Arnaldo Ribeiro: “O Tironi é mais pessimista que eu, então o primeiro desafio foi convencê-lo de que a gente não estava velho demais”

Leonardo Neiva - 2 maio 2024
Os jornalistas Arnaldo Ribeiro (à esq.) e Eduardo Tironi.
Leonardo Neiva - 2 maio 2024
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Quando foi demitido da ESPN Brasil, no processo de fusão da emissora com a Fox Sports em 2019, o jornalista e comentarista esportivo Arnaldo Ribeiro decidiu apostar em algo diferente. 

Então chefe de redação dos canais ESPN, comandando alguns dos principais programas da emissora — como o Linha de Passe, onde atuava também como comentarista —, ele estava cansado da relação com as empresas dentro do jornalismo.

“Eu já estava sinceramente pensando em concentrar mais tempo nas minhas coisas do que nas dos outros”, diz Arnaldo, 52. “Adoro comandar, lidar com pessoas, mas já estava no limite.”

Foi aí que, em conversas com o também jornalista e comentarista Eduardo Tironi, amigo desde a época da faculdade, a dupla resolveu lançar um canal no YouTube. Apesar de outros jornalistas terem propostas semelhantes, a ideia era um pouco diferente. Arnaldo afirma:

“Sugeri fazermos uma parceria estimulante, um puxando o outro, já que temos estilos que se complementam. Diferente do que já existia na mídia alternativa esportiva, um canal em dupla em vez de solo”

Quase cinco anos depois, dá para ver que o desafio deu certo. Embora continuem atuando, em paralelo, na mídia esportiva tradicional, hoje os dois têm como sua principal fonte de renda o canal Arnaldo e Tironi, que faz uma cobertura extensa das partidas e bastidores do São Paulo, time do coração de ambos, conta com mais de 280 mil inscritos no YouTube e segue crescendo.

Com uma trajetória de mais de 30 anos, que passa por veículos como o extinto jornal Notícias Populares, Folha de S.Paulo, Estadão, a revista Placar e o SporTV, Arnaldo hoje coloca em prática essa experiência em vídeos com conversas descontraídas entre a dupla, replicando o clima das adoradas mesas redondas do jornalismo de futebol.

Mesmo atuando como comentarista ainda na Revista do Esporte, da TV Cultura, no podcast Posse de Bola, do portal UOL, e no programa G4, no Bandsports, ele relativiza o peso atual dos veículos de comunicação na carreira do jornalista esportivo. Para Arnaldo, modelos mais diretos e que apostam na marca pessoal, como os canais do YouTube, hoje fazem mais sentido — tanto para os profissionais quanto para os patrocinadores.

A seguir, ele fala ao Draft sobre essa guinada de carreira, o nível do Campeonato Brasileiro, a conexão com os torcedores e a ligação do futebol com os sites de apostas esportivas, envolvidos em polêmicas e investigações e hoje em processo de regulamentação no país — um deles, a KTO, é o principal patrocinador do canal Arnaldo e Tironi. Confira:

Como surgiu a ideia do Canal Arnaldo e Tironi? Já era uma vontade antiga?
Eu e o Tironi temos uma história em comum. A gente estudou na mesma sala da PUC. Nossa carteira de trabalho tem o mesmo dia de inauguração, quando fomos pinçados do curso de jornalismo para trabalhar no Notícias Populares. Depois cada um acabou indo para um lado. .

Quando chefiei a redação da ESPN, primeiro indiquei o Tironi para nossa sucursal do Rio. Depois trouxe ele para trabalhar comigo em São Paulo, então a gente voltou a conviver. E fomos demitidos no mesmo dia também — quando teve a fusão da ESPN com a Fox

Digamos que nossa saída era prevista. Não saímos como comentaristas, mas como chefes, e outra turma vinha comandar.

O Tironi ficou abatido. Eu já estava sinceramente pensando em concentrar mais tempo nas minhas coisas do que nas dos outros. Adoro comandar, lidar com pessoas, mas já estava no limite. 

A ideia do canal foi tomada rapidamente, mas a gente não se identificava com a ideia de falar sozinho. Então sugeri fazermos uma parceria estimulante, um puxando o outro, já que temos estilos que se complementam. Diferente do que já existia na mídia alternativa esportiva, um canal em dupla em vez de solo.

Quais foram os principais desafios de vocês na hora de fazer essa transição para uma produção de conteúdo própria?
O Tironi é mais pessimista que eu, então o primeiro desafio foi convencê-lo de que a gente não estava velho demais para aquilo. 

Falei: tem gente mais velha no YouTube que consegue se comunicar muito bem. O Mauro Cezar [Pereira], que é mais velho, tinha um canal e ajudou com dicas básicas. 

Os outros desafios foram até mais simples de atravessar. Em termos de rentabilidade e monetização, a gente sabia que seria um processo.

Uma coisa que parecia ser um desafio acabou se revelando uma oportunidade, porque a comunicação é muito mais simples do que na TV. Posso falar do meu quarto, sem precisar de uma produção, de redação, figurino, maquiagem. Não dependemos de ninguém para fazer funcionar 

No fim das contas, é uma comunicação muito mais fidedigna a como você fala normalmente. Às vezes sai um palavrão ou outra coisa totalmente compreensível nessa linguagem. 

E a pandemia, um desafio para todo mundo, foi também uma oportunidade, porque lives e streaming acabaram sendo a bengala [muleta] de muita gente numa época hostil, com todo mundo em casa. 

A restrição acabou fomentando o canal. Aí pegou tração e sobretudo o Tironi percebeu que a gente poderia vingar.

No canal, vocês mantêm uma dinâmica descontraída. Como é produzir conteúdo em dupla?
Na faculdade, o Tironi era muito próximo. As nossas conversas na mesa do bar, o truco, o tempo que a gente trabalhou junto no Notícias Populares, tudo já vislumbrava que nossa tabelinha funcionaria num canal. 

Também ajudou na dinâmica estabelecer ele como âncora condutor e eu mais como comentarista. Ele guia, assim como no nosso podcast do UOL ou no programa do BandSports, onde foi até apelidado de “O Âncora”, coisa que ele nunca tinha feito antes na TV. 

Ele se encontrou ali. Então esses detalhes foram sendo incrementados ao longo do tempo de convivência no canal.

Por que vale investir na sua marca pessoal no mundo de hoje?
Até hoje os colegas que ficaram na ESPN, como o Gian Oddi, se surpreendem quando falo que nossa maior fonte de renda é o canal no YouTube. Com alguma margem – e olha que a gente divide tudo igualmente em dois. 

Desde o início, o YouTube permite monetizar, se preocupando com visualizações, perguntas pagas, comunicação e comercializando seu espaço, podendo ter seus próprios patrocínios. 

Era uma coisa que a gente não exercitava na TV. No canal, somos nosso próprio departamento comercial. Percebi logo no início que, para o mercado, aquilo fazia mais sentido que o formato da TV, onde o cara tinha que ir numa agência, desembolsar muita coisa esparsa. 

Então, as marcas começaram a se perguntar: por que ir para a TV se o alcance desse modelo começa a crescer e posso negociar diretamente com as pessoas? 

Tivemos um primeiro parceiro surpreendente, quando a gente não era muito grande. Eles estavam interessados em patrocinar o Posse de Bola, nosso podcast no UOL. 

Encaminhamos para a publicidade do site e ali encontraram talvez a mesma dificuldade. Retornaram para a gente dizendo ser inviável, mas tinham interesse em entrar no canal.

Você ainda atua na TV Cultura, no BandSports e no UOL. Isso acaba criando uma segurança maior no ambiente do jornalismo?
Para mim, é o outro lado do balcão. Quando eu era chefe na ESPN, a própria empresa se perguntava como seus talentos podiam ter canais no YouTube se ela mesma não conseguia desenvolver isso. Aí começaram a barrar esse tipo de iniciativa. A Globo era exclusivista. 

Eu já percebia que era como tentar tapar um vazamento com as mãos. A exclusividade é impossível no mundo atual 

Aí as pessoas mais talentosas começam a sair dos grandes meios de comunicação. Primeiro que ninguém mais consegue oferecer um sustento, é pesado para a empresa. Até por isso elas poderiam ser mais flexíveis, como faço na Cultura, no BandSports e no UOL. Se um desses meios me pedisse exclusividade, eu não faria. 

O Juca Kfouri, meu mentor, sempre falou em não colocar todos os ovos na mesma cesta, algo que ele pratica há um bom tempo. E faz sentido mesmo, sobretudo com tanta diversidade de possibilidades para um jornalista.

O contato com o torcedor também fica mais próximo. Quais os principais pontos positivos e dificuldades disso?
Essa foi outra grande e grata surpresa. No começo do canal, estava caminhando até o cinema quando me deparei com uma cena típica paulistana: as motos no limite da faixa, esperando o farol abrir. Aí um motoboy parou para tirar uma foto e falou do canal. 

O Tironi fala sempre que, na TV, você entra na casa da pessoa. No YouTube, a pessoa entra na sua casa. Essa é a diferença. 

O público me vê como sou, na minha casa, às vezes minha filha passando atrás da transmissão. A relação é muito mais direta 

A TV te dá um certo distanciamento, ainda mais na ESPN, um canal segmentado, caro, de pacote premium. Então a comunicação, na rua ou no chat, passou a ser incrível – talvez a coisa mais prazerosa nesse processo todo. 

E são pessoas de classes sociais, locais, países muito diferentes. É um baita combustível. Claro que a gente tem que lidar com hater, mas é uma coisa ínfima perto dos retornos positivos. Você acaba desenvolvendo a capacidade de ignorar.

O canal é quase todo voltado para a cobertura do São Paulo. Hoje é importante o comentarista ser aberto sobre o time que torce? Apesar da paixão, consegue manter o distanciamento?
A minha geração de jornalistas, da década de 70, talvez seja uma das primeiras que levaram o jornalismo esportivo como um fim. Nossas grandes inspirações passaram por ele para fazer outras coisas, como uma iniciação. Aí na minha geração, PVC, Mauro Cezar, Tironi, o jornalismo esportivo é o que a gente quer fazer. 

A geração anterior não tinha problema algum em revelar o time. A nossa nasceu com esse princípio da imparcialidade e de ocultar. Acho que não prejudica em nada a atuação 

Claro que a experiência ajuda muito. Cobri o São Paulo e fui próximo do Telê [Santana], aí todo mundo acha que foi o time que mais cobri na vida. Mas cobri por mais tempo o Corinthians, onde aprendi até mais, por ser mais imprevisível. 

Num jogo em que o Raí perdeu dois pênaltis contra o Dida, inesquecível para os são-paulinos, eu estava acompanhando o Corinthians. Ajuda ter o discernimento de torcer e depois trabalhar. Não chutei a grama do Morumbi quando o Raí perdeu o pênalti, estava concentrado em outra coisa, na minha atividade. 

Fazer essa segmentação era um dos objetivos?
O canal não nasceu com a pretensão de ser um destino para são-paulinos, embora eu tenha falado para o Tironi desde o começo: existe uma lacuna no YouTube para torcedores do São Paulo. É a terceira maior torcida do país. 

O Flamengo está cheio de possibilidades no YouTube, o Corinthians tem o Meu Timão e o São Paulo estava meio solto. Aos poucos, foi pelo caminho da segmentação, e a gente abraçou de vez. Ainda fazemos lives na Copa do Mundo, de outros times, mas acabamos adotando isso. 

Os caras da ESPN ficam bravos porque percebi uma segmentação muito forte na mídia esportiva em geral. E passei, como diretor do programa mais importante da ESPN, o Linha de Passe, a sutilmente fazer a escala em função dos times [dos jornalistas]

Então, na segunda-feira a gente tinha o Juca Kfouri, corintiano, o Mauro Cezar, rubro-negro, eu, são-paulino, e o Gian Oddi, palmeirense, ali representadas as quatro principais torcidas do país. Aquilo começou a se traduzir em audiência. Se um dia o Atlético-MG estava jogando uma partida decisiva na Libertadores, colocava o Mário Marra, que é atleticano. 

Vários não gostavam de estar associados ao clube do coração, mas eu mostrava que as pessoas saíam do SporTV para ver nosso debate. A segmentação estava na minha cabeça desde a ESPN, e o YouTube seguiu essa possibilidade.

Muita gente diz que o jornalismo de futebol vive de polêmica e especulação. Mas não tem como não tratar de questões que mobilizam o torcedor. Como buscar um equilíbrio?
O mercado de contratações gera um clamor muito grande. A gente percebia que a época em que a bola parava era a de maior audiência. Hoje no YouTube tem canais e pessoas especialistas só em mercado. 

Eu era chefe do Jorge Nicola na ESPN, que tem um canal de alcance enorme, é especialista nisso. Falava para ele que a informação precisa passar sempre pelo ritual de checagem. 

Se quiser ter sempre a maior quantidade de informações, mesmo que não sejam fidedignas e checadas, quando tiver algo grande, ela vai perder força. Ninguém vai saber se você está acertando ou errando. 

O cara respeitado no mercado é aquele que, quando fala, é 100%. Mais a qualidade do que a quantidade. Parece um conselho básico e trivial, mas é muito tentador cair na especulação vazia

Eu e o Tironi não mexemos com isso, apesar de ainda exercer a minha apuração. Pelo menos no clube destino do canal, me considero bem informado. Consigo antecipar coisas, mas com meu critério de checagem da informação, que é o mesmo desde o Notícias Populares.

E na relação com as marcas e patrocinadores? Conseguem manter um jornalismo independente?
Uma situação inerente ao meio esportivo, que envolve patrocínio, é a relação de provedores de conteúdo com sites de apostas [como a KTO, patrocinadora do canal Arnaldo e Tironi, e a Sportsbet.io, que era a patrocinadora na época do lançamento]. Os principais patrocinadores da ESPN na minha época eram os sites de apostas, já em 2017. 

O Juca Kfouri estabeleceu uma carreira como o anti-merchan, dizendo que o patrocínio era a água da bica, fazendo troça como se fosse viver sem patrocínio a vida toda — o que lamentavelmente não é factível. 

No Linha de Passe, a gente conseguiu implementar os palpites da rodada, que eram patrocinados pelos sites de apostas. O Juca dava palpite, o Mauro, senão não tinha programa. 

Com a relação mais direta, estou convicto de que é um caminho sem volta. Os principais campeonatos, o Brasileirão e a Libertadores, são bancados por sites de apostas. 

É importante ter garantias e salvaguardas para não misturar as coisas, deixando claros os limites, sem incentivar as pessoas ao vício do jogo. É uma coisa muito maluca, porque hoje vejo a molecada apostando pra caramba 

Nunca tive essa vontade, não gosto. Por não ter tanta intimidade, costumo tratar com distanciamento, quase como uma brincadeira. 

Mas é um limite muito tênue, e [a KTO] é o patrocinador master do canal. Essa é uma preocupação constante que a gente tem. 

Temos que ter salvaguardas, porque estamos divulgando coisas para as pessoas. Os sites de apostas são a maior coisa, mas vale para todos os produtos que a gente anuncia no canal.

Aproveitando o início do Brasileirão, já dá para fazer uma avaliação? Em que pé está o futebol no Brasil?
A tentação de falar mal é gigante. Foi a terceira rodada do Brasileirão [no fim de semana anterior à entrevista, realizada na segunda, 22 de abril], um jogo com as duas maiores forças, Palmeiras e Flamengo, e o jogo foi zero a zero, um lixo. 

Costumo discutir com o PVC. A gente pensa diferente sobre quase todas as coisas da vida, mas nesse aspecto pensamos parecido. 

O calendário, do qual reclamam tanto, é muito melhor do que nas décadas de 80 e 90, o nível dos campos também, a fórmula dos campeonatos é melhor 

A gente viveu uma época em que não sabia se ia ter campeonato dali a um mês. São pequenas evoluções gradativas. Não é perfeito. 

O nível técnico do futebol brasileiro não é dos melhores, mas tem vários pontos interessantes atualmente, como o equilíbrio completo. A diferença entre o primeiro e o último é muito pequena. Em três rodadas, ninguém ganhou três jogos. Essa é a cara do futebol brasileiro, não tem outro assim. 

Vejo várias virtudes antes de apontar os defeitos de sempre, sobretudo para quem viveu épocas em que um time caía para a segunda divisão e voltava sem jogar… 

Claro que tem margem para muita melhora, mas não vejo essa desgraça que alguns companheiros pintam. Acho o nível do futebol brasileiro ok, e o Campeonato Brasileiro é interessante por ser muito nivelado.

Quais os planos futuros?
Apesar de estarmos em dez mil lugares, nem sempre juntos, queríamos estar mais presentes nos estádios para incrementar o pós-jogo. Tivemos experiências com a final da Copa do Brasil e a Supercopa. 

Estar mais presente nas entrevistas, corpo a corpo com os jogadores, ajuda muito no conteúdo, incrementando o que a gente já faz bem 

E não simplesmente aumentar o volume de gente, o que tem acontecido. Isso faz falta.

E qual a principal lição desses últimos anos?
Que vale insistir um pouco e acreditar no seu feeling. Parece simples criar um canal de opinião, mas a experiência de 30 anos na profissão traz uma bagagem que ajuda a tomar decisões. 

Se não fosse a confiança e a insistência, talvez a gente não tivesse continuado. Meu parceiro não é exatamente uma pessoa otimista, então tive que desenvolver isso com ele. 

É saber que o trabalho anterior ajuda, mas agora você trabalha para você, uma oportunidade maior do que estar vinculado exclusivamente a uma empresa. 

Você vai acertar todas? Não. Vai quebrar a cara algumas vezes? Vai. Mas “depende de você” não é só um slogan: depende mesmo, em todos os aspectos 

E isso é uma grande vantagem nessa vida que estamos vivendo.

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