Ele já entregou pizza nos EUA, dirigiu operações da Ambev na Ásia e hoje é CEO do Rappi. Um papo reto com Sérgio Saraiva

Marina Audi - 7 jul 2021
Sérgio Saraiva, CEO do Rappi no Brasil.
Marina Audi - 7 jul 2021
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Durante dois anos, ele entregou pizza nos EUA, para pagar a faculdade de Análise de Sistemas (na Montgomery College, no estado de Maryland). Depois, enfrentou grandes desafios na Ambev, onde entrou como trainee, encarou uma fábrica sem teto no Peru e colocou-a para rodar, implantou o sistema SAP simultaneamente para 5 mil pessoas na América Latina e montou operações de TI na China (do zero) e na Coreia. Ainda empreendeu (sem sucesso) na Giroflex-Forma e voltou para o mercado corporativo na Cielo… Antes de chegar à cadeira que ocupa hoje.

Desde janeiro de 2020, o pernambucano Sérgio Saraiva, 53, é CEO do Rappi – superapp que resolve a vida de seus usuários ao oferecer uma plataforma única de compra em restaurantes, farmácias, supermercados, viagens etc., com comodidade (o logotipo do bigode faz referência a um mordomo!) e rapidez. 

Ou como Sérgio descreve tecnicamente: é um serviço de entregas de última milha, que conecta consumidores-usuários, estabelecimentos comerciais aliados e entregadores, em um ecossistema que exige equilíbrio de taxas e remunerações com relações ganha-ganha-ganha entre todos os atores.

Desde a fundação em 2015, na Colômbia, o Rappi já recebeu 1,7 bilhão de dólares em investimentos de fundos de venture capital em nove rounds. Também expandiu para Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Peru e Uruguai. Chegou ao Brasil em julho de 2017 e está presente em mais de 100 cidades do país.

O ano de 2020 foi emblemático para a empresa. No início da pandemia de Covid-19, os pedidos triplicaram. 

Em 2021, mesmo com crise econômica global, a empresa lançou uma fintech para apoiar as operações de pagamento dentro da plataforma – RappiBank – e uma nova funcionalidade – Turbo, entregas de poucos itens em 10 minutos. Além disso, em abril reduziu o valor das comissões cobradas dos restaurantes (máximo de 5% para os marketplaces, cuja entrega é feita pelo parceiro, e máximo de 18% para o modelo full service, cuja entrega é feita pelo Rappi).

Avessa a abrir números, a companhia só divulga que, em 2020, houve um crescimento de 79% na vertical de Supermercados, Bebidas e Farmácias no Brasil e que o resultado na BlackFriday foi dez vezes maior do que em 2019.

Em todos os países são mais de 15 milhões de clientes ativos, 100 mil estabelecimentos comerciais e 200 mil entregadores parceiros.

Nesta conversa com o Draft, Sérgio fala de sua jornada e conta como sua senioridade pode ajudar o unicórnio e superapp de “entrega de tudo” a se conectar e trabalhar com os principais parceiros do país para se tornar cada vez mais relevante.

 

Sua trajetória na Ambev é cheia de pontos altos. Mas, o que mais chama a atenção é sua transferência para a China, em 2006, como o primeiro brasileiro expatriado pela empresa para lá. Hoje, é comum profissionais aceitarem e até brigarem por um posto no gigante asiático. Como foi para você naquela época? O que de mais precioso você aprendeu por lá?
Vou começar contextualizando por que eu aceitei a China. Tem uma coisa que é importante: o modelo mental em que me montei. Gosto de ser desafiado intelectualmente. O que aconteceu foi que durante os meus 15 anos na Ambev, antes de ir para a China, peguei alguns rabos de foguetes, algumas funções complexas. 

Quando o presidente da operação – Luiz Fernando Edmond – me chamou para almoçar e fez o convite, eu disse: “Ou vocês gostam muito de mim e estão me dando um desafio superbacana… Ou me odeiam e vão me mandar para o outro lado do mundo.” Ele disse que não era o caso! Aí fui lá ver, gostei. 

Foram cinco anos de aprendizado violento de uma nova cultura, de hábitos, não só dos chineses… Minhas filhas – hoje com 26 e 24 anos – estudavam em uma escola em que havia 17 outras nacionalidades. Com isso, elas viraram cidadãs do mundo. 

Do lado profissional, minha missão era iniciar as operações de TI. Na China foi do zero mesmo: comprar computadores, fazer cabeamento, montar datacenter etc.

A Interbrew [que se fundiu com a Ambev em 2004, dando origem à InBev] tinha comprado seis operações na China e não tinha integrado ainda. A Coreia já estava em um patamar melhor do que o Brasil em tecnologia. Mas logo o escopo foi ampliado e passei a comandar a área de Gente e Gestão, com foco em adoção da cultura em larga escala, inclusive a operação na Coreia.

Na volta da Ásia, em 2011, você comprou 51% da Giroflex-Forma, a maior fabricante de cadeiras do país, uma marca famosa que passava por dificuldades. Depois, em 2013, investiu na Diletto. Não foram experiências de tanto sucesso quanto você teve na Ambev… Quais foram os aprendizados?
Quando se fala da Brahma, Ambev, InBev, uma história de sucesso… Nem tudo tinha dado certo. No macro, sim, mas tem vários fracassos ali embaixo… Como a vida é. A grande lição é: aprender, não cometer o mesmo erro, corrigir rápido. 

Saí da companhia por motivos pessoais, depois de 20 anos. Como diz minha esposa: foi uma separação. Meu pai faleceu e eu não consegui chegar para o enterro. Minha mãe estava com princípio de câncer, então eu queria voltar para o Brasil de fato. Pedi demissão um ano antes de sair, fiz toda a transição, formei sucessora, que continua lá

Eu voltei e reencontrei ex-colegas da Ambev investindo na Giroflex. Ofereci ajuda e terminei sendo empreendedor. 

A experiência na Giroflex foi dura. Usamos o nosso sistema de gestão, tudo que deu certo, tudo que deu errado. Pedimos ajuda de fora, então não foi arrogância de ex-Ambevs. Ou o negócio ficava em pé de forma errada [com pagamento de propinas e comissões] ou não ficava em pé… Tentamos algumas vezes fazer da forma correta e [vimos que] ele não sobreviveria. Então, pedimos autofalência.

É um setor difícil, tivemos problemas com sócios [entidade filantrópica herdeira das ações do fundador Hans Schmidt] e no final fomos para uma arbitragem, que ganhamos moralmente, mas não gerou compensação financeira. Pagamos tudo que devíamos, os funcionários, e até hoje a gente gerencia o polo passivo.

Diletto foi o seguinte. O Jorge Paulo [Lemann] tinha investido na Diletto através de um fundo chamado Innova Capital e queria alguém com sistema de gestão e conceito de distribuição. A gente foi para lá, ficamos um tempo, [o negócio] cresceu e depois vendemos. 

Eu diria que Giroflex foi o grande aprendizado. Diletto foi um investimento ok.

Você teve alguma dor no coração por voltar para o mercado corporativo na Cielo? É comum ouvir que, depois de empreender, nunca mais se volta a ser “colaborador”…
O mandato que eu tinha na Cielo era transformar ao máximo a cultura de gestão em uma cultura de fintech, porque ela estava há 20 anos com um modelo. Era meio que carta branca, para reformar o castelo, sem derrubá-lo… Redefinir liderança, valores, o sistema de gestão de metas, pôr em prática a parte de organização mais flat, mais achatada.

Por exemplo, home office tem três anos… Ainda bem, porque quando aconteceu a pandemia, em termos de trabalho, o impacto foi muito baixo, já estava todo mundo acostumado. Eu me sentia bem porque estava sendo desafiado, com autonomia. E ia no Conselho, esperneava, fazia aquilo como se, de fato, fosse o meu negócio… Como era na época.

Falando de sua chegada ao Rappi… É verdade que houve 17 conversas entre você e os fundadores antes de você assumir como CEO do Brasil em janeiro de 2020?
É verdade. Depois da Giroflex, eu queria conhecer muito bem quem eram os sócios, qual era a cultura da empresa etc. para entender se fazia sentido ou não, e o que eu podia agregar, assim como que aprendizados a companhia podia gerar para mim. 

Em algum momento você hesitou em aceitar o desafio por conta de ser uma startup, um tipo de organização diferente do que você estava acostumado?
É mesmo diferente. Depois das conversas, eu tinha certeza do local, da cultura, dos processos, do desafio. Você sempre tem uma expectativa e a realidade do dia a dia é totalmente diferente, mas me surpreendeu positivamente.

É uma empresa na qual as pessoas são muito solidárias, porque todo mundo ali tem cabeça de empreendedor. Aqui no Rappi, a conversa é transparente, muito parecida com o que a gente tinha na Ambev.

Agora, são velocidades absolutamente distintas. O ciclo de negócio [em uma startup] é mais curto, por ser bastante digital. Se você fala em construir uma fábrica, sente e espere 18 a 24 meses, porque não tem como fazer antes. Aqui, você fala em lançar um produto — e em três meses está rodando. É bem diferente

Minha expectativa era que eu pudesse me adaptar e agregar valor e trazer um pouco de senioridade para estruturar a empresa para crescer. Minha crença é que o sistema de gestão tem de ser adequado a cada empresa, a cada tipo de negócio, mas a experiência ajuda.  

Você tinha acabado de se sentar nessa nova cadeira no Rappi e em menos de três meses teve de aprender tudo sobre a empresa e mudar procedimentos por conta da Covid-19… Como foi isso?
Uma coisa importante é que eu entrei em janeiro do ano passado. Antes do final desse mês, a pandemia chegou na Itália e Coreia. Um dos fundadores, o Sebastian Mejia, disse que tinha contato com empresas lá fora e sugeriu que fizéssemos calls, escutássemos o que estava dando certo e o que não estava.

Aí, antes do Carnaval, começamos a fazer um plano de ação. Contratamos uma médica infectologista para mapear processos – como a gente entrega, como cria o lacre, como entregar sem contato, o que fazer com o entregador, como ajudá-lo, como ajudar o cliente etc. Lembra que a pandemia chegou aqui em 12 de março [data da primeira morte por Covid no Brasil]. Isso tudo foi um mês antes

Qual é o segredo? É dar método para as pessoas entenderem a importância do que elas estão fazendo. Fechamos o escritório no dia 16 de março e está fechado até hoje. Então, como a gente garante que todo mundo está entendendo e pensando como a gente gostaria? Criamos o que chamamos de All Hands – reunião com os times, em inglês se fala Town Hall Meeting. Colocamos o time inteiro toda semana, em um horário fixo de 11h às 11h45 às segundas-feiras. Desses 45 minutos, 20 minutos as lideranças falam e 25 minutos [são] para a gente escutar.

A ideia era garantir a comunicação fluindo. Tiramos o ruído escutando as pessoas nesse tipo de reunião – e não por boato – entendendo, priorizando e, juntos, fizemos acontecer. 

Você já mencionou que o Rappi tem nove verticais – restaurantes, supermercados, farmácias, bebidas, e-commerces, bancos, viagens, cargo e entretenimento (com live shopping) – e que “cada uma delas atua como uma empresa separada, com squads”. Como funciona a estrutura aqui no Brasil?
Pensa que são nove países e que precisamos ter, minimamente, soluções aplicáveis nos nove, senão cada um vai para uma direção. Os times de developers ficam na Colômbia, porque a empresa nasceu lá, mas há programadores na Argentina e alguns no Brasil.

Como funciona? Você tem o head da vertical corporativamente. Por exemplo, tem o Ivan Cadavid que é o dono da vertical Restaurante para os nove países. Ele tem o objetivo de ver o que tem de melhor no mundo para essa vertical, o que os usuários de Restaurantes estão pedindo e ele tem de desenvolver. E nós temos uma pessoa responsável por essa área no Brasil, que responde para o global e para o local, em modelo matricial

Essas nove verticais têm autonomia, mediante a negociação do que pode e não pode. Com isso a gente garante que os nove países estão iguais. [Ana Bogus, que fica no Brasil, é dona das verticais Supermercados, Farmácias, Bebidas e Travel].

Segunda coisa é que podem ter coisas específicas e diferentes em cada um dos países. Por exemplo, o Brasil tem nota fiscal eletrônica. Vai explicar pra qualquer gringo o que é e qual o impacto disso. Ninguém entende. Então, eu tenho uma estrutura para isso. 

Onde se encaixa o RappiBank, braço de serviços financeiros lançado em janeiro? Ele tem outro CEO, João Paulo Félix
No RappiBank tem um cara mais sênior, porque entendemos que esse negócio será gigante. Uma analogia é Mercado Livre e Mercado Pago. Então, em algum momento, o banco vai ser muito maior do que é hoje, será totalmente independente e poderá prestar serviço para todo mundo. 

Como é o seu dia a dia? Como você colabora com o Rappi?
Tem a ver com como a gente cria o ecossistema. Tudo começa entendendo o que o usuário quer – seja qual for a vertical. Daí nós conectamos com o varejo – que pode ser digital – para atender esse usuário e pode haver ou não um entregador prestando serviço para esse varejo. Mas a gente traz as indústrias para esse ecossistema, faz alianças com bancos, com empresas…

Isso significa que nas indústrias de consumo, fazemos reuniões top to top com todos os presidentes dos principais parceiros. São mais de 20 [em março de 2021, por exemplo, o GPA — maior grupo de varejo alimentar da América do Sul — retornou ao superapp]. Identificar oportunidades com os bancos ou bandeiras que não são aliados, como trazer investimento para cá… E, obviamente, tem o dia a dia do time. Mas tem uma pessoa de operações e o time tem autonomia, então, a gente consegue dar um equilíbrio.

Você é o ponto de conexão entre os parceiros e o Rappi no Brasil. Sua senioridade e um bom trânsito no mercado ajudam a aumentar o leque de parceiros robustos, certo?
A gente tem que começar a pensar um pouco diferente. Alguns desses deals passam por mim, outros não passam… E tudo bem! O importante é que a gente esteja andando mais rápido e ninguém seja o gargalo desse crescimento. 

Como foi a aderência aos últimos produtos lançados: RappiTravel (em outubro de 2020), RappiCard e RappiCard Prime (janeiro de 2021) – cartões de crédito de marca própria em parceira com a Visa, com oferta agressiva de cashback – e o Rappi Turbo (abril de 2021), serviço que entrega produtos em até 10 minutos com o mesmo valor do frete convencional?
Estávamos com RappiTravel pronto antes, mas esperamos até outubro de 2020, achando que estaríamos saindo da pandemia. Ele continua vendendo muito. A gente tem uma estrutura de custo muito leve, então, conseguimos oferecer promoção de preço e pagamento que muitos não conseguem, porque a estrutura aqui já está montada. Ele está crescendo bem, mas não é o nosso setor que mais cresce. Quando a gente olha as vendas para o segundo semestre deste ano, elas estão de fato bombando. 

O RappiBank tem duas linhas: PF e PJ. A PJ começou em janeiro com crédito RappiBank uma linha de crédito de capital de giro para os nossos parceiros [valores entre 10 mil e 500 mil reais, taxa de juros a partir de 1,7% ao mês, com prazo de até 24 meses]. Como a gente tem visibilidade do ecossistema, do que está vendendo, de solidez do próprio parceiro, conseguimos ter um risco menor e emprestamos muito mais baixo que a média de mercado. Ele está indo bem, já usamos mais de 50% dos recursos separados. [A partir de julho, estará disponível a linha de recebimento antecipado de vendas no prazo de um dia, com taxa de 0,99%.]

O RappiCard foi lançado em abril. Está em soft launch. É um cartão que não tem custo e tem 3% de cashback dentro do ecossistema Rappi ou 1% fora do ecossistema Rappi. Tem um segundo cartão, o RappiCard Prime que tem 5% de cashback e a ideia é pagar 89,99 reais por mês porque vai ter um cashback maior. Mas nós temos uma vantagem… Nossos cahsbacks vêm em dinheiro e não em pontos 

RappiTurbo é um conceito que veio de escutar muito o cliente. Nós observamos que as pessoas estão mudando para apartamentos cada vez menores – 25 metros quadrados. E isso significa que não tem espaço para uma geladeira, só para um frigobar. Não tem espaço para uma despensa, só para uma prateleira.

As pessoas têm cada vez menos coisas e nem todos conseguem pedir almoço e jantar todos os dias. Então, criamos uma operação de 28 dark stores [galpões próprios, otimizados para picking e packing express, em São Paulo, Campinas, Curitiba, Recife e Fortaleza]. A gente compra os itens e entrega os principais 1000 itens em 10 minutos na sua casa. O plano de expansão é bem agressivo [a projeção é chegar a 100 unidades até o fim deste ano no país]. Teve uma aceitação impressionante, porque é um nível de serviço absurdo.

Como a concorrência do iFood, um player que chegou primeiro e é bem maior que vocês, impacta a estratégia? Qual é o diferencial de vocês?
A gente vê assim: o iFood, [mesmo] tendo sido o primeiro e tendo o tamanho que tem, não tem a nossa agilidade. A nossa estrutura de ter nove donos de negócio é para que os nove andem muito rápido em termos de inovação, de encantar o cliente, surpreender em cada um. Se tivesse uma só pessoa para olhar tudo, talvez o Turbo não tivesse 28 dark stores em 3 meses. A estrutura é bem achatada para dar velocidade.

O iFood é um concorrente grande, o que [o] faz um pouco mais lento. É um concorrente de respeito, que faz muita coisa bacana – marketing, por exemplo. Tem uma característica de ser líder massivo em restaurantes. E, ao ser dominante, ele coloca algumas regras que podem ser abusivas. Acho que a gente joga mais leve.

Em Restaurantes, especificamente, onde o iFood é bem mais forte, ele tem uma comissão 30% a 40% maior do que a nossa. A gente não faz isso porque não estamos aqui no curto prazo. Estamos olhando o ecossistema. E se você for nos países onde somos líderes, temos a mesma comissão.

Dito isto, em setembro do ano passado, eu entrei no Cade – foi uma decisão minha – contra o iFood porque eles têm cerca de 80% de share no mercado de restaurantes. Não existe um número oficial, mas em qualquer segmento isso é considerado um player dominante

E aqui, o Cade tem de atuar criando regras para que esse player, daqui a pouco, não tenha 95% de share e domine a cadeia inteira. O pleito foi esse. 

Junto com a gente entraram as duas maiores associações de restaurantes do Brasil – Abrasel e ANR –, porque entenderam que estrategicamente era importante. Depois, o Uber entrou no mesmo processo e, na semana passada, a 99. O Cade juntou tudo em um processo e proibiu o iFood de fazer novas exclusividades desde março [uma medida preventiva do Cade]. Todos os players querem ter uma manifestação do Cade a respeito de como regular esse setor novo.

Como está o relacionamento do Rappi com os entregadores? Ano passado vimos surgir o Movimento dos Entregadores Antifascistas e a produção de um documentário, Pandelivery – Quantas vidas vale o frete grátis?. Como estão lidando com a valorização dos entregadores e as demandas deles?
Esse ecossistema só funciona se todo mundo estiver no ganha x ganha x ganha. Se cobrarmos uma taxa maior do restaurante, supermercado etc., não temos esse parceiro motivado. Aí ele sai e nós não temos oferta. Se o cliente estiver pagando um frete muito grande ou um preço muito alto, ele também sai. Se o entregador não tiver um valor justo, ele também não fica. Aí não tem ecossistema!

O conceito do ecossistema é que todos ganham e a gente nasceu com isso. Queremos que o entregador tenha um rendimento pelo serviço prestado de forma justa. Lembro que quem paga o entregador é o cliente. O modelo é: o frete que está lá é pago pelo cliente, a gente só intermedia. O que é pago vai para ele 

No ano passado, trouxemos muita coisa para o entregador. Fomos os primeiros a dar máscara, álcool gel, fumegar as motos, dar um auxílio para o entregador que mostrasse atestado de que estava com Covid-19 e a gente pagava 15 dias de afastamento, como se ele estivesse recebendo a média dele. Sempre prezamos muito por isso. 

Ninguém nunca tinha passado por uma pandemia, então nenhuma empresa tinha trava na entrada do entregador. O que aconteceu foi que os pedidos cresceram três vezes e o número de entregadores, dez vezes. Então, o entregador que fazia 10 entregas na sexta-feira passou a fazer três e começou a ficar p… da vida porque ele ia para casa com menos dinheiro. Mas é porque tinham mais entregadores. É porque nenhuma das empresas de aplicativo se deu conta disso.

Até que chegou em junho – a manifestação foi em 1º de julho – e começamos a entender o que estava acontecendo: o ecossistema havia [se] desequilibrado. A verdade é essa! A gente já tinha seguro, alguns benefícios… Vimos que, apesar de ter isso, podíamos ter mais. Então, começamos a ofertar mais coisas – desconto de alimentação, de peças automotivas, combustível, plano de saúde, educação – para ter o equilíbrio. 

Fazemos focus group com os entregadores para entender em que podemos melhorar. É óbvio que algumas coisas são factíveis e outras, não. O que for factível será feito, mas o ecossistema tem de ser equilibrado.

Você mesmo foi entregador nos EUA, né?
Sim. Eu sei o quanto agrega. Nas férias, trabalhava 70 horas por semana para juntar dinheiro e pagar minha faculdade. Não digo que isso tem de ser para todo mundo. Alguns vão trabalhar mais, outros menos. Já peguei gente aqui [no Brasil] vestida formalmente e entregando de carro. São muitos entregadores, a estimativa é que haja 250 mil no país.

Onde você se vê atuando daqui a dez anos?
Eu me enxergo trabalhando até os 75 anos, porque acho que é uma atividade intelectual que impacta no corpo inteiro, sua rotina e faz com que você tenha uma longevidade maior. Segunda coisa: me imagino trabalhando em uma empresa de tecnologia, suportando negócios. Para mim, isso é uma obsessão. Qual? Não sei!

Nesse mundo cada vez mais rápido e mais digital, o aprendizado tem de ser contínuo, independente da sua idade. Essa curiosidade, vontade e falta de acomodação fazem com que as pessoas tenham um perfil diferente. Gostaria que todos tivessem isso, mas cada um tem o seu comportamento. Eu sou assim.

 

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