“No marketing da empresa não havia nem uma pessoa preta. Aí chega um negro, carioca, do hip hop… Eu estava entre dois mundos”

Marina Audi - 11 nov 2021
Aori Sauthon: rapper, agitador cultural, produtor musical e "creative connector" (foto: João Alexandre).
Marina Audi - 11 nov 2021
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Há nomes que casam especialmente bem com a personalidade da pessoa que denominam. 

É assim com Aori Sauthon, que no RG atende por Anwonrianaga de Mello Sauthon. De origem tribal, o nome de batismo foi trazido do Gabão por seu pai, e significa algo como: “todos são iguais” ou “as outras pessoas também são gente”.

Aori, 42, é o rapper carioca do duo Inumanos (em hiato desde que o DJ Babz foi viver em Portugal), agitador cultural, produtor musical, promotor de blackmusic business… Ele se define como um creative conector, que vê conexões entre áreas, estilos, negócios e companhias que até então não se falavam.

De uma família que sempre lutou pela equidade racial, Aori se encontrou na cultura empoderadora do hip hop, que abraçou na adolescência. E conseguiu levar o lifestyle de sua comunidade a serviço de empresas tão díspares quanto Nike, Grendene, a desenvolvedora de games Garena e a rede de hotéis Selina.

No papo a seguir, Aori fala sobre sua trajetória — dos perrengues como rapper no início da carreira aos novíssimos projetos com NFTs:

 

Você já disse que é de uma “família de autodidatas que respeitam a tradição oral africana dos griots na transmissão de conhecimento”. Qual é a importância dos seus familiares nas suas escolhas profissionais?
É vital. Sem eles eu não estaria aqui. Toda a construção do meu conhecimento, do meu saber e minha autoestima passa por essa comunicação dos mais velhos da minha família. 

Há gerações, minha família luta pela identidade e pela cultura preta. Vai desde a minha bisavó, Isabel Garcia – criada por avós que haviam sido escravizados – que veio de [Duque de] Caxias, cidade periférica do Rio, aprendeu sobre corte e costura e se tornou uma das estilistas negras mais importantes

Meu bisavô, Guido Leandro Garcia, foi fundador do Renascença Clube [fundado em 1951, no bairro do Méier], um dos primeiros da comunidade negra no Brasil… [Essa construção] vem através do meu avô, OluMello [nome artístico de Willy Bezerra de Mello, que participou da construção de Brasília], arquiteto e urbanista, e da minha avó, Lydia Garcia de Mello, que foi uma das primeiras professoras de música de Brasília. 

Até hoje, tiro fundamentos e inspiração de quem veio antes para o meu jeito de me relacionar. 

Quando a música entrou na sua vida?
Na adolescência. Meus amigos curtiam rock, hardcore e heavy metal. Era uma escola de classe média baixa, aqui do Rio. Eu era o único preto da sala; comecei a andar com essa galera e pegar esse lifestyle da rua, de bandas. 

Quando surgiu Racionais MC’s, tudo mudou. Aquela música falava demais comigo. E, ao mesmo tempo, filmes me inspiravam: “Faça a coisa certa” e “Malcolm X”, do Spike Lee, “Os donos da rua”, do John Singleton…

Em casa, eu só falava de hip hop, de Racionais… tanto que minha mãe foi conversar com um cineasta amigo dela, Humberto Alves Silva Junior. Ao saber que eu curtia hip hop, um dia ele me levou na Cidade de Deus [bairro carioca] para eu conhecer o MV Bill; eu tinha 14 e ele, uns 18 anos, no máximo. 

O MV Bill [já] era um dos fundadores da ATCON [a Associação Atitude Consciente foi a primeira associação de rappers do Rio, formada por MV Bill, Gabriel o Pensador, Damas do Rap, Filhos do Gueto, entre outros]. Naquele dia, havia uma reunião, estavam todos os rappers, os DJ’s. Saí de lá inspirado para replicar isso no meu bairro, a Lapa. 

A sua primeira atividade profissional foi a Brutal Crew, sua equipe de hip hop?
Já tive muitos trabalhos… Quando adolescente, saía do Centro e ia para Barra da Tijuca ensacar compra, pegar gorjeta. Já fui segurança de micareta (risos)! 

O meu primeiro trabalho foi na banca de jornal da minha mãe, no Flamengo. Eu gostava muito de ler, trabalhei por anos lá. Ela existe até hoje, tem 25 anos. 

A Brutal Crew foi fundada por mim [em 1999]. Eu e meus amigos nos reuníamos para desenvolver os eventos, as atividades, pensar coletivamente. Então essa “crew” [equipe] virou uma empresa. 

Em paralelo à Brutal Crew, você formou o duo Inumanos, com o DJ Babz. Vocês conseguiam tirar uma grana com as apresentações? Ou era um lance autoral para se expressar?
A gente começou, sim, com essa necessidade de expressão, com sonhos, mas o cenário musical era muito diferente. Somos de uma geração de músicos que passou pelo Napster [programa gratuito de compartilhamento de música, criado em 1999, que gerou um embate jurídico com a indústria fonográfica].

 Lançamos o Inumanos, fizemos sucesso no circuito underground, fomos bem recebidos pela crítica, houve matérias de jornal… A gente tinha clipes passando na MTV, que era “a internet da época” 

Aí assinamos com um selo de São Paulo, o Bizarre Music, do Carlos Faria, que tinha uma loja na Galeria do Rock. Ele escolhia bandas independentes, prensava o CD, que era uma nota para fazer, e botava para vender. 

No mês seguinte o Napster é lançado e as pessoas param de comprar CD. Isso deixou a gente em um limbo. Nos últimos cinco anos que a indústria se reavivou, se estabilizou com o Spotify e os canais de streaming.  

Em meio a essa conjuntura, como você equilibrava o amor pela música, a vontade de se expressar e a necessidade de viver em um mundo em que a gente paga contas?
O mercado do hip hop era muito menor. Era uma subcultura. A gente faz parte da geração da galera que semeou essa parada. Eu saía aqui do Rio, com o MC Marechal [rapper, compositor, produtor, apresentador e ativista], pegava um ônibus para Curitiba, 12 horas para ir e voltar, e ganhava 500 reais. 

Mas a gente deixava frutos, que hoje todo o movimento está colhendo. Foi uma trajetória complicada e vem daí a capacidade de se reinventar a todo momento, de buscar caminhos.

A partir de 2003, a gente desenvolve a Batalha do Real, a primeira batalha de MC’s do Brasil, e isso atraiu a atenção da Red Bull, uma marca que tem interesse na cultura urbana 

Inclusive, o gerente de marketing que abriu as portas da empresa para a gente, o Marcelo Silva, era uma pessoa preta na empresa, o que na época era mais raro ainda. E também isso me inspirou bastante. 

A partir daí, a gente começa a forjar essa conexão com marcas. Eu já tinha estudado publicidade, isso começa a me interessar cada vez mais, e achei o meu caminho por aí. 

Como vocês conseguiram monetizar uma batalha de rimas, remunerando tanto o vencedor quanto o organizador do evento? E que mais vocês agregaram nesse projeto que passou a te influenciar dali para frente?
O Racionais me inspirou a entrar nessa luta de militância e transformar a música em autoexpressão. Mas no final dos anos 90, comecei a escutar Jay-Z, que dizia: “I’m not a rapper, I’m a hustler” [Não sou um rapper, sou um empreendedor das ruas]. 

Cara…, ele usa todo o caixa dele como rapper para fazer negócios, para representar. Nenhuma gravadora queria contratá-lo, então ele funda a primeira gravadora dele com os amigos, começa a empreender. 

Eu absorvi isso, peguei essa inspiração e começamos a entender que o hip hop não é só o palco. A gente precisava ter uma atitude plural e múltipla, abraçar diversos talentos para ter força e não chegar despreparado a essas corporações

Se hoje é complicado, imagina naquela época. Então, foi uma construção coletiva que abriu portas para todo mundo. 

Durante quanto tempo rolou a Batalha do Real? Foi sempre com patrocínio de marca?
Começamos a fazer a Batalha do Real em 2003, na onda do filme com o Eminem sobre batalhas de MCs, o 8 mile – Rua das Ilusões. A gente lança a Batalha do Real aqui no Rio. 

Brinco que na primeira edição, tinha seis pessoas e um cachorro. Na segunda semana tinha 20 pessoas. Na terceira, 50; na quarta, 100. E a partir daí a gente entende que era um movimento muito grande. 

A Batalha do Real quebrou essa barreira entre o palco e o público. Uma hora o cara estava no público, outra hora estava no palco, cantando. E isso trouxe muita gente boa à tona 

A Batalha do Real tem 19 anos. Ela parou durante a pandemia, mas até 2019 a gente realizou temporadas de diferentes formatos. Tivemos patrocínio da Red Bull, a Nike nos apoiou por um tempo, e o CEAP [Centro de Articulação de Populações Marginalizadas], ONG do Babalawo Ivanir dos Santos, deu suporte.

Dois mil e dezesseis foi um ano muito legal, quando ganhamos o edital da cidade do Rio, então fizemos uma supertemporada que revelou artistas como o Xamã, hoje o artista mais escutado no Spotify na categoria rap, MC Estudante, Big Bllakk

Mas nem sempre tivemos patrocínio. A gente realmente incorpora o espírito do faça você mesmo… Em 2019, fiz uma temporada toda trazendo os principais astros do trap [subgênero do hip hop] aqui para o Rio, em uma casa chamada Ganjah. E foi sem patrocínio, só com o suporte do público pagando entrada. 

Desse evento semanal, a Batalha do Real, algo como uma peneira em que se apresentava gente nova e gente experiente, surgiu a Liga dos MCs Brutal Crew?
Exato. A Liga era um evento anual. Foi um estouro na cena. Até Chuck D, líder do Public Enemy, quando veio disse que era uma das mais legais do mundo. Porque a gente trouxe profissionalismo, a aspiração entre o entretenimento e o esporte, com a proposta de elevação desses talentos. 

Conseguimos inúmeras matérias importantes, o que ajudou a proliferar as batalhas pelo Brasil. A gente fez várias edições anuais e até uma turnê com a Red Bull, em 2007, por cinco cidades. No mundo pré-internet, foi a principal ferramenta de disseminação dessa cultura. 

Você se identifica como um pioneiro da cultura sneaker (colecionadores de tênis) no Brasil. Isso veio antes ou depois do seu contato com a Nike?
Um pouco antes de trabalhar com a Nike, trabalhei com uma marca paulista chamada XXL, quando eu era o MC de uma das festas mais importantes de São Paulo. Eles começaram a trazer sneakers para cá. 

Antes de eu entrar na Nike, havia uma cultura sneaker clandestina. A galera ia para Miami, Los Angeles, enchia a mala de tênis e trazia para cá. Então a XXL começou a reproduzir esses tênis famosos para ter o produto — e eu fui o embaixador desses tênis por um período aqui 

Meus trabalhos sempre permearam o hip hop como um todo. Mas acho que o primeiro trabalho que realmente englobou lifestyle, vestuário, cultura sneaker e música, foi com a Nike mesmo. 

Você já tinha uma carreira como MC. E aí se aproximou do mundo corporativo na Nike, em 2009, ficou dez anos, foi bem sucedido. Eu queria saber duas coisas. A primeira: o que te levou a aceitar esse convite?
A história com a Nike é bem peculiar. Ela começa mais ou menos assim: em 2000, a gente tinha a Festa Zoeira aqui e eu conheci a Muhammida El Muhajir, uma afro-americana que veio para o Brasil fazer um documentário chamado Hip Hop: The New World Order

Ela trabalhava na Nike no mesmo cargo que eu ia ocupar dez anos depois, de “Energy marketing”. Eu apresentei a cidade a ela e ela me presenteou o CD que tinha as primeiras músicas do Eminem, umas roupas do Michael Jordan e tal. 

Em 2008, meu amigo e sócio César [Schwenk] estava num show e alguém notou o tênis dele, que tinha sido trazido pela tia dele dos EUA. A pessoa disse que trabalhava com a Nike e o convidou para uma reunião no dia seguinte. Ele topou e pediu para levar um amigo. E esse amigo era eu. 

Fomos determinados a conseguir um apoio da Nike. Hackeamos completamente a reunião e não paramos de contar as coisas que a gente estava fazendo com Liga dos MCs, Inumanos, hip hop, blá blá blá… E aí começa essa relação com a Nike 

A coisa fluiu, mas chegou uma hora que eu disse a eles: “Legal que vocês estão aqui com a gente, mas preciso fazer grana, tá puxado ser um artista independente”. Me ofereceram de eu escrever sobre o que rolava na cidade. Comecei a produzir recortes sobre a cena cultural do Rio. 

Passaram-se três meses e o gerente me falou que ia sair de férias e que viria uma galera de fora. Me convidou a fazer um roteiro para levar as pessoas para passear no Rio. O roteiro foi aprovado. Quando fui encontrar essa galera, fiquei maravilhado: abriu a porta da van e vi afro-americano, afro-cubano, japonês, europeu, americano, canadense… 

Aqui no Brasil, nunca tínhamos visto as pessoas que faziam a Nike acontecer. A gente tinha a marca como uma alienígena! E essa pluralidade me cativou. Durante esse dia, fomos conversando. Chegou de noite, no final do tour os caras disseram: “Tá contratado, vai para São Paulo segunda-feira e fechou!”

Foi um susto quando cheguei no escritório da Nike em São Paulo… Senti que era uma grande oportunidade, para mim e minha comunidade, estar perto de uma marca tão relevante. Aceitei, mas nem imaginava todos os desafios, adversidades, aprendizados que viriam pela frente. 

A outra pergunta é: o que a Nike queria de você?
A Nike é uma empresa obcecada pelo atleta. Se você tem um corpo, você é um atleta. E desde os anos 80, quando fizeram aquele tênis para o De volta para o futuro, eles têm essa obsessão de entender quem influencia esse atleta. 

Dentro do campo é nítido que [quem influencia] é o Michael Jordan, o Messi, o Cristiano Ronaldo. Mas essa galera que estava naquela van – que forjou a Nike como a gente conhece nos últimos 30 anos – queria saber: onde esse atleta come, o que ele veste, quem ele escuta? 

É uma empresa muito interessada em conexão. Especialmente, porque o produto da Nike é criado para quadra, mas reverbera na rua. 

Eu fui um dos principais artífices em fazer essa conexão entre a cultura de rua e os escritórios. Trazia essas informações da rua, em primeira mão, com agilidade e velocidade. E ajudava a traduzir essas campanhas globais para o nosso estilo de vida, brasileiro, das grandes cidades 

Quando se fala em hip hop, tem que entender que é a cultura urbana que aglomera todos os setores e formas de expressão dos jovens dos grandes centros. A habilidade de circular a cidade, de conectar com diferentes partes da cultura, foi importante para a minha atuação, para o meu desempenho. 

Como nasceu o projeto de Run Crews – equipes de corrida urbana em grandes cidades brasileiras – que rodou de 2013 até as Olimpíadas do Rio, em 2016?
Quando cheguei à Nike, a corrida no Brasil era um esporte envelhecido. Ao contrário dos EUA, onde a cultura do track and field [atletismo] é forte e a galera corre desde o high school [ensino médio]. Aqui, a galera começava a correr aos 30, 40 anos, para perder a barriguinha. 

A ideia dos Run Crews foi trazer um pouco do movimento que estava rolando lá fora, de pessoas que gostavam de correr, não pelo resultado da performance, mas sim pela energia, pela união da galera, pelo aspecto cultural. Seja porque tinha uma cervejinha ou uma apresentação musical depois, ou só por dominar a cidade e trocar uma ideia. 

A gente trouxe essa ideia para cá e funcionou bastante. Ajudou a democratizar a corrida… Colocamos Seu Jorge, Marcelo D2, a galera toda para correr. Era falar da nossa cultura através da corrida.

Você já disse que os MCs são cobrados por sua postura pública. Como a comunidade do hip hop enxergou essa sua aproximação com a Nike?
Quando entrei na Nike, causou uma estranheza. A galera não conhecia a marca como conhece hoje, com esse toque mais humanizado. Foi um momento interessante porque teve estranheza de todos os lados – tanto do lado da rua quanto dos colegas na Nike. 

Era uma empresa com um departamento de marketing sem absolutamente uma pessoa preta. Todo mundo parecido, com sobrenome europeu, tinham estudado na mesma escola de São Paulo, moravam no mesmo bairro… Aí chega um negro, carioca, da cultura do hip hop, com outras ideias. Eu estava entre dois mundos. 

Como você lidou com esse estranhamento que viveu dos dois lados?
Foi complicado. Não me perdi graças à minha herança cultural, ao apoio da galera da rua, que entendeu a proposta de trazer o atleta para perto dando luz aos talentos urbanos. Mas no meio corporativo foi um desafio, era uma comunidade homogênea, com racismo muito presente. Foi uma luta ladeira acima para provar e comprovar o meu valor e o valor da minha comunidade. 

Tem uma história engraçada. Muitos na Nike do Brasil falavam que no Rio não tinha cultura sneaker. Fiquei pensando por que falavam isso… Concluí que era porque a pessoa descia no aeroporto, pegava um táxi, entrava em um hotel em Ipanema, ia para praia e falava: “Não tem ninguém de tênis aqui!”. Claro, você está na praia! Então a gente teve que provar que o Rio não é só Ipanema. No Centro a galera usa tênis, em Madureira a galera usa tênis. Em Botafogo tem uma galera apaixonada por tênis. 

Foi uma luta não me perder no meio disso, não me conformar em ser o único preto. Sem a minha comunidade eu não sou nada. Eu represento muita gente e gosto de botar essa galera do meu lado 

Foi uma jornada complexa estar dentro de uma empresa que se beneficiava muito do lifestyle da cultura preta, dos atletas negros como Michael Jordan, Tiger Woods, Ronaldinho Gaúcho, e tentar fazer isso ser refletido dentro da empresa. Foram inúmeras conversas, discussões.

Depois dessa década na Nike, você voltou a empreender na área artística. Como foi? E o que mais fez em âmbito corporativo?
Saí da Nike em 2018 já com um cenário musical bem diferente. Já existia o Spotify; e o hip hop, muito pelas coisas que fizemos na Nike, já estava em outro patamar. 

Fui trabalhar com a Na Moral Produções, – uma agência de talentos aqui do Rio que fez a carreira da Pitty, Nação Zumbi, D2 – para desenvolver um novo casting, trazer novos artistas e criar essas conexões com marcas. Foi legal para aprender sobre agenciamento artístico, produção de shows. 

Ao mesmo tempo, recebi o convite do Selina, rede global de hotéis e hostels que flerta com a área cultural. Eles abriram um Selina na Lapa e me convidaram para ser embaixador cultural. Faço parte desde 2018 desse board internacional de creators, influenciadores que trazem experiências para o hotel. 

É um pouco de tradução, de como interpretar as iniciativas globais para Lapa, que é um bairro efervescente, tem o Circo Voador, a Fundição Progresso, o movimento hip hop, a cultura do rock, do punk, tem a galera do funk… A gente conseguiu mesclar a cultura global do Selina com os valores locais autênticos.

Os conhecimentos que trago de um projeto eu levo para o outro. Sempre tento criar conexões, um ecossistema entre as atividades que eu exerço. Para mim é vital sempre estar fazendo coisas diferentes. Nunca ter um dia parecido com o outro é o que me motiva

Um dia posso estar no estúdio, noutro posso estar em uma reunião com a galera do Selina, ou desenhando uma sandália com a Rider, visitando um grupo de influenciadores. Isso é que me deixa vivo. 

Recentemente, você se qualificou como expert em NFTs. Por quê?
Falando em conexões… O Marcos, um dos fundadores do Digitaldubs, uma equipe de som de reggae jamaicano aqui do Rio, já me falava há um tempo que NFT era o futuro e todo o potencial que ele tinha para música. 

Estudei um pouco, fiz cursos e daí, seis meses atrás, ele veio com a ideia de lançar o Cripto Rastas [coleção de avatares da cultura reggae] e me convidou para desenhar a estratégia de influenciadores do projeto, achar as pessoas que poderiam alavancar essa história. 

Tivemos que localizar artistas que pudessem ajudar a disseminar isso para uma comunidade ainda emergente. Foi superinteressante,  a gente construiu uma teia que acabou chegando no Snoop Dogg. Ele tuítou sobre isso e, em duas horas, 6 mil tokens foram vendidos. Deram sold out na coleção! 

É importante para a comunidade preta a gente ter entrado desde o começo nessa história. Em geral, [quando] esse tipo de tecnologia chega na comunidade periférica, já foi consumida e consolidada. Fica difícil de lucrar, a grana já fluiu. É tudo muito rápido 

Foi um aprendizado em termos de marketing. Tive que quebrar barreiras no jeito que eu pensava, no jeito que as coisas tinham que ser organizadas. Porque nesse ritmo startup, as coisas acontecem em outra velocidade. 

Esse projeto continua, estão saindo outras levas. E estou desenvolvendo outros projetos proprietários pelo NFT e pelo metaverso. Como a gente pode levar as batalhas de MCs para esses outros espaços e dar a possibilidade de o fã ser investidor e lucrar com isso. O que tem tudo a ver com o hip hop!

O NFT quebra todos os filtros: o artista lança o próprio NFT; [se] a comunidade abraça, já era. Não precisa mais de gravadora, empresário, patrocínio… Daqui a cinco anos, vai estar no celular de todo mundo. Então por que não estar antes? 

Em que mundo você se sente mais à vontade: na arte, na música, no Black Music Business ou no esporte e na moda?
Olha, me sinto à vontade onde posso ser eu mesmo. Quando entrei no mundo corporativo, por muito tempo reneguei meu lado artístico. Eu queria ser igual aos meus colegas que tinham feito MBA ou estudado em universidade fora, ou falavam aquele linguajar. 

Foi difícil entender que a minha maior riqueza era ser quem eu sou e trazer o diferencial para mesa. Adoro ser o cara na reunião de marketing que pensa em música. E gosto de estar no meio dos meus amigos no estúdio já pensando em como promover essa música, em qual empresa a gente vai conectar 

Foi uma luta grande. Envolveu psicólogos, amigos, conversas com meus mentores para entender que esse é o lugar onde me sinto à vontade e onde rendo mais. Quando estou com vontade de ser de fato quem eu sou, e expressar os valores que se manifestam em mim, aí as coisas acontecem.  

Para encerrar: você já disse que a facilidade de acesso “banalizou” a importância da música, e que por outro lado a fidelização dos fãs hoje segue uma “visão mais 360º”. Esse retrato ainda vale? E o resultado dessa equação é positivo ou negativo?
Antigamente, você lia no jornal que uma banda era legal, então você ia à rua, comprava o disco na loja, abria a vitrola, escutava. Hoje, a música está em todo lugar. E as ferramentas de fazer música são muito mais acessíveis, você faz um disco com o celular tranquilamente. 

O universo da música se expandiu, tabus foram quebrados. Naquela época, os artistas não queriam se associar a marcas: “Ah, nunca vou me vender…”

O hip hop é o primeiro movimento que abraça essa mercantilização da música. Ele pega a coisa do punk, do faça-você-mesmo, mas cria todo um ecossistema, um mercado, que é absorvido hoje 

E a fidelização de fãs começou porque a música é expoente disso. O que as marcas querem hoje com os modelos de assinatura? Cativar, criar conteúdo que mantenha uma relação duradoura com o consumidor. 

Guardadas as proporções, quando a galera da Nike me pega em 2008 do movimento rap e me bota no escritório, é parecido com o que o Nubank faz quando traz a Anitta: eles querem a capacidade dela de comunicação com o público, o entendimento dela de mercado. 

Então, estamos [no hip hop] sempre nessa vanguarda, entre o comércio e o entretenimento. De alguma forma, isso acabou marcando a minha carreira.

A música continua sendo um cartão de visita importante. Mas o músico tem que entender que fazer música é [só] uma parte do trabalho. São sua credibilidade e autenticidade que possibilitam criar e desenvolver outros negócios que vão manter a sua música viva. Paradoxal, mas é isso 

Você atrai a atenção com a música, e você vende show, palestra, camiseta…, conta a sua história. Neste mundo, com um attention span de 1 minuto, os músicos têm o poder de travar a atenção das pessoas por um show de uma hora e meia. É um privilégio incrível.

 

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