Verbete Draft: o que é Phygital

Dani Rosolen - 22 jun 2022
Imagem: Marco Verch/ https://www.flickr.com/photos/160866001@N07/48879515568
Dani Rosolen - 22 jun 2022
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Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…

PHYGITAL

O que é: Phygital é a junção das palavras physical e digital (ou “físico” e “digital”, traduzindo do inglês). O termo se refere à integração entre os mundos físico e digital em diversas áreas, seja no varejo, em um evento, exposição de artes, medicina etc.

“Gosto de dizer que o conceito é quase o oposto do que se propõe o metaverso. Nele, as pessoas buscam levar experiências do mundo real para o virtual. Já o phygital traz as experiências do mundo digital e os avanços da tecnologias digitais para o mundo real com o objetivo de tornar nossas experiências melhores e mais práticas”

Quem faz esse contraponto é Leonardo Chebly, CEO da NEOOH, empresa de mídia Out of Home em aeroportos e terminais de passageiros.

O segmento é promissor. Em pouco tempo, startups com soluções para o varejo phygital já movimentaram cerca de 21 milhões de dólares, segundo o Distrito.

Como aplicar: Apesar de ter outras aplicações, o termo é usado principalmente no varejo para designar a junção entre os canais físicos e digitais das empresas, criando uma estratégia unificada que melhore a experiência do consumidor (confira o nosso Verbete Draft sobre customer experience).

Na prática, as lojas têm sua função repaginada. Por meio do digital, o cliente consegue, entre outras possibilidades, receber em um totem ou no app ofertas segmentadas ou conferir por meio de um QR Code na etiqueta de um produto, dados sobre sua fabricação, especificidades, custos de produção etc. (Veja outros exemplos no item “Quem usa”).

O vendedor torna-se um consultor, que ao acessar previamente dados do cliente coletados em compras anteriores, como número que calça e tamanho de roupa, consegue oferecer opções mais certeiras e focar seu tempo mais em tirar dúvidas em vez de “empurrar” determinados produtos.

O consumidor, ainda que esteja na loja física, pode realizar a compra no e-commerce, pegar o pacote no estabelecimento ou optar por recebê-lo em casa. A lógica contrária também faz sentido no phygital: o consumidor inicia sua experiência no online, pesquisando preços em um e-commerce, e finaliza sua jornada em uma loja física.

Quem inventou o termo e quando: O conceito foi cunhado em 2015 por Kevin McKenzie, na época vice-presidente do Westfield Lab, rede de shoppings australiana, durante o NRF Retail Big Show daquele ano.

Na ocasião, ele usou o termo para se referir ao consumidor que, durante suas compras, trafega entre canais físicos e digitais usando seu smartphone.

Apesar de não ser um conceito (tão) novo, o phygital voltou a ganhar destaque durante a pandemia da Covid-19, que obrigou as pessoas a ficarem em casa e evitarem o contato físico.

Para se manterem relevantes no mercado, marcas, em especial as que ainda não tinham se digitalizado, precisaram se transformar, ressignficar seus espaços físicos e ampliar a forma de se relacionarem com seus consumidores.

Mesmo no pós-pandemia, a tendência deve ser manter, pois as pessoas se acostumaram com a comodidade do mundo digital — e passaram a exigir a mesma experiência no mundo real. É o que garante o CEO da NEOOH: “Os consumidores estão querendo ter esse tipo de interação, com menos atrito e mais praticidade, também nas lojas físicas”.

Como funciona: O primeiro passo para a empresa desenvolver campanhas digitais e físicas integradas é entender o perfil do seu público, seu comportamento, quais os canais de preferência, hábitos de compra etc., além de focar no imediatismo, na imersão, na interação e na personalização.

Entre as estratégias mais simples adotadas está a produção de conteúdo, o desenvolvimento de um bom aplicativo ou plataforma de e-commerce, a oferta de entregas flexíveis etc.

Outras apostas são o uso de QR Codes nas propagandas físicas, redirecionando o possível consumidor para o e-commerce da empresa; a ativação por meio de totens de autoatendimento; e o uso de chatbots.

Avançando para soluções que exigem um pouco mais de investimento tecnológico, há recursos de realidade virtual ou aumentada para “provar” roupas e acessórios virtualmente; a adoção do livestreaming, de wearables e Internet das Coisas, que trazem dados sobre os usuários e suas rotinas a fim de melhorar o desempenho da empresa; recursos contactless para o check out; e RFID, etiquetas inteligentes que permitem ao cliente acessar informações das peças de roupa, através de uma tela instalada no provador, sem a necessidade de sair de lá para solicitar outros tamanhos, cores ou modelos.

Leonardo também cita a instalação de câmeras em lojas para coletar dados, o que é feito pela NEOOH e recebe o nome de Retail Analytics. A empresa já fez um projeto piloto para uma concessionária na cidade de São Paulo.

“A gente integra as câmeras ao sistema de vendas do nosso cliente para que ele consiga ter uma noção de quantas pessoas estão passando por dia nos seus pontos de vendas, qual o tempo médio de permanência, o horário de pico etc.”

As vantagens dessa integração são diversas, explica o empreendedor.

“Dá para monitorar isso em tempo real e cruzar com os números de vendas”, diz Leonardo. “A partir daí, nosso cliente consegue ter uma mensuração de quais lojas dele estão desempenhando melhor e o que pode ser aprimorado nas outras.”

Quem usa: Do varejo a bancos, de clínicas médias a escolas e imobiliárias – muitos segmentos estão apostando no phygital.  

Leonardo conta que, em 2013, quando o termo nem existia, a NEOOH já estava fazendo isso para um cliente, no caso o Citibank. Ele afirma:

“A gente criou uma agência conceito para eles em três pontos do Rio de Janeiro. Instalamos uma mesa digital em que os clientes podiam pedir o café colocando uma xícara em cima da superfície. A tela apresentava os tipos de Nespresso disponíveis e a copa já trazia o que o cliente havia pedido… Além disso, o cliente podia colocar o seu cartão de crédito em cima dessa mesa e comparar com outras opções do banco”

Ele também conta sobre um projeto mais recente, que está desenvolvendo com uma montadora: “Vamos colocar em aeroportos uma tela gigante de um modelo novo do carro desta concessionária em 3D e as pessoas, com o celular, poderão mudar o veículo de posição, trocar a cor dele, ver as opções de acessórios”, diz.

No final de 2020, a Natura inaugurou uma loja phygital no bairro Jardins, em São Paulo, oferecendo diversas experiências que conectam mundo digital e físico, entre elas um dispositivo de cheiro chamado Perfurm.AR, que permite ao cliente testar diferentes fragrâncias sem que uma interfira na outra e coleta dados relacionados às preferências e sazonalidade da busca pelos produtos.

Outras ferramenta usadas nesta loja são óculos de realidade aumentada para “levar” os consumidores às fornecedoras da empresa na Amazônia, e um espelho virtual que sugere os melhores produtos para cada tipo de pele.

Na loja conceito da Oracle, inaugurada em março deste ano dentro da Casa Oracle (em São Paulo), o cliente é identificado via reconhecimento facial e os produtos selecionados (na loja física, no app ou na loja do metaverso) podem ser visualizados em um mesmo carrinho. No caso dos itens adquiridos no metaverso, por meio de óculos de VR ou browser, os clientes podem testar o que desejarem na loja.

Sobre o tópico reconhecimento facial, Leonardo diza que a NEOOH já está conversando com empresas que usam essa tecnologia para realizar pagamentos para criar uma jornada mais personalizada.

“Imagina se você consegue identificar um cliente pelo rosto quando ele entra na loja, busca o histórico de compras dele e começa a colocar nas telas digitais promoções feitas sob medida… O vendedor já saberá o número que essa pessoa calça, o tamanho que veste, suas preferências… Obviamente o consumidor já vai ter autorizado o uso de sua imagem para esse fim”

A rede de fast food Bob’s lançou no começo deste mês uma loja phygital, em Campinas (SP). O consumidor pode fazer o pedido do seu lanche pelo aplicativo da marca e pegar sua encomenda entrando em uma fila de drive-thru exclusiva ou resgatar o sanduíche em um locker dentro da loja (basta digitar no painel um código enviado pelo app).

Um uso muito bacana de como o phygital pode ser aplicado em prol da inclusão é a adoção pelo GPA da solução da startup Inclue. Por meio do aplicativo, um consumidor com alguma deficiência pode agendar um atendimento personalizado em uma das lojas da empresa, onde encontrará colaboradores treinados para recebê-los e oferecer suporte.

Entre outras empresas que adotaram a estratégia phygital, de diferentes maneiras, é possível citar Amaro, Americanas, Casas Bahia, Renner e Lojix.

O caso Amazon Go: Um dos exemplos internacionais mais conhecidos é o da Amazon Go, lojas físicas sem atendentes em que o pagamento dos produtos selecionados é realizado no modelo self-check-out. A primeira do tipo foi lançada pela big tech em 2018. Hoje, a Amazon oferece a mesma tecnologia, chamada de “Just Walk Out”, para a rede de supermercados estadunidense Whole Foods, para as lojas Amazon Fresh (dos EUA e do Reino Unido) e para varejistas terceirizados.

Para começar esta experiência, o cliente precisa baixar o aplicativo da Amazon Go e vinculá-lo à sua conta na Amazon. Depois, basta aproximar o smartphone da catraca para a leitura do QR Code que aparece na tela e o acesso à loja é liberado. Conforme a pessoa pega os produtos na prateleira, eles são adicionados ao carrinho virtual.

Se o consumidor desistir de algum item e recolocá-lo na prateleira, ele é cancelado da lista automaticamente. Assim que finaliza a compra, a pessoa só precisa passar por uma outra catraca e, em cerca de 10 minutos, o valor é debitado no cartão de crédito registrado.

Para Leonardo, este é um dos melhores exemplos de como o phygital funciona:

“Acredito que no futuro é para esta direção que o varejo vai caminhar, com modelos de lojas em que o cliente faz o check-in com o celular na hora que entra na loja, seleciona os produtos, coloca na sacola, pode até devolver algum item se quiser, pois o sistema percebe isso e um conjunto de tecnologias que ele não vê facilita toda essa transação”

Como é possível perceber, a proposta do phygital não é acabar com as lojas físicas, mas repensá-las dentro desta nova realidade. Os ambientes físicos passam a ser um local de experiência e um ponto de contato e confiança.

Para além do varejo: Leonardo cita outras áreas em que digital e físico se encontram, como no setor de saúde, em que cirurgias são feitas remotamente por médicos com a ajuda de braços robotizados.

“Dentro dessa mesma lógica funciona a robótica utilizada para desarmar bombas. Antigamente existiam esquadrões antibomba e as pessoas precisavam se colocar em risco. Hoje, um robô faz esse trabalho, operado remotamente por um ser humano”

Os carros autônomos da Tesla, de acordo com ele, também incorporam a ideia de phygital, pois dirigem e estacionam amparado pelas tecnologias digitais embutidas no veículo.

No entretenimento, a Disney mostrou que durante a pandemia foi adotando estratégias do phygital para trazer mais segurança e comodidade aos usuários dos seus parques temáticos.

No mundo da arte, também é possível usar o conceito, como prova a exposição phygital “Seeing the invisible”, lançada em setembro passado em 12 jardins botânicos de seis países (África do Sul, Austrália, Canadá, Estados Unidos, Israel e Reino Unido).

Espalhadas no meio da flora destes locais, os visitantes encontram 13 obras virtuais imersivas de artistas como Ai Weiwei e Refik Anadol. Mas não é possível enxergá-las a olho nu. Para apreciar a exposição, o visitante deve baixar um aplicativo de realidade aumentada que posiciona as obras, textos e sons no ambiente dos jardins botânicos.

A ideia da exposição nasceu durante a pandemia, quando museus e galerias precisaram fechar as portas. A solução pareceu perfeita, à medida que o vírus ia dando uma trégua, já que a exibição é ao ar livre. Diferente de alguns museus que ofereceram visitas digitais a seus espaços, feitas de casa na frente de um computador ou celular, “Seeing the invisible” é phygital porque exige a presença das pessoas nos jardins botânicos.

De acordo com o executivo da NEOOH, a empresa está investindo neste segmento, transformando seu circuito de telas digitais em aeroportos e terminais rodoviários em uma exposição de arte com interação. Na “Pluralidade Intangível”, com 15 artistas participantes, a partir deste mês, os visitantes poderão acessar uma galeria completa por meio de um QR Code e até adquirir as obras em NFTs.

“Esse projeto não tem fins lucrativos, 90% da receita da venda dos NFTs irão para os artistas e os 10% restantes serão destinados a anular a pegada de carbono pela geração do token não fungível, além de pagar custos operacionais.”

Vantagens: Para as marcas, além de mais conhecimento sobre o seu consumidor, as estratégias “phygitais” trazem mais reconhecimento para a empresa ao entregar valor e conveniência aos clientes – o que acaba por gerar mais fidelização e aumento das vendas.

Há ainda a possibilidade de atingir outros públicos (não só o online e não só o digital) e de aprimorar decisões estratégicas.

Para os clientes, o phygital traz para a jornada de compra conveniência, praticidade e agilidade.

Desvantagem: Para Leonardo, se aplicado na hora errada, o phygital pode fazer o cliente perder uma experiência mais humanizada. Por exemplo, o contato com um maître que tem na ponta da língua as sugestões mais gostosas do cardápio de um restaurante… Por que trocar isso por uma tela?

“É importante saber levar o digital para onde isso faz sentido — e não para ambientes e momentos em que a pessoa quer estar totalmente desconectada, desplugada.”

Desafios e perspectivas futuras: Segundo os especialistas, as empresas do varejo no país estão trabalhando para adotar esse formato. Os principais desafios a serem enfrentados são adequar os processos das lojas físicas e integrar as informações com os e-commerces, unificar os canais de atendimento, monitorar os dados coletados em tempo real e garantir sua segurança. E, acima de tudo, adaptar a cultura da empresa.

“As tecnologias para fazer isso acontecer já existem e o valor delas vêm caindo muito nos últimos anos”, diz Leonardo. “Então, é muito mais uma questão de mudança de mindset.”

Para saber mais:
1) Confira o artigo da The Shift: “As marcas devem se preparar para o futuro phygital”;
2) Leia na Forbes o texto “The rise of the phygital experience”;
3) Acesse, no blog da ByondXR, o post “How does the phygital shape the future of the metaverse”;
4) Veja no Consumidor Moderno o artigo “TikTok Kitchen: como a plataforma chinesa vai revolucionar a experiência phygital no setor de restaurantes”;
5)  Leia no Distrito: “Varejo Phygital: união de físico e digital é o futuro”.

 

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