Você aí, que está lendo este texto agora, produz, em média, 380 quilos de lixo por ano. Ou seja, mais de 1 quilo por dia.
Considerando o país todo, são 79 milhões de toneladas de lixo produzido todos os anos, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Mas pasme: menos de 3% desse montante é efetivamente reciclado.
“Esse índice é ridículo”, diz Rodrigo Oliveira, 39, cofundador da Green Mining, empresa de logística reversa inteligente (retorno de embalagens pós-consumo para a cadeia produtiva), que coleta embalagens em bares, restaurantes e condomínios em São Paulo, Rio e Brasília.
A startup utiliza um sistema de rastreabilidade com tecnologia blockchain para dar mais inteligência ao processo. Só de recipientes de vidro, a Green Mining afirma já ter coletado, em dois anos, mais de 1,3 mil toneladas, evitando a emissão de cerca de 230 mil quilos de CO2.
Quem banca o serviço são grandes indústrias. Entre os sete clientes, há gigantes como Ambev, Braskem, AkzoNobel e Unilever.
O DESCARTE INEFICIENTE E A INSALUBRIDADE DOS ATERROS INQUIETAVAM O EMPREENDEDOR
Rodrigo é mestre em Sustentabilidade pela FGV. Antes da Green Mining ele empreendeu a Fral, consultoria que atua com planejamento e gerenciamento da implantação de sistemas municipais de limpeza urbana.
O descarte incorreto de resíduos e os riscos socioambientais dos aterros sanitários eram temas que o inquietavam:
“Sempre me incomodou ver que a gente ‘enterra’ muita coisa boa em aterros. Mas outro ponto que não faz sentido é ver pessoas em cima do lixão para catar material que tem valor, sem nenhuma proteção, em uma condição insalubre e de indignidade”
Em 2013, desenvolvendo um projeto pela Fral relacionado à logística reversa de resíduos sólidos da construção civil em São Paulo, Rodrigo contratou uma dupla de desenvolvedores para criar um software de georeferenciamento desse material.
O projeto vingou e, com os dois desenvolvedores — Adriano Ferreira e Leandro Metropolo, –, ele percebeu que poderia criar uma empresa para oferecer o serviço a governos. Nascia assim, em 2017, a Tampec, que tem o sistema implantado em Brasília e Praia Grande (SP).
ELES PROPUSERAM UM DESAFIO À AMBEV. E A EMPRESA TOPOU APOIAR A IDEIA
Em 2018, Rodrigo, Adriano e Leandro inscreveram-se no programa 100+ Accelerator, da Ambev, que buscava soluções para minimizar os impactos ambientais das garrafas de vidro.
Os empreendedores devolveram o desafio para a cervejeira: a solução, eles indicaram, seria a empresa coletar de volta as garrafas vazias nos bares.
A Ambev deu aval para que apresentassem e executassem esse projeto-piloto. E assim nasceu a Green Mining, com um aporte de 100 mil dólares da empresa de bebidas.
“Nos primeiros quinze dias [de coleta], já demos resultados. Então, o vice-presidente da Ambev nos estimulou a pensar em como ampliar a atuação para o Brasil inteiro”
A startup começou coletando apenas vidro; depois, passou a coletar também as garrafas PET dos refrigerantes. Atualmente, a Green Mining recolhe outros materiais, dependendo da demanda do cliente:
“Para a Unilever, a gente coleta PEAD (polietileno de alta densidade); para a Deink Brasil, PEBD (polietileno de baixa densidade); para a Ibema, papelão e papel cartão…”, diz Rodrigo. “Agora, estamos com um projeto-piloto conjunto com a AkzoNobel e a Braskem para coletar baldes de plástico e latas de tinta.”
UM ALGORITMO MAPEIA LOCAIS DE GRANDE GERAÇÃO DE RESÍDUOS PÓS-CONSUMO
A lei de logística reversa existe há dez anos, mas a falta de um sistema de rastreabilidade dificulta a sua execução (e a penalização de quem descumpre a norma).
Foi pensando nisso que a Green Mining adotou o conceito (já existente) de mineração urbana verde — ou seja, a localização e recuperação, para reaproveitamento, dos elementos úteis de itens descartados.
“Na mineração natural, o que acontece é a extração de material virgem da natureza, como jazidas de petróleo e minério de ferro. Já nosso material está no meio urbano — e nunca se esgota”
A empresa desenvolveu um algoritmo que mapeia os locais de grande geração de resíduos pós-consumo, como bares, restaurantes e condomínios. Hoje, são mais de 700 pontos registrados pela empresa em São Paulo, Rio e Brasília.
COM BLOCKCHAIN, A EMPRESA GARANTE A RASTREABILIDADE DOS RESÍDUOS
A Green Mining conta com 18 centrais de armazenamento dos resíduos nessas três cidades onde atua. O material é guardado nesses hubs antes de seguir para as usinas de reciclagem.
“A tecnologia embarcada permite obter informações, em tempo real, de cada etapa do processo, como data e local da coleta, quilos e destinação dos recicláveis. A rastreabilidade é garantida pelo blockchain”
Funciona assim: o coletor da Green Mining recebe um mapa roteirizado de onde deve buscar as embalagens, já separadas por tipo de material. Chegando no estabelecimento, ele pesa o conteúdo, tira uma foto dos resíduos e da pesagem, registrando tudo pelo smartphone na plataforma da empresa.
De lá, ele segue com o material para um dos hubs. Como as embalagens já estão separadas, não é preciso fazer triagem e a transportadora pode levar o material direto para usinas (antes, porém, os resíduos são pesados para garantir que o volume encaminhado para a reciclagem corresponde ao aferido pelos coletores).
PARA O EMPREENDEDOR, A STARTUP TRANSFORMA A VIDA DOS COLETORES
Os primeiros contratados foram selecionados após a capacitação fornecida pela Amlurb para 2 100 catadores, carroceiros, cooperados e pessoas em situação de rua.
Por coincidência, a formação aconteceu na época em que a Green Mining começava a operar; Rodrigo participou da entrega dos diplomas, recrutando seus futuros colaboradores no evento.
Segundo o CEO, os 23 coletores da empresa têm carteira assinada e trabalham com triciclos e equipamentos de proteção. “Respeitamos seus direitos e pagamos um salário justo para quem antes vivia com 200 reais por mês.”
Rodrigo cita um coletor que trabalhava em um lixão em Itapevi (SP), depois foi morar num albergue e virou carroceiro:
“Era uma pessoa que trabalhava 12 horas por dia, de chinelos, transportando o peso da carroça… Com a Green Mining, ele passou a trabalhar 6 horas por dia, com triciclo, EPIs, todos os direitos da CLT. E conseguiu voltar para sua cidade natal e rever a família, após três anos”
A pandemia não paralisou as atividades, já que cada coletor trabalha sozinho. Mas a Covid trouxe impactos na geração de resíduos pós-consumo.
“Obviamente havia muito menos material sendo gerado em bares e restaurantes, pois eles estavam fechados ou atendendo por delivery… Por outro lado, dobramos nossa base de condomínios atendidos. Hoje, cerca de 30% do material vem desses pontos.”
O FOCO AGORA É ENTENDER COMO AUMENTAR O ENGAJAMENTO
Estabelecimentos comerciais não pagam para que a Green Mining recolha seus recicláveis (essa conta vai para as empresas clientes da startup); mesmo assim, alguns resistem.
“Tem gente que diz que é muito ‘trabalhoso’ separar por tipo material… Em outros casos, os próprios funcionários já recolhem latinhas [para ganhar com a reciclagem], e ficam com com receio de nossa empresa coletar o vidro — e amanhã querer pegar as latinhas deles.”
A startup estuda estratégias para engajar todos os stakeholders, incluindo consumidores finais (segundo o Ibope, 75% dos brasileiros não separa o material reciclável).
Um plano já em ação é oferecer pontos de coleta voluntários exclusivos para vidro. A Green Mining tem uma parceria (por meio da Ambev) com 23 unidades do Minuto Pão de Açúcar, em São Paulo.
“Passamos de 12 mil quilos de material coletados com o GPA e batemos, com a ajuda da empresa, mil toneladas coletadas durante a pandemia. Já estamos com planos de expansão para 2021.”
A empresa também tem parcerias com as cervejarias Armazém da Cerveja, Caravan, Vórtex e Avós, em São Paulo, que dão descontos para quem retornar a garrafa.
“Esse movimento é muito legal. A logística reversa e a economia circular têm uma necessidade de cooperação. Pessoas engajadas ajudam a aumentar nosso impacto e a mudar o patamar da reciclagem no Brasil.”
Marina Sierra Camargo levava baldes no porta-malas para coletar e compostar em casa o lixo dos colegas. Hoje, ela e Adriano Sgarbi tocam a Planta Feliz, que produz adubo a partir dos resíduos gerados por famílias e empresas.
Na Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, uma centenária colônia de pesca se reinventou através da moda sustentável. Saiba como as Redeiras reaproveitam os resíduos da atividade pesqueira para criar bolsas, carteiras e colares artesanais.