Romero Rodrigues, do Buscapé à Headline: “Eu mudei de indústria justamente para fazer algo novo numa nova indústria”

Marina Audi - 6 set 2023
Romero Rodrigues, sócio da Headline.
Marina Audi - 6 set 2023
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Aos 45 anos, Romero Rodrigues – sócio da casa de venture capital Headline – hoje se considera um dinossauro do mercado. Isso porque sua jornada de empreendedor em tecnologia começou em 1998, quando ele tinha 20 anos.

Romero foi um dos fundadores do lendário Buscapé. Junto com Rodrigo Borges, Ronaldo Takahashi e Mario Letelier, ele criou o primeiro serviço brasileiro de comparação de preços online, vendido em 2009 por 374 milhões de dólares para o fundo sul-africano Naspers.

Ainda no Buscapé, Romero começou a ensaiar uma nova frente de atuação como investidor-anjo. Até que em 2016 tornou-se sócio da Redpoint eventures. Por lá, junto com Anderson Thees e Manoel Lemos, ele investiu em 56 empresas. Cinco delas viraram unicórnios – Rappi, Creditas, Gympass, Olist e Pismo.

Esse histórico já bastava para pôr Romero em outro patamar. Mesmo assim, ele quis mais jogo. Em final de 2021, decidiu seguir com um terceiro fundo, no qual continuou parceiro da Redpoint, da e-ventures – rebatizada de Headline – e para o qual trouxe a XP Inc. 

Desde então, ele detém o recorde de maior fundo de venture capital do mundo em número de investidores – são exatos 12 497. Fundo que, por sinal, já investiu em três companhias – Fin-XFiibo e Smart Break – e pretende formar um portfólio de cerca de vinte.

Convidamos Romero Rodrigues a nos contar sua história de trás para frente, relembrar momentos marcantes e falar também do futuro. Leia a seguir os destaques desse bate-papo:


A criação da Headline Brasil veio em um momento de euforia no mercado de venture capital, que batia recordes. Na sequência, tivemos um ano dificílimo, porém você fechou uma sociedade com a XP Inc. e garantiu um fluxo de recursos para o fundo recém-criado. Desde o início, você já tinha ideia de trazer a XP para perto? Ou isso foi um insight devido à conjuntura da época?
Foi um pouco das duas coisas. A ideia da Headline veio quando a gente anunciou para o mercado que como Redpoint eventures, os cinco sócios [Anderson Thees, Manoel Lemos e Romero Rodrigues, além das empresas Redpoint e e.ventures – que mudou de nome e se tornou Headline] não estariam mais juntos e não levantariam novos fundos. 

Tivemos os fundos 1 e 2 e veio a ideia de dar continuidade ao que a gente estava fazendo, reforçando alguns pontos da tese. 

A Headline sempre foi muito forte em tecnologia. Ela tem uma tecnologia proprietária com muitos dados, muita inteligência artificial para encontrar startups que potencialmente vão levantar dinheiro daqui a pouco. E também para, depois que a gente encontra, poder analisá-las de uma forma mais profunda 

Na Redpoint eventures não usávamos isso de forma plena… a ideia era passar a fazê-lo. A outra ideia era seguir exatamente a mesma estratégia – focar em early stage, fazer rodadas seed, série A e começo de série B. 

Aí anunciamos pro mercado que seguiríamos como Headline Brasil e levantaríamos um terceiro fundo. Naquele momento, já sabíamos de algumas coisas. No ano seguinte, 2022, haveria eleição presidencial – e todo ano de eleição no Brasil é sempre muito confuso, chacoalha muito.

A gente sabia que aconteceriam ajustes em valuations, porque já percebíamos os sinais na China, Europa e EUA. Essa é a vantagem de ter sócios fora do Brasil. O mercado estava esfriando para os estágios mais tardios, então era uma questão de tempo, um efeito chicote até chegar no que a gente faz. 

E todo mundo sabia que, em algum momento, a inflação ia pegar – fosse ela transitória ou permanente. O excesso de liquidez, tudo subindo, qualquer coisa subia – qualquer cripto ou ação. Já imaginávamos que haveria uma ressaca

A própria recomendação para o portfólio de Redpoint eventures 1 e 2, no final de 2021, foi de muita cautela. De ter em mente que “Cash is King” [“O dinheiro é rei] como nunca, porque viriam tempos ruins. Quando começamos a discutir o fundo 3, sabíamos que seria muito importante conseguir captá-lo antes desse inverno todo chegar. 

Não seria fácil captar fora do Brasil, porque os investidores do Redpoint eventures 1 são majoritariamente americanos e europeus. Os investidores do fundo Redpoint eventures 2 são majoritariamente family offices brasileiros maiores. 

Não seria fácil captar com essa turma, porque já estavam bem alocados e vendo o mercado começando a esfriar, os juros subindo, então ninguém queria fazer alocação em ativos alternativos em geral, não só em venture capital.

Ao mesmo tempo, sabíamos que o varejo nunca tinha tido acesso a essa classe de ativo. E quando falo “varejo”, refiro-me ao investidor qualificado que tem, pelo menos, 1 milhão de reais. Então, a ideia de explorar o varejo era core nesse lançamento e eu já tinha tido uma experiência muito boa, era muito próximo da XP

Como uma grata coincidência, quando a gente anunciou, o pessoal da XP me chamou pra começar a papear sobre parceria. O que achei que seria uma parceria só pra distribuir o fundo no começo virou uma parceria muito maior pra gente tornar realmente a Headline o braço de venture capital da XP.

Incluir o varejo dentro da estratégia de captação de recursos é uma inovação no mercado de investimento no Brasil. A XP tinha feito, anos antes, uma disrupção com o modelo de agentes autônomos. Vocês juntaram o modelo atual da XP de rede de assessores de investimento e trouxeram para o ecossistema de startups…
Eu mudei de indústria justamente para fazer algo novo numa nova indústria. 

Tenho amigos que dizem: “Pô, você sabe que, do ponto de vista econômico, se empreendesse novamente ganharia dinheiro mais facilmente do que começar do zero em outra indústria…” Mas também não ia ter tanta diversão quanto no Buscapé [risos].

Sem querer faltar com humildade, pelo amor de Deus, acho que foi um movimento inovador, na época muito criticado, mas foi feito com muita visibilidade. 

O que estamos conseguindo construir, que é muito legal, é conectar algumas partes muito específicas e muito únicas da plataforma da XP com diferenciais que são cruciais para o que tem de ser uma casa de venture capital bem sucedida 

Temos uma combinação de pilares – que todas as casas bem sucedidas têm. Primeiro, temos um time de gestores, muitos já empreenderam e acumularam olho roxo, cicatrizes, são complementares e ajudam as startups no dia a dia. Acho que fazemos um bom trabalho nisso, eu tenho um bom track record, mas há outras casas que têm isso também. 

O segundo pilar é a plataforma tecnológica da Headline, que é muito bacana, e também o fato de termos fundos-irmãos. Existe a Headline Brasil, que cuida de América Latina, tem a Headline US, Europa e China. E são 46 sócios: eu e a XP aqui no Brasil e mais 44 fora. Trocamos experiências sobre tudo que todo mundo está vendo. 

Nove entre dez vezes que vemos algum modelo de negócio ou startup interessante, eles já viram alguma coisa parecida na China, nos EUA ou na Europa – e a gente consegue comparar notas. 

Isso aprimora muito o investimento. E, depois que investe, aprimora a aceleração, porque dá pra conectar fundadores daqui com founders de fora, com problemas parecidos 

O terceiro pilar, que é a XP, teve um primeiro efeito na captação [do fundo], mas tem alguns secundários que são tão ou mais poderosos. Um deles é o fato de termos a rede de assessores que já beira 15 mil pessoas, originando oportunidades de investimento.

Na Redpoint eventures, olhávamos 600 empresas por ano; na Headline temos olhado 2 500. 

Isso porque esses assessores conversam com pessoas e outros empreendedores e trabalham como “olheiros”?
É isso. Os 15 mil assessores espalhados por 3 mil cidades do Brasil todo têm cerca de 4 milhões de clientes. Muitos desses clientes têm startup ou têm um filho que tem uma startup, ou um primo… quem quer que seja. 

E se um desses olheiros traz uma startup na qual a gente investe, é remunerado. Isso faz com que tenhamos uma cobertura muito maior do que os nossos pares. 

Imagine que no pré-pandemia, nós podíamos nos dar ao luxo de estar sentados aqui em São Paulo e visitar o inovabra, Cubo Itaú, WeWork etc. porque o mercado estava aqui. Quem cobria São Paulo e Rio, cobria tudo. 

No pós-pandemia, a maior parte das startups – principalmente no estágio em que a gente investe – não tem nem escritório, não tem motivo para estar em São Paulo. Então, essa cobertura que essa rede traz é muito especial 

Você pode me dizer: “Pô, Romero, mas é muito volume. Não tem ruído no meio”? Tem, claro. Tem de tudo, mas a gente tem as ferramentas da Headline para combinar com esse poder de plataforma e filtrar.

Você pode contar mais sobre essa tecnologia de IA que avalia startups? Em geral, adota-se uma abordagem face a face, mesmo que virtual…
É engraçado que, na minha indústria, todo mundo fala de tecnologia o tempo inteiro e não usa tecnologia [risada].

Essa tecnologia é desenvolvida pela Headline desde 2005. São duas ferramentas. A primeira se chama Searchlight. É uma ferramenta de originação; é quem vai dizer quais são as startups mais sexy entre uma lista.

A gente puxa automaticamente uma série de informações – de painel de cartão de crédito; a LinkedIn para ver as contratações; website para entender que tipo de tecnologia ela usa, porque olha o JavaScript; vai buscar comScore, SimilarWeb, lojas de aplicativos e avaliações na internet sobre a startup – e vai dar scores de velocidade e aceleração de cada uma dessas empresas, como elas crescem ou não. 

É possível ordenar as startups por listas e filtrá-las por velocidade de crescimento; crescimento de funcionários; menções no Reddit [rede social que funciona como um agregador de notícias e postagens]; menções no Github [plataforma de desenvolvimento colaborativo], que nos casos de startup de tecnologia é importante; número de downloads de aplicativos.

Em geral, o que é muito interessante pra gente é pegar a velocidade ou a probabilidade de fazer uma série A, porque com base nessas informações, a ferramenta consegue detectar qual a chance de uma startup levantar uma rodada daqui quatro a seis meses

Pensa assim: a startup tem 20 pessoas e, de repente, a ferramenta identifica que ela contratou quatro, todas na área de vendas – e não tinha ninguém de vendas antes. Ela não tinha nenhuma ferramenta de CRM e acabou de instalar o RD Station ou Hubspot. Começou a investir em marketing e os números de downloads subiram. 

A probabilidade desse time de founders estar no momento de fazer o quadro do pitch de série A – no qual vai apontar o LTV [Lifetime Value] contra o CAC [Custo de Aquisição de Clientes]; como está o crescimento; qual é a máquina de crescimento; quanto tempo demora para rampar o vendedor – é altíssima. 

Então, muito provavelmente ela está se preparando para uma rodada nova. Aí, o nosso time vai proativamente antes e esvazia essa rodada. 

É como se você tivesse, através dessa plataforma, os dados que uma empresa listada tem e fornece a um investidor ir na bolsa de valores e decidir em quem investir…
Sim. Quando eu entro na aba da empresa em si, tenho todos os gráficos; quais foram as rodadas de investimento e quem fez; funcionários; e, em muitos casos, consigo pegar, inclusive, a descrição dela. 

A plataforma vai me gerar uma série de insights sobre essa empresa, com base em todos os dados que ela tem. Em que ela está indo melhor que os competidores ou não. A IA entra para analisar os dados e gerar esses insights

A partir daqui temos a segunda ferramenta que se chama Deepdive. O que a gente faz é bater um papo com os fundadores e rapidamente pedimos alguns dados, uma lista de transações. E com base nela, levantamos uma série de informações da empresa. 

Essas informações o founder fornece depois de passar por um primeiro filtro? Quando está em uma conversa mais avançada com a Headline, é isso?
Não precisa ser tão avançada. Essas informações normalmente você só descobriria no final de todo o processo de investimento. É a última coisa que normalmente se costuma olhar. 

O que a gente olha? O mais importante são as pessoas; em segundo lugar, o tamanho do mercado; depois, qual é a dor que esse time resolve nesse mercado.

Essa ferramenta é um “hemograma completo da empresa”. Parece a Nasa – e é um pouco –, mas é feito em cima de um Excel de apenas quatro colunas 

A gente fala: “Olha, pra não tomarmos muito do seu tempo e também podermos aprofundar com calma e aí passar tempo com o time de founders, ver se ele é bom, falar de mercado, conhecer vocês melhor, deixa eu ver se o teu hemograma está legal? Se o hemograma não estiver legal, te dou o diagnóstico”. 

Por exemplo, uma companhia parecia superlegal. A gente gostou do primeiro papo e pedimos para olhar o “hemograma”. Vimos que crescia, mas não tão rápido, tudo bem. Crescia também o número de clientes, mantinha bem os clientes, tinha boa retenção – 77%. Outro número bom era que, apesar de perder clientes, quem ficava passava a gastar mais – então legal, o balde não é furado. 

Ao ver todo o churn, percebemos que o net churn [cálculo da receita líquida que a empresa deixou de ganhar] é positivo – ou seja, estava sempre mais acumulando do que perdendo receita. Aí, ao chegar aqui [LTV contra CAC] percebemos que ela não recuperaria o dinheiro que gastava para atrair clientes novos. Ela gastava um dinheiro para trazer um cliente novo que não recuperava nem depois de 32 meses. 

Depois, também tem uma funcionalidade para checagem de padrão. É uma auditoria para ver se a empresa não maquiou o Excel dele. 

Vocês digitalizaram a due diligence…
Exato! A gente digitalizou a due diligence para minutos. Isso junto com o alcance da plataforma da XP dá uma combinação que a gente acreditava ser muito poderosa – e está se confirmando.

As primeiras empresas em que a gente investiu, validamos no Deepdive. Por exemplo, a Fin-X nunca perdeu um cliente na vida, então o Net Revenue Retention (NRR) explode, vai lá pra cima! 

Em junho foi anunciada a venda da Pismo para a Visa – por 1 bilhão de dólares em dinheiro, na maior transação privada de uma startup brasileira –, uma investida da Headline e da Redpoint eventures. A empresa tem uma cofundadora mulher, o que é raro. Pode contar como foi sua aproximação com a startup ainda na Redpoint eventures, em 2016?
É uma história muito legal porque é uma startup de tecnologia de fronteira criada pela Daniela Binatti, que é a primeira founder, quem teve a ideia e chamou o time de fundação. 

Ela chamou Ricardo Josua – que se tornou o CEO porque a Daniela queria continuar como CTO, o que é bem legal –, Juliana Binatti Motta, que é CPO, e o Marcelo Parise, que é o VP de engenharia.

A startup foi investida pelo Redpoint eventures 1, no final – acho que foi o último investimento do fundo. Tínhamos olhado algumas coisas de algo que eu gostava na época – infraestrutura de pagamento e de contas 

É aquilo que conversamos sobre espaço. Eu tinha operado isso um pouco antes, no Buscapé, de onde saí em 2014. 

Tínhamos empresa de pagamento e de conta digital na América Latina toda e eu vi uma commoditização disso, todo mundo lançando… 

E vinha uma vontade de fazer alguma coisa que fosse mais pick-and-shovel, quer dizer, pá, picareta e calça jeans… Ou seja, vender infraestrutura para quem quisesse montar [esses meios de pagamento]. 

Quando a Pismo apareceu no deal flow, eu adorei. Começamos a conversar, entender o que eles estavam fazendo em tecnologia 

Acho que ali foi uma combinação muito feliz de um time muito bom – o que é mandatório – e uma tecnologia muito boa, num momento de onda tecnológica. 

Em relação ao time de fundadores, há duas mulheres, o que é mais incomum ainda. Em 2016, ainda não se falava tanto no mercado de venture capital sobre a dificuldade de mulheres empreenderem e se tornarem C-level. Isso chegou na análise de vocês de alguma maneira?
Eu acho muito legal, não vou mentir – acho fantástico. E digo mais, a Daniela [Binatti] é, na minha opinião, uma das pessoas mais bem capacitadas para ser CTO no mundo. É motivo pro Brasil se orgulhar. Se houvesse uma Olimpíada de CTOs, com certeza ela voltaria com uma medalha.

Não me causou nenhum receio de fazer o investimento. A gente já tinha investido em mulheres. Estatisticamente é uma percentagem muito menor, mas a gente já investiu [em] vários times com founders mulheres – e, às vezes, com founders mulheres. 

Agora, tenho de ser muito sincero: temos uma barra altíssima, investimos em quem achamos que são os melhores. 

Em uma das companhias a founder é uma mulher trans, mas a gente não consegue nem enxergar isso. A gente olha quão talentosa é essa pessoa e qual é a aspiração e a inspiração que ela provoca para mudar o mundo. Ponto!

Aí, cara, se você faz o cut, o que menos importa é isso. Se você me pergunta se eu me sinto orgulhoso? Claro que me sinto orgulhoso de ela ser uma mulher, ser brasileira e ser uma das melhores do mundo. 

Mas sendo honesto, não é que trabalhemos com uma cota. Não é porque ela é mulher. Por exemplo, se tem uma startup que atingiu score 9,8 de um fundador e outra que atingiu 9,7 de uma fundadora, nem por isso ela passa na frente. 

Uma vez, ouvi você dizer que é mais difícil identificar uma startup que será um sucesso do que detectar, logo de cara, aquelas que falharão. No entanto, na Redpoint eventures vocês encontraram cinco unicórnios: Rappi, Creditas, Gympass, Olist e Pismo. Como explica esse êxito?
É uma boa pergunta. Há fatores internos e externos.

As startups que foram investidas entre 2013 e 2016, o período em que o fundo 1 investiu, foram empresas criadas em 2010, 2011… E acho que existia uma glamourização menor por empreender. 

No Buscapé, por exemplo, durante muito tempo ninguém entendia o que fazíamos… e tudo bem. Uma hora estava na moda; de repente, saiu da moda porque veio o estouro da bolha da Internet. 

Aí, de 2001 a 2009 não se falava de tecnologia. Em 2009 tem a saída do Buscapé e o assunto começa a renascer, mas era muito árido. 

O que quero dizer? A maioria das pessoas talvez não topasse empreender [naquele momento], porque poucos tinham sucesso. Não existia um ecossistema de venture capital. Então, quem topava tinha uma característica muito resiliente e estava muito preparado – ou não. O gap era bem nítido, você destilava muito facilmente

O que vemos hoje, e que é muito legal — ouvimos falar em LTV, CAC, métricas que não foram inventadas em Stanford ou Harvard e as startups adotaram. A história é sempre ao contrário – a academia vem depois, documentando as práticas de negócio de uma década para outra.

Como não tinha essas ferramentas, você percebia rapidamente quem era capaz e quem estava completamente despreparado. Acho que isso ajudou o primeiro vintage de venture capital brasileiro, do começo dos 2010, ser muito bom. Foi para muitos fundos, não só a gente!

E talvez, dentro de casa, duas coisas nos ajudaram: o time que estava lá, quem estava ao lado para ajudar a empurrar esse negócio e estar junto nos momentos difíceis; e os links com o Vale do Silício 

Eu te falei o que vi na Pismo; mas o que a Pismo viu na gente, dito publicamente, foi: “Eu tenho um produto que vai ser ‘o core do core’ de um banco; é na nuvem, enquanto o banco está no mainframe e terei de levá-lo pra nuvem de uma empresa em que o patrimônio líquido é nada; é uma empresa de quatro pessoas desenvolvendo tecnologia de ponta no Brasil; e ainda poderia ter o preconceito de ser uma mulher. Pô, eu preciso de alguma coisa que agregue confiabilidade, trust”.

 A Pismo olhou para todas as marcas. E a Redpoint é uma marca conhecida globalmente – foi o primeiro investidor em Netflix, Stripe e numa série de companheiros do mercado financeiro –, então, ela é a que mais vai me agregar. 

No caso de Pismo, os founders vieram atrás da gente não porque eu tinha experiência em mercado de pagamentos antes; eles vieram porque queriam a placa Redpoint e a ajuda para vender para Itaú, BTG, C6, Banco Falabella – os primeiros clientes. Acho que isso também ajudou muito a gente. 

É justo dizer que você se tornou investidor enquanto era CEO do Buscapé, uma vez que fizeram a aquisição de 20 empresas ali dentro? Como foi essa construção de persona, principalmente porque na época não era comum uma startup fazer aquisições…
Acho que sim. O Buscapé atingiu o ponto de equilíbrio em 2002. Foi sofrido, mas entre 2003 e 2005 crescemos super rápido, superforte. Tinha margem, tinha tudo, gerava caixa. Não precisamos mais captar.

Ao mesmo tempo, tinha um monte de coisa muito legal que tinha sido criada em 2000 e tinha morrido com a bolha. Acho que temos, hoje, um paralelo para quase todas as empresas que existiram lá atrás. Duraram pouco tempo – mas existiram.

Dentro do Buscapé, a frustração era não poder usar a nossa geração de caixa para ir atrás do nosso plano original de quatro pilares – preço, loja, produto e pagamento. Os sócios queriam muito ir atrás disso, só que os investidores não queriam 

Merrill Lynch e Unibanco achavam maravilhoso que entregávamos – EBITDA altíssimo: “Estamos há cinco anos aqui, já está na hora de vendermos, não de fazer mais coisa”

E esse desconforto levou a gente pra série B no Buscapé. Foi quando Great Hill Partners comprou a participação de Merrill Lynch, Unibanco e e-Platform Venture Partners, que foi nosso seed round.

Na pessoa física, eu tinha o mesmo desconforto. Então, comecei a fazer investimentos – com pouco dinheiro e muito mais ajuda – em várias startups 

Lá atrás, investi na AlliN, que foi comprada pela Locaweb e hoje se chama Wake. Eu e o Eduardo Castro investimos na SACK’S, que depois teve um spin-off que criou uma empresa chamada E-Plataforma, na qual a gente investiu. A E-Plataforma depois mudou de nome para VTEX.

A gente investiu numa loteria online, a Smartcomm, que deu errado, mas era o primeiro negócio do Léo Simão, que depois fez a Bebê Store. Fiz uma série de coisas e muito ligado ao meu know-how que era comércio eletrônico. 

Quando resolvemos o problema do Buscapé na série B e decidimos expandir, eu entrei numa situação de conflito com os investimentos que eu tinha feito antes. 

Por exemplo, o investimento que eu tinha feito com a turma saída da Americanas para fazer o e-commerce do Pontofrio… eu não podia ser sócio ali e do outro lado estar no Buscapé. Gerava ruído. Então, saí de todos esses investimentos – foi uma ótima jornada – e me coloquei focado no Buscapé 

Decidi só fazer algum investimento anjo se não fosse no core ou próximo do core do Buscapé. Então, tudo que era mídia – adtech, martech –, pagamento e comércio eletrônico era do Buscapé. Se ali não quisessem fazer, paciência. Já saúde, educação, logística etc., eu podia fazer como anjo.  

Em janeiro de 2006, depois de fechar a rodada, o Buscapé juntou com o Bondfaro, compramos E-bit, lançamos o QueBarato, compramos 85% da Pagamento Digital, que depois virou Wecash, compramos FControl. Foram 20 investimentos e aquisições.

Em 2010, lançamos um negócio muito legal. Nem sabíamos que aquilo tinha nome chique – corporate venture capital. Vimos que ninguém fazia nada, não tinha nem fundo de vc e muita gente querendo empreender. Então, criamos um programa chamado “Sua ideia vale um milhão”. 

Já tinha concursos de planos de negócios em que a pessoa ganhava 30 mil reais e um “boa sorte”… Eu, como founder, sabia que isso não adianta nada. Se alguém tivesse me dado 30 mil no começo do Buscapé, meus problemas só aumentariam, porque poderia perder o dinheiro, não sabia o que fazer com ele!

Decidi evocar Saint-Exupéry: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Se a gente tiver participação, vai ter de ajudar o negócio dar certo, porque o liability é muito maior do que os 300 mil reais. 

Então, dávamos 300 mil reais por 30%, o que dava um valuation misto de 1 milhão de reais. E foi um sucesso – tinha 900 pessoas por ano. A gente acabou investindo em cinco empresas com isso. Uma delas foi a Hotmart, que é outro unicórnio; investimos também na Inloco, que hoje é a Insignia… e outras.

Foi um projeto muito legal e talvez tenha sido o primeiro Corporate Venture Capital feito no Brasil, lá em 2010

Porque o investimento não era pra comprar. A gente investia para ajudar, crescer e desenvolver o ecossistema – era pelas razões certas. Se era alguma coisa estratégica de core, aí fazíamos M&A.

Você viveu com o Buscapé um momento de inflexão na economia mundial – a disrupção que a internet causou em negócios, relacionamentos humanos etc. Você considera a popularização da IA generativa um novo momento de inflexão tão relevante quanto o que você passou antes?
Tem uma série de ficção chamada Halt and Catch Fire [2014], a história de uma startup. Toda vez que eles estão pra conseguir alguma coisa, têm de pivotar, porque alguma coisa é lançada e recebe investimento. 

É legal porque mostra bem a evolução do computador pessoal, o notebook, o ISP [Internet service provider, ou provedor de acesso à internet], Search, o e-commerce e tudo que vai surgir. Realmente, passou bastante água embaixo da ponte. 

Eu acho que, sim, a inteligência artificial tem o potencial de ser uma tecnologia relevante. É uma dessas tecnologias que eu costumo chamar de tecnologias de plataforma. acredito muito em IA, ela é mais estruturante – e até postei no LinkedIn falando sobre isso.

Se você olhar, até no mundo acadêmico, a curva de citações que existe para a inteligência artificial – desde a década de 1980 pra cá – tem um comportamento muito parecido com o número de citações de tecnologias como GPS e celular. Então, existe sim essa possibilidade. A gente está nesse momento do mundo 

Eu não sei ainda o quanto isso vai ser só uma onda ou mais de uma onda, do ponto de vista de evolução tecnológica. 

Não sei se haverá uma evolução gradual do que a gente está vendo – os modelos ficando cada vez mais inteligentes, a IA generativa fazendo parte dos negócios e do dia a dia. Ou se vai ter outra onda maior em cima disso, de conseguir criar em cima dessa caixa, algo ainda mais poderoso, digamos mais ficção científica. 

Essa segunda eu não tenho certeza, mas acho que a primeira está dada. Para uma série de processos, produtos e serviços, a gente vai, daqui pra frente, conviver com IA generativa para um monte de coisa.

Me parece que o desconhecimento sobre a inteligência artificial ainda é maior do que era o desconhecimento sobre a internet, por conta da sofisticação dessa tecnologia, dos algoritmos e tudo que está embarcado. Você sentiu algo assim na época do Buscapé, na fase de consolidação da internet?
Acho que sim. Eu me lembro de quando surgiu o iPhone e tudo que ele trazia num produto só… existia um deslumbramento parecido. As pessoas de tecnologia não conseguiam entender exatamente. 

E quem não era de tecnologia, o público geral, meio que não dava valor. Achava legal, mas não conseguia entender a dificuldade que era fazer uma tela de duplo touch – algo que não existia na Física. Antes, a tela de touch era um ponto só, você não podia pegar dois pontos. 

Então, teve uma série de breakthroughs ali que quem entendia de tecnologia, principalmente de hardware, não conseguia entender como que tantos avanços foram feitos, mesmo que pontuais, quase que num produto só 

(O armazenamento e a bateria já vinham do iPod… teve uma camada sobre outra de construção.) 

IA nesse sentido, sim causa um pouco desse deslumbramento. Causa um pouco mais de medo, porque é uma tecnologia que no final está simulando o ser humano.

O iPhone é maravilhoso, ele pode até substituir um monte de gente, sem as pessoas perceberem, mas não é tão notório. Ele não fala tão bem, não se comporta como humano. Acho que esse mimetismo nos faz pensar: “O que será de nós?” 

Isso me lembra um livro do José Saramago, O Homem Duplicado. O cara descobre uma pessoa idêntica a ele. Primeiro, fica maravilhado. Depois, ele se questiona: “Como assim? Não podem existir dois. Ele pode me substituir!” Aí um tenta matar o outro 

A IA tem um pouco do falecido Saramago: “Pô, ele podia ser eu. Ele pode ser eu. Quem sou eu?”. Fica uma coisa existencial que provoca mais a psique humana. 

Quando você entende um pouco como funciona a IA – entende que é estatístico e probabilístico; que ela fala com base em tudo que foi dito até aqui e que, em determinado contexto, a próxima palavra mais óbvia é essa; e que ela não tem ideia do que necessariamente está falando –, você já relaxa um pouco. 

Se você me perguntar se eu acho que IA vai provocar uma guerra mundial, respondo que não sei. Não dá pra ter essa visibilidade agora. Tudo que eu vejo são coisas muito óbvias de negócios. Tem que ter um outro avanço que não está no horizonte de ninguém para se chegar nisso.

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