado, ele toca empréstimo pessoal, seguros… 

Seu perfil é de festejar cada vitória? Como foi o impacto — e a festa, se houve – de alcançar o status de unicórnio, em fevereiro deste ano?
Na verdade, esse é o ponto que eu mais tenho que “me trabalhar”, porque sou zero festeiro. Normalmente, eu vejo o copo meio vazio. Vamos supor que a gente vá conquistar algo amanhã… hoje, já estou pensando no próximo desafio. Eu nem espero chegar pra já pensar no próximo. 

Eu sou movido a problemas e desafios. Definitivamente, não sou movido a vitórias. Algumas pessoas do time começaram a exigir isso: “Pedro, foi uma puta entrega, vamos celebrar!”

Então, no lance [de alcançar o status] de unicórnio, a gente fez um barulhinho, celebramos no dia do anúncio… mas no dia seguinte a página foi virada, porque temos que trabalhar 

Essa é uma característica minha… sou muito família, muito quieto. Meus amigos são os mesmos há 20 anos, as festas são sempre na minha casa, a gente é tranquilão. E eu acho que a vibe na Neon é um pouco assim também. 

Sabe por quê? Quando a gente atingiu o status de unicórnio, no mesmo dia tinha cliente com problema, cliente com cartão de crédito negado… e até ficamos alguns segundos fora do ar. Eu fiquei muito mais preocupado com aquilo do que em celebrar a vitória, entende? 

Existe a expressão: work hard, party hard. A gente é adepto do “work hard and then work harder” (risos).

Ano passado você iniciou um curso em Harvard, específico para fundadores e presidentes de empresas. Iniciar essa especialização é um sinal que você quer amadurecer como líder ou de que a empresa amadureceu e precisa de um líder diferente?
As duas coisas – a empresa está se tornando cada vez mais complexa e o maior erro que eu posso cometer é achar que o que me trouxe até aqui vai me levar pra frente. Isso não é verdade.

Apesar de o meu cargo não mudar – sou sempre o fundador –, a cada seis meses eu faço coisas muito diferentes, e preciso de habilidades muito diferentes. Então, eu faço coaching, que me ajuda muito. 

Esse curso de Harvard abriu muito a minha cabeça. Eu era o mais novo dentre todos os CEOs e founders lá.

Eu não posso parar, não posso ficar pra trás, não posso ficar antiquado aos 30 anos! Isso poderia acontecer facilmente… então, tenho que me chacoalhar

É claro que minha vida não é só trabalho. Eu tenho família e amigos, mas quando estou trabalhando sou muito focado e quero aproveitar o máximo do meu tempo. Se sobra algum slot, procuro aprender uma coisa diferente, vou falar com alguém… 

Eu aprendo muito com os meus pares, com as pessoas que estão comigo aqui. Os outros sócios têm um puta conhecimento de finanças. Faço isso constantemente.

Como o Open Banking vai influenciar o futuro da Neon? Vocês estão mudando processos ou produtos por conta desse novo sistema?
A gente está aprendendo bastante com o Open Banking. O único uso prático imediato é para aprovação de crédito, porque quanto mais informação temos, conseguimos aprovar um crédito melhor para o cliente. 

Mas não vai parar por aí. Hoje, coletamos todas as informações e estamos aprendendo muito com esses dados. 

Sem dúvida, são dados relevantíssimos para coisas que queremos fazer mais pra frente. Por exemplo, pra gente é muito importante clusterizar os clientes – e [com o Open Banking] isso vai ficando cada vez mais sofisticado 

No começo, sob o ponto de vista de oferta de produto, a gente tratava todos os clientes igualmente – vendia o mesmo pra todo mundo. Agora, já temos alguns clusters. E quanto mais informações a gente tem, mais personalizado ficamos do lado de cá. 

Quais as suas perspectivas para o mercado de fintechs e a concorrência nesse setor, sobretudo com o Nubank?
Os nossos principais concorrentes ainda são os “bancões” e a inércia do cliente. 

Acho que ainda tem um grande volume de pessoas que não parou pra pensar sobre o assunto e vai seguindo meio do jeito que está. Nunca pararam e puxaram o extrato de tarifas, nunca pararam pra pensar como poderia ser melhor.

Na nossa perspectiva, ainda não estamos no momento em que o nosso limitador é o concorrente. Porque o mercado é muito grande e ainda pouco explorado… continua na mão dos “bancões”. 

Tem muita pista pra gente ainda, portanto a concorrência não é a pauta principal. Ela ajuda a gente a colocar a nossa barra cada vez mais alto. Se os caras conseguiram lançar algo rapidão e a gente demorou, é porque estamos vacilando 

É muito mais por essa perspectiva, e não por um limitador de crescimento ou um querendo brigar por preço com o outro. No nosso segmento, não é assim.

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