Sandbox.Rio: conheça o projeto da prefeitura carioca que pretende transformar a cidade em campo de testes para a inovação

Aline Scherer - 10 ago 2023
Drone da startup Speedbird Aero, que vem sendo usando em testes para entregas de cervejas pelo aplicativo Zé Delivery, da Ambev.,
Aline Scherer - 10 ago 2023
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Desde julho, a Ambev, fabricante de cervejas e refrigerantes, vem testando no Rio de Janeiro o serviço de drones da startup SpeedBird Aero para realizar as entregas de seu aplicativo Zé Delivery.  

Duas rotas foram autorizadas pela Agência Nacional de Aviação Civil. Uma já está em operação: vai do centro de distribuição da Ambev, em Jacarepaguá, até uma área do supermercado Freeway, na Barra da Tijuca. O próximo passo é entender se o drone poderá sobrevoar o mar para chegar ao calçadão e deixar a carga perto dos quiosques, na praia. 

Toda essa experimentação ocorre com apoio do sandbox regulatório da prefeitura do Rio de Janeiro, batizado de Sandbox.Rio. O ambiente de testes é um dos dez projetos tocados pela equipe (de oito pessoas) liderada por Carina de Castro Quirino, subsecretária de Regulação e Ambiente de Negócios da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação do Rio de Janeiro. Ela afirma:

“Os desafios logísticos do município do Rio são incríveis por conta da cidade ter uma malha de transporte público que precisa sempre de melhorias, então é muito interessante criar rotas que possam sair dos caminhos tradicionais” 

Testar inovações em um ambiente controlado e regulamentado é a proposta de um sandbox regulatório. O primeiro edital do Sandbox.Rio atraiu iniciativas relacionadas a mobilidade, logística e transição energética, buscando reduzir as emissões de carbono. Os quatro projetos selecionados (de nove inscritos) estão sendo testados e monitorados durante um período de seis a 12 meses. 

“Toda a estratégia de implementação dos serviços ou produtos estão sendo traçadas com a gente”, diz Carina. “Os empreendedores precisam estar dispostos a conversar, dialogar e trabalhar em conjunto.”

A iniciativa da Ambev com a Speedbird faz parte da turma desse primeiro edital. Outro projeto é pilotado pela empresa de eletromobilidade EZVolt Brasil em parceria com a Vibra, distribuidora de combustíveis e lubrificantes; a ambição aqui é instalar uma rede de postos para recarga rápida de veículos elétricos e híbridos, e gerar créditos de carbono para a venda. A expectativa é anunciar, ainda neste semestre, a instalação de postos elétricos na Zona Sul do Rio. 

Carina de Castro Quirino, subsecretária de Regulação e Ambiente de Negócios na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação do Rio de Janeiro.

A Embraer, por meio de sua spin-off Eve (que já foi pauta aqui no Draft), também pretende testar seus “carros voadores” – o nome técnico é eVTOL, veículo elétrico de decolagem e pouso vertical – no escopo do Sandbox.Rio. 

O quarto projeto selecionado é o da My View, que vem testando robôs D4 (Door-to-Door Drone Delivery). Trata-se de drones terrestres teleoperados que, espera-se, poderão circular pelas calçadas da cidade, em horários restritos, melhorando a logística das entregas de curta distância, reduzindo custos, tempo, e emissões de CO2. Entregas já estão sendo realizadas no Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação da Petrobras.  

Enquanto isso, o Sandbox.Rio já está com inscrições abertas para o seu segundo edital. Startups, empresas de qualquer porte e setor, universidades e instituições públicas ou privadas de ensino pesquisa podem submeter suas soluções inovadoras até o próximo dia 25 de agosto.

Rafael Wanderley, diretor do Laboratório de Inovação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura do Rio, vem conduzindo reuniões com os candidatos para esclarecer detalhes e solucionar dúvidas sobre o ambiente de testes. “Ao não restringir tematicamente os projetos que queremos receber, estamos tendo a oportunidade de entender o diagnóstico local da inovação”, afirma. 

Porto Alegre, Maceió, Goiânia, Criciúma (SC), além dos municípios fluminenses de Teresópolis e Volta Redonda, bem como o estado de São Paulo, também criaram seus próprios sandboxes. A seguir, a subsecretária Carina Quirino detalha a implementação do projeto Sandbox.Rio e seus benefícios as empresas e o Rio de Janeiro:

 

Por que a prefeitura do Rio decidiu criar um sandbox regulatório? E como surgiu essa iniciativa?
Criamos a Subsecretaria de Regulação e Ambiente de Negócios dentro da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação do Município do Rio, com o objetivo de montar uma estrutura de análises de impacto regulatório e de montar um sandbox regulatório, uma ferramenta de boa prática muito bem vista mundo afora. 

O sandbox é um espaço controlado para testes de serviços, produtos ou processos que, em alguma medida, possam impactar a vida do cidadão em via pública porque são inovadores, nunca foram vistos ou testados antes 

No meio do meu doutorado, analisei como o cenário internacional de municípios e demais entes federativos se ajustam ao empreendedorismo inovador via diálogo institucional. 

Então, o projeto nasceu de uma vontade acadêmica com a boa vontade política do secretário Chicão Bulhões e do prefeito Eduardo Paes, e o entendimento político de que  é uma ferramenta necessária. 

Em abril de 2022, depois de um ano e meio de estudos com outros agentes públicos e secretarias, publicamos o decreto. 

Quais exemplos vocês foram buscar no mundo para criar o sandbox regulatório da cidade?
O sandbox regulatório é uma ferramenta muito recente, que nasceu no coração das agências reguladoras. 

Em 2015, na Inglaterra, a agência reguladora federal de serviços financeiros utilizou essa ferramenta para um serviço de utilização de reconhecimento facial para uso em transações bancárias, algo que hoje a gente faz normalmente nos nossos celulares. Então um caso de sandbox ligado a uma agência reguladora, que é uma autarquia.  

No Reino Unido também tem exemplos de uso de sandbox para inovações em moradia, energia solar e transição energética, uma regulação responsiva e de impacto social, que é o que a gente busca aqui 

Na Coreia do Sul, um caso de sandbox na administração pública envolve a necessidade de testar o serviço de postos elétricos (para motoristas de carros elétricos).

Esses casos nos inspiraram porque nossa história recente mostrou que inovações implementadas ao espaço urbano, desavisadas do poder público, trouxeram alguma ranhura e dissonância na sociedade.

Poderia dar um exemplo?
Cito dois exemplos muito simples. O Uber, uma forma de prestação de serviço classificado como economia compartilhada que causou estranhamento e conflito com o serviço de táxis, submetido a um regime de permissão de uso. 

E o caso do aluguel de patinetes, para uso em via pública, que causava sérios danos porque os pedestres estavam desavisados que patinetes poderiam surgir sob a calçada… Tivemos vários problemas de impacto urbano. Por exemplo, danos sobre as pedras portuguesas características do calçadão das praias e do Centro do Rio 

Se tivesse um sandbox à época, operações de teste poderiam ter sido feitas para entender os efeitos. 

No Brasil, o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), as Agências Nacionais de Telecomunicações e Transportes Terrestres utilizam sandboxes regulatórios. Vocês trocaram experiências com eles ou com outros órgãos?
Temos uma equipe muito técnica e muito alinhada com o meio acadêmico. E todos nós temos um perfil de pensar política pública baseada em evidência. 

Ou seja, a gente faz revisão de literatura, olha pro benchmarking e tenta entender o que as experiências positivas, negativas oferecem de visão para fazermos o nosso caminho da melhor forma possível. 

No Brasil, as agências reguladoras que têm sandbox mostram indícios de sucesso da sua governança. A CVM é uma das mais amadurecidas, já tem um ciclo completo de implementação. O Banco Central (BC) lançou o PIX, a grande inovação de um sandbox regulatório, o brasileiríssimo resultado de um sandbox bem sucedido 

Na administração pública não tem uma documentação de práticas tão boa, mas a gente foi tentando conversar com alguns agentes públicos com quem a gente tinha contato. 

Como o BC e a CVM, a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) também tem sandboxes muito ajustados à sua governança, então partimos da identificação de elementos em comum nessas três estruturas, e do que era específico de cada uma para construir a nossa. 

Um detalhe muito importante: quando o Marco Legal das Startups saiu a gente ainda estava desenhando esse projeto, e ele traz uma noção de sandbox muito atrelada à contratação de solução inovadora, com orçamento público para promoção e desenho de MVPs. No entanto, no município do Rio desde o início foi colocado que a gente não teria recursos orçamentários para isso. 

Como vocês decidiram quais temas de inovação e setores vocês dariam foco e quais os critérios de perfil das empresas nesse ambiente de testes?
Não temos um tema específico, temos uma priorização relacionada aos problemas do município. Então fizemos um teste: abrimos o edital com tema aberto e foi a melhor decisão operacional que a gente tomou, porque naturalmente recebemos mais projetos ligados a uma área temática e em termos de divulgação. Ter a temática aberta não limitou os meios de comunicação. 

 Como estão os testes dos projetos selecionados?
Recebemos a Ambev, em parceria com a Speedbird, que é uma das maiores empresas de operação de drones aéreos no Brasil hoje, com tecnologia de Israel, o país que tem o maior avanço na utilização de drones civis. Temos a Ezvolt, em parceria com a Vibra para utilizar um P&D de 10 milhões de reais nesse projeto. A Eve, que é da Embraer. E a MyView, de robôs. 

A Eve já fez rotas teste do aeroporto de Jacarepaguá e Galeão e a gente está entendendo agora qual é a operação viável, desenhando o projeto que pode sair do papel e que seria possível pra cidade, mas por uma questão de confidencialidade não posso dar mais detalhes. A Eve vem com a Helisul, uma empresa carioca. 

A Ambev já tem uma rota de experimentação que acompanhamos com Power BI disponibilizado pela Speedbird, a operadora dos drones, com dados de: quantas rotas foram durante o dia; quantas vezes a rota funcionou; quanto de carga levou; quais foram as intercorrências; o tipo de vento; as emissões de dióxido de carbono evitadas; imagens do trajeto… Hoje a gente está tentando entender a logística desse projeto 

A My View, de drone terrestre, a gente tem decidido as rotas de logística para entregas, com previsão de implementação no meio de agosto. O robô vai poder chegar em frente à residência da pessoa e ela precisa descer para pegar a encomenda porque ele não sobe as escadas, nem entra em elevador ou área privada. 

A pessoa coloca a senha, a portinha do robô abre, ela retira as compras dela, fecha a porta e ele vai retornar para o totem dele. Nesse caso, a gente vai ter uma parceria com um supermercado para o robô ficar. É um carrinho muito fofo, que tem uma carinha e interage. Ele já funciona dentro do Cenpes (Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação) da Petrobras, entregando coisas para os funcionários.

E a Easy Volt, é o projeto mais difícil porque são postos de recarga elétrica, no que a gente chama de mobiliário chumbado, porque são fixos, soldados; além disso, postos de combustíveis são estruturas altamente reguladas. Estamos decidindo áreas públicas para definição dos espaços onde serão colocados os postos elétricos, para testar a escala 

Já temos dois espaços de grande circulação na Zona Sul, onde provavelmente vamos colocar esses postos elétricos, com espaço para quatro carros. 

Esse projeto é muito bacana por causa da transformação energética e mostra que estamos na vanguarda no Brasil, e devemos ter notícias nos próximos dois meses. 

Eu não posso deixar de fazer uma pergunta que surge inevitavelmente. Estamos no Brasil, Rio de Janeiro, onde furtos acontecem com alguma frequência. Como é que fica a segurança desses drones terrestres e aéreos?
Eu mostrei esse projeto para 15 pessoas da minha equipe e da secretaria. Todos comentaram a mesma coisa: “vai ser roubada”. Ninguém falou “que legal!”… Absolutamente todos falaram “não vai dar certo, Carina, vão roubar no primeiro dia”. Inclusive o prefeito. Então é um senso comum. 

Fizemos as demonstrações no Palácio da Cidade, e são drones muito pesados, não dá para uma pessoa levar. O problema é que o ser humano é criativo, vão ser cinco cabeças correndo com um drone desses rua fora – embora ele tenha uma forma arredondada que não é das mais simples de carregar… 

Pode acontecer, é um risco do empreendedor que está querendo testar isso. E é justamente o propósito do sandbox: testar uma inovação 

Nosso papel é alertar sobre os riscos, e eles identificaram que tem um sistema antifurto efetivo que também será testado e parece ser bom. O participante do programa no ato da inscrição precisa apresentar sugestões de planejamento de medição de risco. E a propriedade intelectual é do empreendedor. 

Que vantagens e que desafios a prefeitura vem encontrando com o sandbox?
A vantagem é que a gente tem identificado claramente quais são os potenciais de inovação na cidade. 

Essa é uma informação de inteligência que a prefeitura não tinha para a formulação de políticas públicas de incentivo, de construção de uma economia de rede, para tentar entender quem a gente tem que puxar pra cá, o sandbox traz uma informação valiosíssima. 

Hoje, por exemplo, o diagnóstico é muito claro: mobilidade e transformação energética. Foram esses os assuntos que os empreendedores desse nosso primeiro ciclo estão focados 

O segundo benefício é tentar antever problemas e riscos, o que é essencial para uma atividade pública zelosa, e para podermos ser a “capital da inovação”, que é o discurso do prefeito. 

O empreendedor quer vir pra cá não é porque o Rio tem visuais pra ele testar a inovação dele, mas porque temos um ambiente em que ele entende que vai extrair informações úteis ao seu negócio e que existe a possibilidade de lucrar. Entre os desafios está o risco que a gente está assumindo, um risco de governança. 

É um desafio também comunicar isso para o cidadão. É muito difícil comunicar para a dona Maria, que tem uma quitanda, para ela não ficar preocupada, porque aquele drone que está passando na frente da casa dela não vai ficar tirando fotos, não vai clonar o celular dela, não vai trazer um malefício para o filho dela quando ele chutar uma bola… 

É muito difícil comunicar os passos de inovação para o cidadão para que ele não tenha medo e entenda que aquilo ali é uma oportunidade – para ele e a cidade 

Outro desafio é comunicar isso internamente para os nossos servidores. Precisamos conversar com a Secretaria de Fazenda, porque é quem paga e cobra tributos; com secretaria de conservação, que é quem cuida das áreas públicas da cidade; com transportes, porque os projetos também acabam impactando nos transportes urbano; com a CET Rio, que cuida de vagas de trânsito; e vários outros órgãos que acabam tendo impacto dessas inovações e precisam analisar com a gente, nos dar suporte técnico. 

Mas a gente tem superado esses desafios.

O que tem de novidades no segundo edital que está aberto?
A principal alteração foi em relação a empresas estrangeiras que a gente passou a aceitar. O Rafael, eu e toda equipe estamos monitorando os editais e atos normativos de sandboxes, e a CVM alterou a normativa dela para possibilitar que empresas estrangeiras possam participar também.

O controle externo e o controle interno de agências reguladoras é muito forte. 

Então, [isso] quer dizer que o município do Rio também pode fazer, porque se passou por um crivo de risco daquela agência reguladora. Pode ser até um instituto de ensino estrangeiro que queira participar do programa do Sandbox Rio. 

Alguns ajustes finos no edital foram feitos para trazer mais segurança jurídica para o participante, o empreendedor que tem interesse em participar. 

Que tipo de inovações vocês esperam receber?
A gente já tem aí o indício de que mobilidade, logística, transformação energética continuam sendo os temas dos projetos desse novo ciclo, por conta desses novos candidatos que marcaram reunião. 

Seria interessante que projetos que a gente sequer imagina que possam impactar o ambiente urbano, viessem ao menos conversar. 

Então, se [o empreendedor] tiver dúvidas sobre cadastro, sobre se está num grau de maturação [suficiente] para apresentar, para implementar, a gente encoraja muito que faça uma conversa com a nossa equipe. 

Seria legal ter uma iniciativa de serviço público digital, algo relacionado a uma facilitação para licenciamento urbanístico, por exemplo. Ou uma empresa de games com realidade aumentada, porque utiliza o ambiente urbano, como o Pokémon Go, por exemplo, que tem campeonatos incríveis mundo afora; ou uma empresa que recrie o espaço urbano por meio do metaverso… Nicho de moda também seria interessante 

Também conversamos informalmente com as demais secretarias para nos indicarem quando uma empresa inovadora os procurarem com alguma solução inédita para testar. E isso já aconteceu. 

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